Cinematografia comparada
“O Triunfo da Vontade” de Reni Riefenstahl e “Outubro” de Sergei Eisenstein são ambos filmes de propaganda da maior envergadura, tanto em conteúdo como em execução. Enquanto Riefenstahl se concentra na exploração da imagética do nacional-socialismo Eisenstein concentra-se na recriação de uma etapa crucial da luta de classes soviética. Os dois filmes tentam manipular a «Weltanschauung» política dos espectadores empregando diversas técnicas cinematográficas inovadoras, como montagens audaciosas e imagens hipnotizantes que parecem sempre persistir sobre o ecrã( por exemplo as intermináveis paradas nacional-socialistas em “O Triunfo da Vontade”). Devemos compreender, não obstante, que o nacional-socialismo e o comunismo estavam quase diametralmente opostos no espectro político da época. Enquanto o nacional-socialismo tentava concentrar-se no aperfeiçoamento da raça nórdica o comunismo tentava abarcar toda a humanidade. [*]
Richard Taylor diz que quase não existem arquivos visuais sobre a Revolução de Outubro. Os soviéticos puderam utilizar esse facto em seu proveito. Começaram a estabelecer «uma base de legitimidade histórica para o regime e a ausência de provas documentais adequadas deu aos realizadores soviéticos uma ocasião de ouro para reconstruírem as realidades da História russa e de melhorá-las um pouco» (Taylor 93). Isto, claro, significa que os soviéticos não fizeram nada mais que glorificar a construção do seu Estado bolchevique. Puderam fazer isso porque tinham o controlo total dos meios de comunicação( era, afinal, um regime totalitário).
Empregando um realizador tão célebre quanto Eisenstein apoderaram-se de um duplo crédito: Por um lado por ter um tal génio criativo do seu lado, por outro porque Eisenstein( sendo um grande artista) foi capaz de superar uma simples dramatização do acontecimento. Como diz Pudovkin, « o artista soviético deve sentir que a sua criação depende constantemente dos desejos e interesses do povo»(Pudovkin 51).Isso quer dizer que o artista deve satisfazer os desejos do povo fazendo-o crer que vive realmente no paraíso dos trabalhadores. Claro, Eisenstein estava perfeitamente consciente desta intenção quando filmava “Outubro”, como se torna óbvio quando vemos a forma finamente estilizada e o conteúdo.
Parece totalmente evidente que se “Outubro” é «um símbolo da união do artista com a sua época» (Zorkaya 69) o filme é também uma grande mentira no sentido em que não representa o que se passaria realmente durante a Revolução de Outubro. Ao contrário, o filme é uma simples figuração do acontecimento. Outubro é dedicado ao décimo aniversário da revolução, degradando-se assim num mero espectáculo de celebração. Ele é certamente destinado à massa russa e àquilo que esta supostamente teria ganho com a Revolução. É honesto supor que esta era a ideia por detrás do filme mas, na realidade, as massas foram as últimas a ganhar algo na Revolução. Isto faz de “Outubro” nada mais que uma grande mentira.
Por outro lado quando comparamos “Outubro” a “O Triunfo da Vontade” torna-se rapidamente claro que este último é superior ao primeiro. “O Triunfo da Vontade” não é uma recriação de acontecimentos reais, mas mais um documentário ( ainda que também seja propaganda) sobre os próprios acontecimentos. Leni Riefenstahl foi incumbida por Adolf Hitler de fazer um documentário sobre o Congresso do Partido em Nuremberga ( 1934).
Segundo Robert Gardner ( que entrevistou Riefenstahl) ela foi ao princípio reticente em fazer o filme porque «não conhecia nada do Partido e da sua organização»(Hull 74). Riefenstahl insistiria também em que a película fosse sobretudo financiada por ela mais que pelo partido. Todas as circunstâncias mencionadas anteriormente são bons indicadores de que “O Triunfo da Vontade” é, ao menos na sua essência, menos obra de propaganda que “Outubro”.
