sexta-feira, julho 28, 2006

Os substitutos dispensáveis

Um dos chavões de estimação dos imigracionistas é o de que os imigrantes do terceiro-mundo, que invadem literalmente o Ocidente, vêm realizar trabalhos que os autóctones não pretendem fazer. Ainda que tenhamos consciência de que sob outras condições salariais, laborais (que são precisamente impedidas de concretização pela pressão que a imigração coloca sob o mercado de trabalho), o argumento cai por terra, é preciso dizer que mesmo fora desse cenário alternativo, isto é, mesmo no contexto da realidade que temos, essa é uma ideia falsa.

Mas embora seja uma ideia falaciosa não deixa de ser constantemente repetida por quem é conivente com a destruição da identidade ocidental. Ao contrário do que os imigracionistas possam pensar (e isto poderá ser um choque, aconselha-se por isso aos mais sensíveis de entre eles que parem imediatamente de ler) a verdade é que antes da entrada numerosa de imigrantes nos países europeus, os autóctones – miraculosamente – já tinham cafés, restaurantes (com empregados e tudo!), já construíam casas, pontes, estradas, colhiam os frutos da terra, conduziam transportes e sabe Deus o que mais – espantosa e inexplicavelmente, é claro. Saindo da realidade ocidental consta que até mesmo em países com políticas de imigração tradicionalmente muito restritivas, como o Japão, todo o tipo de serviços foram sendo efectuados!

Na verdade, assim como todo o género de trabalhos eram realizados antes do início da moderna vaga de imigração de larga escala para o Ocidente, continuariam a sê-lo se ela não existisse. As economias dessas nações não deixariam de funcionar, dar-se-ia um ajustamento dos salários e dos preços, apenas isso.

Curiosamente (ou não), este argumento dos imigracionistas é generalizado a todo o mundo desenvolvido, ele é usado pelos lóbis multiculturalistas em todos os países afectados pelo fenómeno, o que significa que é indiferente às regras a que estão sujeitos os subsídios de desemprego em países com modelos de funcionamento diferentes, dos mais liberais aos menos, dos que têm mercados laborais mais flexíveis às suas contrapartes. De tal modo que os próprios imigracionistas americanos o papagueiam.

Steven Camarota, do Center for Immigration Studies, analisou a questão nos EUA e chegou à conclusão que em todas as áreas onde incide maioritariamente o trabalho imigrante existem percentagens significativas de trabalhadores nacionais no desemprego, ou seja, não existem trabalhos que os nacionais não estejam dispostos a fazer. Conclui também que o desemprego de nacionais tende a ser superior nos sectores onde incide o maior influxo de imigrantes; como esses sectores são os de trabalho menos qualificado acabam por ser os cidadãos mais desfavorecidos a pagar o preço directo mais elevado da torrente imigratória. Finalmente, o estudo contesta a benignidade da permanência no país de imigrantes ilegais e o próprio aumento do número de imigrantes legais.(*)

O que é válido aqui para a realidade norte-americana é extensível, na generalidade, ao mundo desenvolvido. Também no Velho Continente existem autóctones a trabalhar em todas as áreas e também por cá existem desempregados nos sectores mais atingidos pela imigração. A questão não é, pois, que existam trabalhos que apenas conseguissem realização pela imigração mas antes que existem interesses em disputa para controlar o mercado laboral, através da afluência permanente de imigrantes.

(*)Dropping Out.
Immigrant Entry and Native Exit
From the Labor Market, 2000-2005

sábado, julho 22, 2006

Domesticando o Líbano

Tem sido consensual – com a excepção de alguns grupos mais dispostos a acenar a bandeira de Israel – considerar desproporcionada, bárbara até, a reacção do Estado judaico ao assassínio de 3 dos seus soldados (mais 5 morreriam na reacção imediata das forças israelitas) e rapto de outros dois por parte do Hezbollah, a 12 de Julho. Nos poucos dias em que o conflito se desenrolou o Estado democrático de Israel matou mais de três centenas de civis libaneses, provocou mais de um milhar de feridos, criou mais de meio milhão de desalojados e destruiu uma enorme quantidade de infra-estruturas essenciais à vida quotidiana das populações libanesas.

É certo que foi o Hezbollah a despoletar as hostilidades; o movimento pretenderia capturar soldados israelitas para posteriormente poder trocá-los com os libaneses que Israel ainda mantém nas suas prisões. No fundo existia o precedente, anteriormente o Hezbollah havia já conseguido trocar israelitas por prisioneiros libaneses e palestinianos. Mas desta vez as condições geopolíticas eram distintas e aos olhos do governo judaico abriu-se uma oportunidade; em face da presente situação estratégica na região poderia juntar-se o útil ao…desagradável (a morte e captura dos seus).

