Pensamento único
“O povo é livre de pensar que governa sempre... enquanto não tente imiscuir-se nos assuntos que lhe dizem respeito” ,Noam Chomsky.
Assim entrámos globalmente num tipo de regime que não tem nome. Já não é um regime democrático, ainda que o voto todavia exista e ainda que a fraseologia democrática continue, em certa medida, a servir-lhe de referência. Em muitos aspectos o actual regime representa inclusive a negação de um sistema democrático baseado na soberania do povo e no pluralismo. As decisões essenciais tomam-se desde instâncias não eleitas ou carentes de legitimidade democrática. A soberania fugiu das suas instâncias tradicionais, que se esvaziaram. Ao mesmo tempo este regime não é uma ditadura como as que havíamos conhecido: combina sem complexos a brutalidade militar, a coacção financeira e as prescrições morais. A ingerência humanitária não é mais que o novo nome do direito do mais forte.
A referência democrática fez parte durante muito tempo da argumentação da guerra-fria. O fim do regime soviético tornou-a inútil. Frente ao comunismo o Ocidente apresentava-se como o «mundo livre», o qual não o impedia de manter todas as ditaduras que lhe fossem úteis. Agora que o comunismo caiu já não há necessidade de dissimular a própria forma de abolir a liberdade, mas tampouco é necessário suster ditaduras demasiado visíveis. Isto permite ao Ocidente ser ao mesmo tempo não democrático e partidário dos «direitos humanos». Num mundo fictício, mundo do virtual, do imaterial, do simulacro, só existem liberdades fictícias. Neste sentido o mundo pós-comunista é também um mundo pós-democrático.
No interior da sociedade, os conflitos frontais (como a luta de classes ou as guerras entre nações), foram substituídos por uma miríade de micro-conflitos que se sobrepõem uns aos outros e que frequentemente nascem de um desejo de reconhecimento da própria identidade (cultural, linguística, sexual, etc.).Estes micro-conflitos por si mesmos são incapazes de provocar fortes rupturas mas permitem à Nova Classe jogar com a disseminação do poder ( Eric Werner) para assim manter-se no topo. O sistema fundamenta a ordem social na desordem estabelecida, empenhando-se em criar um caos que lhe é proveitoso e, ao mesmo tempo, mantendo-o debaixo de controlo. A questão é saber até onde pode o caos ser controlado.
Raoul Vaneigem escreve que a “democracia de mercado é a etiqueta humanitária do totalitarismo mercantil”.É significativo que esta opinião seja compartilhada por alguns velhos dissidentes soviéticos que, ao haverem vivido o sistema comunista e, por consequência, com pleno conhecimento de causa, não hesitaram em denunciar o sistema ocidental como um novo sistema totalitário. Alexander Solzhenitsin regressou ao seu país desgostoso pelo que havia visto no Ocidente. Alexander Zinoviev declara:”A implosão dos sistemas socialistas nos países do antigo bloco de Leste e na URSS não conduziu a uma expansão da democracia ao estilo ocidental, mas a uma expansão do Ocidente, que saiu vitorioso da guerra-fria e que agora se encaminha face a um totalitarismo de um género particular (…). Pela sua natureza, os seus actos e as suas consequências, este novo totalitarismo é mais perigoso que os seus antecedentes Hitleriano e Estalinista. O Ocidente não é algo alheio a mim, senão uma potência inimiga”.
“Não é exacto falar do fim das ideologias, na realidade”,continua Zinoviev,”a ideologia, a super-ideologia do mundo ocidental, desenvolvida no curso dos últimos 50 anos é muito mais forte que o nacional-socialismo ou o comunismo”. A ideologia dominante é a ideologia do mercantil, temperada com um discurso humanitário. A mundialização surge no horizonte neo-liberal de uma dupla polaridade, a da moral e a da economia. Por um lado a referência aos direitos humanos, por outro a obsessão com a produtividade, o crescimento e o lucro. A primeira serve a segunda. A retórica dos direitos humanos não tem outro objectivo que romper com as resistências à globalização e permitir a abertura de novos mercados: nunca se desenvolve com tanto vigor como contra aqueles que “ousam manifestar alguma resistência aos projectos de governo global, opor-se ainda que um pouco ao ocidentalismo e ao mundialismo”(Zinoviev).Por outro lado a referência aos direitos humanos nunca é objecto de uma demonstração argumentada: coloca-se como uma evidência à qual é impensável não aderir, evidência ditada por um discurso oficial que admite cada vez menos esse «politeísmo dos valores» de que falava Max Weber. Os direitos humanos adquirem assim o estatuto que no regime comunista correspondia ao marxismo-leninismo.