É provavelmente verdade que “O Triunfo da Vontade” é o filme de propaganda mais impressionante ( e provavelmente o mais eficaz) jamais produzido. Segundo Siegfried Kracauer «Leni Riefenstahl fez um filme que não só ilustra perfeitamente o Congresso, mas consegue exprimir todo o seu significado. As câmaras exploram sem cessar as caras, e cada um destes grandes planos é uma prova da perfeição com a qual a metamorfose da realidade foi alcançada»(Kracauer 301).
Riefenstahl consegue mostrar o que era realmente o Congresso do Partido: a pompa e o esplendor, uma espécie de exemplo para as massas. Mas era a realidade do próprio espectáculo. Podemos pois deduzir que Riefenstahl não fez mais que registrar a atmosfera grandiloquente em seu redor. Ela não teve de embelezar ou completar qualquer coisa pelo exagero, como Eisenstein fez certamente em “Outubro”. A razão pela qual Riefenstahl não foi forçada a inventar a sua exposição da glória nacional-socialista foi pela facto de ela estar no seu meio e não numa recriação( como Eisenstein enquanto propagava a glória comunista).Enquanto “Outubro” é uma adaptação infiel de um acontecimento histórico, “O Triunfo da Vontade” pode ser visto como um simples registro da História.
Richard Taylor diz que “O Triunfo da Vontade” é «ao mesmo tempo um soberbo exemplo de cinema documental e uma obra-prima da propaganda»( Taylor 177). Esta declaração resume as opiniões divergentes sobre o filme. Se a maior parte dos críticos se apressam a não ver nada mais no filme que uma peça de propaganda desavergonhada,outros dizem que o filme tem um valor em si enquanto documentário. O facto de não haver qualquer comentário em voz-off ou qualquer cena organizada especialmente para o filme deveria provar que a única propaganda que dele podemos retirar vem do seu conteúdo. Mas é preciso notar que Riefenstahl não criou o conteúdo uma vez que não fazia mais que registrá-lo. É a razão pela qual “O Triunfo da Vontade” tem por subtítulo:«O documento do Congresso do Partido do Reich,1934».
De acordo com Taylor, Leni Riefenstahl afirmaria numa entrevista que «tudo (em “O Triunfo da Vontade”) é real. E não existem comentários tendenciosos pela simples razão que o filme não tem comentários de todo. É a História. Um filme puramente histórico.» (Taylor 189). Isto não é certamente verdade para “Outubro”. Muito curiosamente, segundo Taylor «a ausência de material documental (sobre a Revolução de Outubro) …significou que os historiadores e realizadores ulteriores recorreram a “Outubro” como fonte documental» (Taylor 93). É verdadeiramente irónico, com efeito se pensarmos que “O Triunfo da Vontade” é considerado como um infame filme de propaganda enquanto que, como nos apercebemos agora, “Outubro” adquiriu o estatuto de «fonte documental». Não podemos deixar de perguntar se não seria necessário fazer o inverso, considerando as circunstâncias nas quais os dois filmes foram realizados.
Constantin von Hoffmeister
Obras citadas:
- Hull, David Stewart. Film in the Third Reich. Los Angeles: University of California Press, 1969.
- Kracauer, Siegfried. From Caligari to Hitler. Princeton: Princeton University Press, 1974.
- Pudovkin, V. Soviet Films: Principal Stages of Development. Bombay: People's Publishing House, 1950.
- Taylor, Richard. Film Propaganda: Soviet Russia and Nazi Germany. New York: Barnes & Noble Books, 1979.
- Zorkaya, Neya. The Illustrated History of the Soviet Cinema. New York: Hippocrene Books, 1989.
[*]Naturalmente a distinção que o autor aqui faz entre o nacional-socialismo e o comunismo, de tão simplista, acaba por ser falhada.Compreendo que o objecto do texto fosse outro mas não poderia deixar de referir que a diferenciação entre as duas doutrinas não é minimamente conseguida com esta frase, sem prejuízo da qualidade do resto do artigo.Mas sobre este assunto falarei posteriormente.