Antes de analisarmos as razões por detrás da dimensão e características da resposta israelita convém referir alguns dados particulares deste conflito. É verdade que Israel está a responder a um ataque perpetrado contra si e ocorrido na fronteira norte do país, mas este ataque foi dirigido exclusivamente a alvos militares e teve como resposta uma ofensiva desproporcionada que atingiu essencialmente alvos civis. Na lógica da moralidade muito própria imposta internacionalmente pelos EUA e seus aliados, a definição de movimentos ou acções terroristas estava em larga medida balizada pelo marco da sociedade civil, isto é, a actuação terrorista distinguir-se-ia sobretudo pela arbitrariedade que envolveria os ataques contra populações civis, os militares estariam assim cientes de que, pelo seu estatuto, encontrar-se-iam necessariamente sujeitos, sobretudo em áreas de conflito, a riscos que não poderiam ser igualmente assumidos por civis, responsabilidades distintas, naturalmente.

Por outro lado é também importante lembrar o histórico das violações fronteiriças entre o norte de Israel e o sul do Líbano. Lembremos que desde a retirada israelita do Líbano, conseguida muito graças à acção de combate do Hezbollah – o que justifica em grande parte a aura de que goza o movimento entre alguns sectores islâmicos –, Israel continuou a violar a fronteira sul do Líbano, com incursões nesse espaço, e que o Estado judaico deixou vastas áreas do sul do Líbano minadas tendo recusado disponibilizar às autoridades libanesas os mapas completos da localização dos engenhos explosivos lá colocados, o que resultou na morte de vários civis libaneses. Foi aliás numa troca de prisioneiros como a agora procurada que o Hezbollah conseguiu do governo israelita alguns mapas da localização de minas terrestres deixadas por Israel no país vizinho.

Temos assim um histórico de violações de soberania muito próprio no qual Israel não pode ser tomado como exemplo. Por outro lado, o alvo militar do ataque do Hezbollah, sem negar que a esse movimento cabem as responsabilidades imediatas no despoletar deste novo problema, por contraponto com certa arbitrariedade e clara brutalidade da ofensiva israelita sobre populações civis, leva a uma necessária reflexão sobre o epíteto «terrorista» e os critérios que estão subjacente à sua atribuição. Porque o terrorismo de Estado também existe, e pelas suas características tem um potencial de destruição superior, ainda mais protegido por uma atribuída superioridade moral que parece imune ao confronto com a realidade, como se se tratasse de um galardão ostentado por uns quantos (o amigo americano e seus aliados) para a posteridade, independentemente das suas acções.

Se a reacção israelita seria expectável o modo em que decorreu e o extremismo que assumiu espantaram o mundo. Mas existem razões objectivas que a explicam. Essa retaliação no limite da brutalidade (ou para além dele) obedece a um timing e a contingências estratégicas próprias, a agressão sofrida pelo pequeno grupo de militares judeus foi a justificação perfeita para colocar em curso, nas condições mais favoráveis, o plano de política externa divisado pelo Estado israelita, e apoiado pelos EUA, para a região.

Trata-se, antes de mais( mas não só), de forçar a implementação total da resolução 1559 da ONU, que exigia o fim da presença militar Síria no Líbano( propósito que já estava alcançado) e da sua intervenção nos assuntos internos libaneses bem como o desmantelamento das milícias armadas do país, numa clara referência ao Hezbollah.

Ora é preciso recordar que a influência síria no Líbano tem também um longo historial e recolheu durante muito tempo, mesmo junto do governo libanês, considerável apoio. Refira-se que, por exemplo Rafik Hariri, antigo primeiro-ministro libanês, supostamente assassinado por Damasco, fora durante muito tempo um claro defensor da aliança entre o Líbano e a Síria e um defensor do Hezbollah como força de protecção do país face à ameaça israelita. Embora tenha depois tomado o lado das forças anti-sírias as posições por ele anteriormente defendidas continuaram a ter eco e representantes em sectores da sociedade civil e na política libanesa.