Os média, que representam “ a quinta-essência da vida social em todas as manifestações da sua subjectividade”(Zinoviev), jogam um papel essencial na difusão desta ideologia.”Com o advento do numérico e da multimédia, constata Ignacio Ramonet, o sistema está em condições de difundir uma mesma mensagem contínua e em directo a todo o planeta”.A informação tornou-se massiva ao mesmo tempo que globalmente pouco credível: sobre-abundante, selectiva e insignificante à vez. Em 1998 os meios de comunicação americanos dedicaram mais espaço ao assunto Clinton-Lewinsky que a todas as notícias de política externa do ano. Assim, paradoxalmente, o individualismo desemboca na apatia e no conformismo de massas.
O pensamento único é cada vez mais único e cada vez menos um pensamento.A sua dupla sedimentação, ideológica e tecnocrática, leva-o a não tolerar quem se expressa fora das suas fronteiras. Não se dirige contra as ideias que considera falsas, as quais exigiriam ser refutadas mas contra as ideias que considera «más».Essencialmente declamatório e inquisitório, o pensamento único elimina as zonas de resistência mediante uma estratégia indirecta: marginalização, silenciamento, difamação(…).A fabricação da verdade, escreve Bernard Dumont, proíbe legalmente dizer certas coisas e inclusive ordena nem concebê-las, enquanto neutraliza as outras remetendo-as para o reino relativista das «opiniões». A percepção da realidade é alterada, a fronteira entre o mundo real e o mundo da representação esfuma-se, o clima de mentira generaliza a suspeita e desemboca na despolitização geral e num conformismo de massas, à vez necessidade vital e prémio de consolação dos indivíduos perdidos na «massa».
Alain de Benoist
Assim entrámos globalmente num tipo de regime que não tem nome. Já não é um regime democrático, ainda que o voto todavia exista e ainda que a fraseologia democrática continue, em certa medida, a servir-lhe de referência. Em muitos aspectos o actual regime representa inclusive a negação de um sistema democrático baseado na soberania do povo e no pluralismo. As decisões essenciais tomam-se desde instâncias não eleitas ou carentes de legitimidade democrática. A soberania fugiu das suas instâncias tradicionais, que se esvaziaram. Ao mesmo tempo este regime não é uma ditadura como as que havíamos conhecido: combina sem complexos a brutalidade militar, a coacção financeira e as prescrições morais. A ingerência humanitária não é mais que o novo nome do direito do mais forte.
A referência democrática fez parte durante muito tempo da argumentação da guerra-fria. O fim do regime soviético tornou-a inútil. Frente ao comunismo o Ocidente apresentava-se como o «mundo livre», o qual não o impedia de manter todas as ditaduras que lhe fossem úteis. Agora que o comunismo caiu já não há necessidade de dissimular a própria forma de abolir a liberdade, mas tampouco é necessário suster ditaduras demasiado visíveis. Isto permite ao Ocidente ser ao mesmo tempo não democrático e partidário dos «direitos humanos». Num mundo fictício, mundo do virtual, do imaterial, do simulacro, só existem liberdades fictícias. Neste sentido o mundo pós-comunista é também um mundo pós-democrático.
No interior da sociedade, os conflitos frontais (como a luta de classes ou as guerras entre nações), foram substituídos por uma miríade de micro-conflitos que se sobrepõem uns aos outros e que frequentemente nascem de um desejo de reconhecimento da própria identidade (cultural, linguística, sexual, etc.).Estes micro-conflitos por si mesmos são incapazes de provocar fortes rupturas mas permitem à Nova Classe jogar com a disseminação do poder ( Eric Werner) para assim manter-se no topo. O sistema fundamenta a ordem social na desordem estabelecida, empenhando-se em criar um caos que lhe é proveitoso e, ao mesmo tempo, mantendo-o debaixo de controlo. A questão é saber até onde pode o caos ser controlado.
