sábado, março 05, 2005

Que Europa?

O partido da Nova Democracia criado para apaziguar a birra do Dr. Manuel Monteiro no seguimento da sua perda de influência no PP de Portas propôs nestas últimas eleições uma curiosa visão de reforma fiscal, tomando como modelo alguns países de Leste, propôs a ND a imposição de uma taxa única de IRS e, indo mais longe, alguns dos seus quadros avançaram também para a ideia de uma taxa única de IRC e IVA, tudo isto com o objectivo de simplificar o sistema fiscal (que em Portugal é de facto uma urgência) e garantir uma mais elevada receita para o Estado.

Acontece que por detrás de semelhantes propostas está implícita uma aceitação de injustiça social, já que em teoria os impostos progressivos são de facto uma medida de redistribuição do rendimento com preocupação de justiça social, obrigando quem mais rendimentos tem a pagar taxas mais elevadas de imposto. O funcionamento ineficiente do sistema fiscal português deve ser atacado mas não deve ser motivo para justificar um aumento da receita fiscal pela simplificação grosseira do sistema sem tomar em linha de conta as diferenças de rendimento da população , isso constitui na realidade a negação do que deve ser um modelo social na Europa ocidental.

A que propósito vem isto? Bom, esta observação decorre da recente polémica que vem crescendo no seio da Europa em torno da vontade de alguns países de avançarem para a harmonização fiscal dentro da União Europeia. Na liderança deste processo surgem países como o Luxemburgo, a Holanda e muito em particular a Bélgica. Isto não é propriamente de estranhar já que, tomando como exemplo a Bélgica, afiguram-se ali uma série de condicionantes que tornam este país num dos grandes impulsionadores da integração europeia completa. Ao contrário de Portugal, a Bélgica é uma nação quase artificial, dividida entre 2 realidades distintas, a flamenga e a francófona, teve sempre a sua unidade nacional debilitada e sujeita à existência de um rei que lhe desse um qualquer sentido de união, sendo uma pequena economia entrincheirada entre as grandes potências da Europa e sempre muito dependente da realidade económica dos seus vizinhos europeus, a mesma dependência que existe também no Luxemburgo e noutros países da Europa central.

Portugal, historicamente, é uma nação muito diferente. O sentido de unidade nacional sempre foi uma constante, não existem aqui, ao contrário do que sucede em outros países europeus, como a Bélgica ou a própria Espanha, diversas “nações” dentro de uma mesma realidade territorial nem tampouco foi Portugal um país virado para a Europa nas suas realidades económicas históricas. A própria recusa da regionalização por parte do povo português é bem prova do sentido ancestral de homogeneidade nacional e até há poucos anos as nossas relações económicas eram sobretudo não europeias, viradas para um império que pela nossa situação europeia periférica e posicionamento atlântico surgia como dinamizador principal da nossa estratégia de crescimento e desenvolvimento.

Com as novas exigências que se colocaram a Portugal após o fim do império, a mudança de regime e a entrada na UE tivemos uma necessidade de adaptação a uma realidade para nós completamente nova, uma construção europeia integrada aos mais diversos domínios. O ponto decisivo desta integração foi a entrada na zona euro.Com o surgimento da moeda única, Portugal (tal como os restantes países que connosco participaram nesta aventura) perdeu a capacidade de ter uma politica monetária e deu um passo fundamental na perda de autonomia decisora. Passámos a ter uma moeda forte que em nada representa a realidade competitiva do país e que não se adequa às necessidades concorrenciais da nação. A politica económica da UE, marcadamente monetarista, privilegia sempre a estabilidade monetária, a estabilidade dos preços, em detrimento de preocupações com o emprego; com a obrigatoriedade de cumprimento do PEC (aparentemente só para alguns, note-se), que impõe aos países da UE um apertado controlo orçamental, esta Europa retirou a um país como Portugal não só a capacidade de intervenção monetária mas também a capacidade “Keynesiana” de utilizar o investimento público para a dinamização do crescimento económico e a criação de emprego, este pacto é absurdo, tal como tantas outras coisas nesta construção europeia, num período de recessão e crescimento do desemprego a impossibilidade de estimular a procura pela acção do Estado é contraproducente e reforça o ciclo negativo da economia.