Richard Taylor diz que quase não existem arquivos visuais sobre a Revolução de Outubro. Os soviéticos puderam utilizar esse facto em seu proveito. Começaram a estabelecer «uma base de legitimidade histórica para o regime e a ausência de provas documentais adequadas deu aos realizadores soviéticos uma ocasião de ouro para reconstruírem as realidades da História russa e de melhorá-las um pouco» (Taylor 93). Isto, claro, significa que os soviéticos não fizeram nada mais que glorificar a construção do seu Estado bolchevique. Puderam fazer isso porque tinham o controlo total dos meios de comunicação( era, afinal, um regime totalitário).
Empregando um realizador tão célebre quanto Eisenstein apoderaram-se de um duplo crédito: Por um lado por ter um tal génio criativo do seu lado, por outro porque Eisenstein( sendo um grande artista) foi capaz de superar uma simples dramatização do acontecimento. Como diz Pudovkin, « o artista soviético deve sentir que a sua criação depende constantemente dos desejos e interesses do povo»(Pudovkin 51).Isso quer dizer que o artista deve satisfazer os desejos do povo fazendo-o crer que vive realmente no paraíso dos trabalhadores. Claro, Eisenstein estava perfeitamente consciente desta intenção quando filmava “Outubro”, como se torna óbvio quando vemos a forma finamente estilizada e o conteúdo.
Parece totalmente evidente que se “Outubro” é «um símbolo da união do artista com a sua época» (Zorkaya 69) o filme é também uma grande mentira no sentido em que não representa o que se passaria realmente durante a Revolução de Outubro. Ao contrário, o filme é uma simples figuração do acontecimento. Outubro é dedicado ao décimo aniversário da revolução, degradando-se assim num mero espectáculo de celebração. Ele é certamente destinado à massa russa e àquilo que esta supostamente teria ganho com a Revolução. É honesto supor que esta era a ideia por detrás do filme mas, na realidade, as massas foram as últimas a ganhar algo na Revolução. Isto faz de “Outubro” nada mais que uma grande mentira.
Por outro lado quando comparamos “Outubro” a “O Triunfo da Vontade” torna-se rapidamente claro que este último é superior ao primeiro. “O Triunfo da Vontade” não é uma recriação de acontecimentos reais, mas mais um documentário ( ainda que também seja propaganda) sobre os próprios acontecimentos. Leni Riefenstahl foi incumbida por Adolf Hitler de fazer um documentário sobre o Congresso do Partido em Nuremberga ( 1934).
Segundo Robert Gardner ( que entrevistou Riefenstahl) ela foi ao princípio reticente em fazer o filme porque «não conhecia nada do Partido e da sua organização»(Hull 74). Riefenstahl insistiria também em que a película fosse sobretudo financiada por ela mais que pelo partido. Todas as circunstâncias mencionadas anteriormente são bons indicadores de que “O Triunfo da Vontade” é, ao menos na sua essência, menos obra de propaganda que “Outubro”.
É provavelmente verdade que “O Triunfo da Vontade” é o filme de propaganda mais impressionante ( e provavelmente o mais eficaz) jamais produzido. Segundo Siegfried Kracauer «Leni Riefenstahl fez um filme que não só ilustra perfeitamente o Congresso, mas consegue exprimir todo o seu significado. As câmaras exploram sem cessar as caras, e cada um destes grandes planos é uma prova da perfeição com a qual a metamorfose da realidade foi alcançada»(Kracauer 301).
Riefenstahl consegue mostrar o que era realmente o Congresso do Partido: a pompa e o esplendor, uma espécie de exemplo para as massas. Mas era a realidade do próprio espectáculo. Podemos pois deduzir que Riefenstahl não fez mais que registrar a atmosfera grandiloquente em seu redor. Ela não teve de embelezar ou completar qualquer coisa pelo exagero, como Eisenstein fez certamente em “Outubro”. A razão pela qual Riefenstahl não foi forçada a inventar a sua exposição da glória nacional-socialista foi pela facto de ela estar no seu meio e não numa recriação( como Eisenstein enquanto propagava a glória comunista).Enquanto “Outubro” é uma adaptação infiel de um acontecimento histórico, “O Triunfo da Vontade” pode ser visto como um simples registro da História.