Nesse sentido algumas notas devem ser salientadas para que se possa compreender completamente o que está em jogo. Notemos então: a ligação do Hezbollah aos sectores que apoiam a proximidade do Líbano com a Síria, a admiração sempre manifestada pelo Hezbollah em relação à revolução iraniana e a sua consequente proximidade com Teerão, o acordo de defesa assumido pelo Irão em relação à Síria, o facto de Irão e Síria serem consideradas as duas maiores ameaças aos interesses estratégicos de Israel e EUA na região, e finalmente o receio crescente que a influência iraniana e a eventualidade da emergência de Teerão como grande potência geopolítica da região está a causar em vários estados árabes, pelo medo que alguns desses governos, alinhados tradicionalmente com os EUA, manifestamente sentem em relação a um possível cenário de revolução popular.

Desta forma a ofensiva radical de Israel no Líbano tem 3 objectivos encadeados. O primeiro, abertamente assumido e que resulta naturalmente da execução da referida resolução 1559, é o desmantelamento do Hezbollah no Líbano de modo a assegurar a segurança directa do Estado judaico, objectivo consonante com a destruição do Hamas, por via da acção militar em curso simultaneamente na Faixa de Gaza, agora que o exército judaico regressou em força à região.

O segundo objectivo, que decorre directamente do anulamento do Hezbollah, passa por isolar Damasco, extinguindo toda a influência síria sobre o Líbano, algo que começou a ser realizado com a retirada das forças sírias mas que não foi completamente alcançado, uma vez que continuaram a existir milícias e forças políticas pró-sírias no panorama político libanês com a anuência do governo. A retirada das forças sírias do Líbano, na sequência do processo que ficou conhecido por Revolução dos Cedros, foi alvo da oposição do Hezbollah (Partido de Deus), que organizou o apoio popular à Síria tendo posteriormente nas eleições conseguido o seu melhor resultado.

Assim, destruir o Hezbollah não significa apenas garantir a segurança imediata da fronteira norte de Israel mas também destruir a força política e o movimento armado com maior capacidade de mobilização popular nos segmentos pró-sírios, etapa fundamental para o isolamento de Damasco. Ao erradicar a influência síria no país está dado o passo decisivo para garantir o alinhamento completo do Líbano com os EUA e Israel, implementa-se assim na região, e mais importante, num país que faz fronteira com o Estado judaico, um governo controlado pelo «Ocidente» e cujos segmentos anti-judaicos e anti-americanos perdem toda a relevância, desprovidos que ficam de capacidade armada e diplomática.

O terceiro objectivo, que não deixa de estar interligado com os anteriores e é, a nível geopolítico, tão ou mais importante, passa pelo isolamento do Irão. A força crescente de Teerão na região é motivo de preocupação para os EUA, para Israel e para vários governos de países árabes. O crescente poder de Teerão passa também pela sua influência sobre Damasco e sobre o Hezbollah – e logo, necessariamente, sobre o Líbano. Na actual conjuntura, estando a situação no Iraque e no Afeganistão por controlar e com o preço do petróleo em níveis muito elevados, não estão reunidas as condições ideais para intervir no Irão, deste modo, restringir ao máximo a ascendência de Teerão sobre outros Estados ou movimentos do Médio Oriente é um passo fulcral para aumentar a eficácia da pressão sobre o regime de Ahmadinejad. Enquanto se procura criar um cenário mais favorável a uma efectiva intervenção militar no Irão, ou pelo menos um cenário em que Teerão sinta isso como uma ameaça mais real, é essencial ganhar tempo e no entretanto cercear a capacidade de acção de Teerão na região.

É por tudo isto que a ofensiva israelita no Líbano tem a dimensão e a intensidade apresentadas. As condições reunidas e o timing não podiam ser desaproveitados. Conta com o apoio tácito dos EUA( o mesmo é dizer da «comunidade internacional»), ou até declarado, como o atestam algumas afirmações de pessoas ligadas à Administração Bush, que vê com bons olhos a hipótese de isolar ainda mais a Síria e o Irão, conta com o apoio subentendido de vários Estados árabes, beneficia de um álibi legitimador – o ataque aos seus militares –, é uma hipótese de garantir a segurança de Israel a norte, numa zona onde sempre foi particularmente vulnerável, e surge como uma possibilidade de restringir a força do Irão no Médio Oriente numa altura em que é urgente ganhar tempo face à vontade de Teerão se estabelecer como potência regional.

A verdade é que neste contexto parecem existir sobretudo dois factores a considerar no rumo desta história, e não creio que a «comunidade internacional» e as suas organizações tenham voz no assunto( a não ser que cesse a conivência americana); um será a avaliação do apoio que eventualmente o Hezbollah possa conquistar entre a população libanesa, sentindo-se esta desamparada ante a ofensiva israelita, o outro será naturalmente a reacção (ou não) do Irão e o que essa eventual reacção exigirá dos EUA.