Neste quadro, em que ninguém sabe muito bem o que fazer para desenvolver o país e em que as preocupações económicas se centram na necessidade de curto-prazo de cumprir o desgraçado pacto, surge agora no horizonte a discussão em torno da harmonização fiscal. A política fiscal é dos poucos instrumentos de política económica, ou o único, que ainda é determinado pelos governos nacionais, no entanto é um domínio em que Portugal não teve capacidade de actuar com sucesso, na realidade a harmonização fiscal poderia ser uma notícia positiva para Portugal na óptica da sua vertente competitiva intra-europeia. Para isto contribui o facto dos novos países aderentes à UE praticarem um dumping fiscal, mantendo taxas de imposto sobre as empresas muito abaixo da média europeia e atraindo desta forma o capital internacional ao mesmo tempo que se preparam para receber fundos estruturais, criando condições de concorrência impossíveis para um país na situação de Portugal.

A competição intra-europeia tem levado a uma sucessiva pressão de baixa dos impostos sobre as empresas (sobretudo as multinacionais) na tentativa de atrair esse investimento. O ónus da progressiva redução dessa carga fiscal sobre o grande capital tem sido a redução do investimento público e a deslocação dessa incidência tributária para os trabalhadores e para as pequenas empresas com pouca capacidade de mobilidade transnacional. Como é óbvio isto é inaceitável pois é criador de mais injustiça social nos países da Europa, nomeadamente naqueles que, como Portugal, mais padecem de problemas económicos estruturais e deficiências fiscais.

Perante este cenário poder-se-á perguntar qual é então o problema com a tentativa de harmonização fiscal…A resposta é simples, as propostas de harmonização fiscal apresentadas, sobretudo pela Bélgica, denotam uma componente “interessante”, visam conquistar competitividade face aos países emergentes, que praticam dumping social, transferindo o financiamento do modelo social europeu dos impostos directos para os impostos indirectos, ou seja, fazer uma harmonização fiscal que passa pela diminuição da tributação sobre o rendimento e pelo aumento da tributação sobre o consumo. Ora isto, tal como as propostas da ND, é profundamente injusto do ponto de vista social, e até irónico, tendo os impostos sobre o consumo uma clara componente regressiva a proposta da Bélgica é colocar os trabalhadores a financiarem um sistema social que deveria ter por objectivo precisamente proteger os mais desfavorecidos, entre os quais se encontram os trabalhadores assalariados.

A harmonização fiscal na Europa é essencial se esta quiser competir e assumir-se como um bloco coeso face ao exterior, no entanto não deve basear-se na diminuição dos impostos directos e no aumento dos impostos indirectos para poder conquistar competitividade face a países que não têm as mínimas preocupações com as condições laborais dos seus trabalhadores, isto é a transformação do homem num mero instrumento ao serviço da economia, a desumanização crescente, o submetimento à lógica neo-liberal de subjugar tudo ao lucro. Face ao dogma liberal de evitar qualquer proteccionismo, a Europa, em vez de proteger a sua economia face aos países que praticam processos de dumping social procura concorrer nas condições impostas pelo liberalismo primário e para tal procura conquistar competitividade à custa da justiça social.

A solução deveria ser diferente, a harmonização fiscal deve ser levada adiante mas não da forma agora proposta, urge levar a cabo uma harmonização da tributação sobre as empresas no seio da UE, impedindo diferenças na tributação do IRC e tornando desta forma irrelevante a deslocação de empresas no interior da Europa. As políticas sociais seriam assim financiadas pela tributação directa sobre os lucros, impondo uma taxa mínima de imposto sobre as empresas e acabando com a competição fiscal intra-europeia que tem levado à progressiva diminuição das taxas médias de imposto sobre as empresas no espaço da UE. Seriam as receitas desta tributação directa a financiar o modelo social europeu e não aumentos nos impostos indirectos que são causadores de maior injustiça social. Para efeitos de competição extra-europeia a Europa deveria adoptar medidas proteccionistas contra países que baseassem o seu modelo competitivo no dumping social e não ceder às instituições liberais internacionais. O pacto de estabilidade por sua vez deveria ser revisto a par da implementação daquelas medidas de harmonização fiscal, de forma a permitir aos governos nacionais um instrumento de política gerador de emprego quando em períodos recessivos.

Cabe ao nacionalismo identitário a crítica desta construção europeia e a apresentação de alternativas, se não o fizer deixará esse espaço livre para a esquerda. A defesa de princípios comunitários e de solidariedade não é compatível com o caminho que se está a percorrer, esta Europa não augura nada de bom para Portugal.

4 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Bom post!

NC

1:04 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Igualmente.É de facto uma bela análise,mas continuo a dizer que gosto da ND!!!!!

1:57 da tarde  
Blogger Flávio Santos disse...

Excelente texto. Parabéns.

10:33 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Very cool design! Useful information. Go on!
»

1:15 da tarde  

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