Richard Taylor diz que “O Triunfo da Vontade” é «ao mesmo tempo um soberbo exemplo de cinema documental e uma obra-prima da propaganda»( Taylor 177). Esta declaração resume as opiniões divergentes sobre o filme. Se a maior parte dos críticos se apressam a não ver nada mais no filme que uma peça de propaganda desavergonhada,outros dizem que o filme tem um valor em si enquanto documentário. O facto de não haver qualquer comentário em voz-off ou qualquer cena organizada especialmente para o filme deveria provar que a única propaganda que dele podemos retirar vem do seu conteúdo. Mas é preciso notar que Riefenstahl não criou o conteúdo uma vez que não fazia mais que registrá-lo. É a razão pela qual “O Triunfo da Vontade” tem por subtítulo:«O documento do Congresso do Partido do Reich,1934».
De acordo com Taylor, Leni Riefenstahl afirmaria numa entrevista que «tudo (em “O Triunfo da Vontade”) é real. E não existem comentários tendenciosos pela simples razão que o filme não tem comentários de todo. É a História. Um filme puramente histórico.» (Taylor 189). Isto não é certamente verdade para “Outubro”. Muito curiosamente, segundo Taylor «a ausência de material documental (sobre a Revolução de Outubro) …significou que os historiadores e realizadores ulteriores recorreram a “Outubro” como fonte documental» (Taylor 93). É verdadeiramente irónico, com efeito se pensarmos que “O Triunfo da Vontade” é considerado como um infame filme de propaganda enquanto que, como nos apercebemos agora, “Outubro” adquiriu o estatuto de «fonte documental». Não podemos deixar de perguntar se não seria necessário fazer o inverso, considerando as circunstâncias nas quais os dois filmes foram realizados.
Constantin von Hoffmeister
Obras citadas:
- Hull, David Stewart. Film in the Third Reich. Los Angeles: University of California Press, 1969.
- Kracauer, Siegfried. From Caligari to Hitler. Princeton: Princeton University Press, 1974.
- Pudovkin, V. Soviet Films: Principal Stages of Development. Bombay: People's Publishing House, 1950.
- Taylor, Richard. Film Propaganda: Soviet Russia and Nazi Germany. New York: Barnes & Noble Books, 1979.
- Zorkaya, Neya. The Illustrated History of the Soviet Cinema. New York: Hippocrene Books, 1989.
[*]Naturalmente a distinção que o autor aqui faz entre o nacional-socialismo e o comunismo, de tão simplista, acaba por ser falhada.Compreendo que o objecto do texto fosse outro mas não poderia deixar de referir que a diferenciação entre as duas doutrinas não é minimamente conseguida com esta frase, sem prejuízo da qualidade do resto do artigo.Mas sobre este assunto falarei posteriormente.
7 Comentários:
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Ena, também conheces o Constantin =) uma personagem deveras interessante, dependendo do dia.
Fabulosa análise comparativa de Hoffmeister. Obrigado por a publicar, Rodrigo!
"Naturalmente a distinção que o autor aqui faz entre o nacional-socialismo e o comunismo, de tão simplista, acaba por ser falhada.Compreendo que o objecto do texto fosse outro mas não poderia deixar de referir que a diferenciação entre as duas doutrinas não é minimamente conseguida com esta frase, sem prejuízo da qualidade do resto do artigo."
Uma pequena chamada de atenção, o Constantin é Nacional-Bolchevique, daí acredita-me que dificilmente lhe encontrarás grandes críticas à URSS.
«Uma pequena chamada de atenção, o Constantin é Nacional-Bolchevique, daí acredita-me que dificilmente lhe encontrarás grandes críticas à URSS.»
Bom, mas isso não justifica tão grosseira representação dos dois fenómenos comparados.
Análise plena de oportunidade, com destaque para a conclusão.
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