sexta-feira, maio 05, 2006

Crónica cinematográfica - Terra sem Rei

Quiçá porque o homem foi separado das suas raízes, porque o conduziram a um mundo mecanizado onde perdeu a noção dos ciclos lunares, do sentir da Terra e suas estações, e quiçá porque desviaram os seus olhos do Sagrado, agora a figura de um rei surgido da bruma, um rei no cimo de um cavalo e com a autoridade de uma espada forjada pelo Destino e pela História, nos interpela e comove.

O vazio não pode ser eterno. Assim, nas nossas alienadas sociedades, nas nossas urbes dominadas pelo lixo e pelo fumo, a espada daquele Rei anuncia-nos o Retorno do Mito.

O sentimento que a história do Rei Artur nos provoca não é, no entanto, novo. Tanto “Gladiador”, como “Braveheart” e a insuperável trilogia de “O Senhor dos Anéis” já nos haviam levado a redescobrir quem são os europeus. Em todas essas histórias está latente o mesmo espírito fáustico e cavalheiresco. A luta do homem europeu por alcançar um Destino, ainda que sabendo da inutilidade da batalha, arriscando a vida, apostando nela a sua palavra.

A palavra, a “Honra”. Esse é o grito que nos percorre como uma corrente eléctrica de cada vez que é pronunciado por Artur ou os seus cavaleiros.

Quiçá a Europa, nestes tempos de tormenta, de ameaças de guerras devastadoras, precise apetrechar-se de novo de espíritos sem medo, na força que dá o compromisso com o Sagrado e com a História.

O retorno dos valores que estão latentes na epopeia celtica-cristã de Tolkien fez com que alguns dos seus protagonistas tenham aberto os olhos para uma necessidade de combate cultural pelo que consideram a essência da sua identidade enquanto europeus. O popular Gimli, interpretado por John Rhys-Davies, declarava em Janeiro deste ano na revista World Magazine:« Penso que Tolkien anuncia-nos que as gerações terão que fazer frente a um desafio e que se não despertam para fazer frente a esse desafio perderão a sua civilização». Consciente da gravidade das suas palavras – em que falava da beleza e grandiosidade da cultura europeia – acrescentava:«Pode ser que esteja a enterrar a minha carreira com declarações como esta, e isso é doloroso, mas penso que há questões prioritárias que exigem respostas honestas».

E o actor que interpreta Aragorn( também o rei que retorna - como Artur - ) afirmava este ano:«Sou celta e escandinavo, cresci entre os mitos nos quais Tolkien se inspirou em “O Senhor dos Anéis”.É parte da minha herança».

Herança que “O Rei Artur” nos projecta. Um mundo agonizante apresenta-se aos nossos olhos mas onde, não obstante, a esperança é possível. O seu tempo presencia a queda de uma ordem e a incerteza de uma nova era. Artur, rei, traz Vontade e Espírito. Ainda que é ali que a história perde credibilidade pelos erros que introduz, já que não existia Inquisição naqueles anos nem certeza da afiliação de Artur à heresia de Pelagio.

Na história que se nos narra surgem-nos muito longínquas aquelas projecções de Hollywood de lânguidas damas esperando desvigorados cavaleiros.À sua vista também nos parece wagneriana e excessiva a “Excalibur” de Boorman.

“O Rei Artur” – como essas outras películas que citámos como precedentes de ressurreição de um cinema heróico com raízes na cultura europeia – deixa-nos, no final, de novo nas ruas das nossas urbes, com a música maravilhosa de Hans Zimmer soando no nosso interior e com uma palavra repercutindo: Honra.

Se foi assim para muitos – como foi para o autor deste comentário –, já foi suficiente. Porque o destino aguarda-nos entre as brumas e, como o cavalo de Galahad, procura-nos…de novo.

Carlos Martínez-Cava Arenas,"El semanal digital", 5 de Setembro de 2004

6 Comentários:

Blogger Caturo disse...

O filme não está mau de todo, apesar das incorrecções históricas, eventualmente portadoras de carga ideológica desonesta, e apesar da total ausência de referências religiosas não cristãs. Merece uma nota de mérito pela língua céltica falada entre os Pictos em mais de uma passagem da película.

Quanto à sua importância para o revigoramento da alma europeia, está fora de dúvida. É pelo apego à cultura étnica que uma Estirpe resiste à diluição. A prestação de Rhys-Davis foi das mais corajosas e valiosas que se tem visto em termos mediáticos. O exemplo paradigmático de quem se atreve a denunciar a nudez do «rei».

12:48 da tarde  
Blogger Caturo disse...

Quiçá a Europa, nestes tempos de tormenta, de ameaças de guerras devastadoras, precise apetrechar-se de novo de espíritos sem medo, na força que dá o compromisso com o Sagrado e com a História.

Muito bem exposto.

12:49 da tarde  
Blogger Caturo disse...

A luta do homem europeu por alcançar um Destino, ainda que sabendo da inutilidade da batalha, arriscando a vida, apostando nela a sua palavra.

Como no Bhagavad-Gitá - combater pelo dever, não porque se pode ganhar, desligando-se dos frutos dos seus actos.

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