Raoul Vaneigem escreve que a “democracia de mercado é a etiqueta humanitária do totalitarismo mercantil”.É significativo que esta opinião seja compartilhada por alguns velhos dissidentes soviéticos que, ao haverem vivido o sistema comunista e, por consequência, com pleno conhecimento de causa, não hesitaram em denunciar o sistema ocidental como um novo sistema totalitário. Alexander Solzhenitsin regressou ao seu país desgostoso pelo que havia visto no Ocidente. Alexander Zinoviev declara:”A implosão dos sistemas socialistas nos países do antigo bloco de Leste e na URSS não conduziu a uma expansão da democracia ao estilo ocidental, mas a uma expansão do Ocidente, que saiu vitorioso da guerra-fria e que agora se encaminha face a um totalitarismo de um género particular (…). Pela sua natureza, os seus actos e as suas consequências, este novo totalitarismo é mais perigoso que os seus antecedentes Hitleriano e Estalinista. O Ocidente não é algo alheio a mim, senão uma potência inimiga”.
“Não é exacto falar do fim das ideologias, na realidade”,continua Zinoviev,”a ideologia, a super-ideologia do mundo ocidental, desenvolvida no curso dos últimos 50 anos é muito mais forte que o nacional-socialismo ou o comunismo”. A ideologia dominante é a ideologia do mercantil, temperada com um discurso humanitário. A mundialização surge no horizonte neo-liberal de uma dupla polaridade, a da moral e a da economia. Por um lado a referência aos direitos humanos, por outro a obsessão com a produtividade, o crescimento e o lucro. A primeira serve a segunda. A retórica dos direitos humanos não tem outro objectivo que romper com as resistências à globalização e permitir a abertura de novos mercados: nunca se desenvolve com tanto vigor como contra aqueles que “ousam manifestar alguma resistência aos projectos de governo global, opor-se ainda que um pouco ao ocidentalismo e ao mundialismo”(Zinoviev).Por outro lado a referência aos direitos humanos nunca é objecto de uma demonstração argumentada: coloca-se como uma evidência à qual é impensável não aderir, evidência ditada por um discurso oficial que admite cada vez menos esse «politeísmo dos valores» de que falava Max Weber. Os direitos humanos adquirem assim o estatuto que no regime comunista correspondia ao marxismo-leninismo.
Os média, que representam “ a quinta-essência da vida social em todas as manifestações da sua subjectividade”(Zinoviev), jogam um papel essencial na difusão desta ideologia.”Com o advento do numérico e da multimédia, constata Ignacio Ramonet, o sistema está em condições de difundir uma mesma mensagem contínua e em directo a todo o planeta”.A informação tornou-se massiva ao mesmo tempo que globalmente pouco credível: sobre-abundante, selectiva e insignificante à vez. Em 1998 os meios de comunicação americanos dedicaram mais espaço ao assunto Clinton-Lewinsky que a todas as notícias de política externa do ano. Assim, paradoxalmente, o individualismo desemboca na apatia e no conformismo de massas.
O pensamento único é cada vez mais único e cada vez menos um pensamento.A sua dupla sedimentação, ideológica e tecnocrática, leva-o a não tolerar quem se expressa fora das suas fronteiras. Não se dirige contra as ideias que considera falsas, as quais exigiriam ser refutadas mas contra as ideias que considera «más».Essencialmente declamatório e inquisitório, o pensamento único elimina as zonas de resistência mediante uma estratégia indirecta: marginalização, silenciamento, difamação(…).A fabricação da verdade, escreve Bernard Dumont, proíbe legalmente dizer certas coisas e inclusive ordena nem concebê-las, enquanto neutraliza as outras remetendo-as para o reino relativista das «opiniões». A percepção da realidade é alterada, a fronteira entre o mundo real e o mundo da representação esfuma-se, o clima de mentira generaliza a suspeita e desemboca na despolitização geral e num conformismo de massas, à vez necessidade vital e prémio de consolação dos indivíduos perdidos na «massa».
Alain de Benoist
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