quarta-feira, outubro 26, 2005

Epílogo, regeneração e renascimento

Em “A Política” Aristóteles analisa a democracia, a monarquia e a aristocracia( quando lhe pretende dar um cunho negativo refere-se a esta última fórmula como oligarquia, fazendo a distinção necessária com a sua feição pervertida). Ele conclui que uma cidade com um governo íntegro é aquela dirigida de acordo com princípios rígidos de justiça enquanto aquelas governadas de acordo com os interesses egoístas da elite dominante são despóticas. A distinção que faz entre um modelo de governo tirânico e o seu oposto não é estabelecida em função da forma institucional em que o poder é organizado mas antes em função da forma como esse poder é exercido. Ou seja, a legitimidade ou falta dela de um regime é dependente do facto de servir o interesse da comunidade ou os interesses dos governantes. Aristóteles é inequívoco na compreensão da potencial deformidade de qualquer dos sistemas, não são apenas as monarquias e as oligarquias que podem representar governos em proveito próprio de elites dominantes, a democracia é igualmente susceptível de degeneração.

A Revolução de 1789 colocou fim a uma monarquia e implementou uma república; no processo destruiu uma classe aristocrática, mas esse foi o resultado natural da natureza do Antigo Regime e da natureza da sua aristocracia degenerada. A Revolução francesa não foi perniciosa por ter colocado fim a um regime que assentava em princípios injustos, onde nobres e clérigos beneficiavam de privilégios absurdos, consagrados por lei, em relação ao resto da população, que vivia em condições generalizadamente lamentáveis. Essa é a sua única força moral. Ela foi danosa por ter destruído a própria ideia de aristocracia, não na sua forma decadente mas na sua dimensão mítica.

Nos valores ou ideais que estiveram subjacentes à sua eclosão sobressai o dogma igualitarista, que é em si a negação do valor e, por consequência, do espírito aristocrático. Segundo Tocqueville, o crescente individualismo sociológico que se vinha manifestando na sociedade francesa criou as condições para o advento da Revolução ao colocar a ideia de igualdade como eixo da política. O igualitarismo é assim uma causa e não uma consequência da Revolução francesa. Para ele, individualismo e igualitarismo surgem interligados e a crescente atomização da sociedade levaria ao seu desmembramento. A solução passaria pela criação de corpos intermédios, como os que existiam no Antigo Regime, que unissem os cidadãos num espírito comunitário, como as corporações e as associações civis, possibilitando ao indivíduo o verdadeiro exercício da liberdade, que só pode ser conseguido no seio da comunidade e que não faz sentido sem esta, o laço social surge como ponto capital e são esses corpos intermédios que garantem ao indivíduo protecção contra o que Tocqueville chama “império moral das maiorias”.

A aristocracia pré-revolucionária era uma aristocracia de título, de carácter hereditário, que assegurava o imobilismo social ou a manutenção de posição social por direito sucessório, detinha-se o poder de classe por obra do acaso, da fortuna no nascimento. Aqui reside o factor degenerativo da aristocracia, a ausência do mérito, a verdadeira aristocracia terá sempre de ser uma meritocracia. O governo dos melhores não se compadece com uma rigidez social assente na herança, mas antes com a mobilidade possibilitada pela demonstração de valor, com a necessidade de comprovar a aptidão e o mérito de forma continuada. A Revolução francesa limitou-se a fazer cair uma classe que já não representava os “melhores”.

«Nasceu da guerra e para a guerra; conquistou o seu poder pela força das armas e manteve-o pelas mesmas. Assim nada era mais importante para ela do que a coragem militar.» Desta forma define Tocqueville a aristocracia feudal europeia no seu livro “De la Démocratie en Amérique”. Se desde a Grécia antiga a aristocracia havia assegurado o seu estatuto pela bravura nos campos de batalha, por altura do período revolucionário os valores da coragem, da honra e da audácia, indissociáveis dessa elite europeia, tinham perdido o seu sentido. A guerra era agora assegurada por exércitos modernizados em que os nobres já não cavalgavam na frente das suas tropas, como líderes que dão o exemplo e assumem o risco; ficavam na retaguarda dos conflitos enquanto os soldados travavam a luta.

Mas a Revolução não se limitou a destruir esta falsa aristocracia, ela representa o epílogo dos valores que ergueram a verdadeira aristocracia, numa sociedade marcadamente comercial e pré-industrial a energia viril e a bravura caracterizadoras da classe foram substituídas pela capacidade nos negócios, o culto do lucro, a aptidão no mercado, e este nunca se pautou por quaisquer elevados valores morais, muito menos fazem para ele sentido palavras como honra, fidelidade, coragem. No mercado não se morre por um ideal, quanto muito morre-se de fome. A revolução maçónica simboliza efectivamente o fim da espiritualidade aristocrática europeia, previamente anunciada pelas transformações sociais na Europa da época.

Para resgatar o espírito aristocrático é essencial desligar o conceito de aristocracia da monarquia, são coisas distintas e, ademais, a aristocracia de mérito não necessita de títulos, é essencial colocar o ideal aristocrático para além da dicotomia monarquia/república tal como é essencial colocá-lo para além da lógica democracia/anti-democracia.

Bardèche exalta os valores base da coragem, virilidade, energia, justiça social e solidariedade e é curiosos notar que, se as revoluções francesa e americana criaram condições para o progresso dos dois últimos, não deixaram de esvaziar os três primeiros. O renascimento europeu só poderá passar pela progressão e fortalecimento de todos eles, e para tal é indispensável uma nova aristocracia, não uma nobreza hereditária, assente na propriedade, mas uma meritocracia. Isto não poderá ser alcançado pela glorificação do mercado, do materialismo, do individualismo económico, como não poderá passar pelo tradicionalismo imobilista. A meritocracia( ou verdadeira aristocracia) eleva aqueles que mais contribuem para a comunidade e não aqueles que têm os antepassados certos ou a conta bancária mais gorda, representa a celebração do valor, mas ela não pode existir, como vimos, sem que a elite governe para a colectividade e sem que esta se veja representada na elite, tem uma índole eminentemente orgânica e não pode existir fora dessa interligação comunitária. Necessita de ter sentido de grei, de ser orientada para o serviço da nação e herdeira da coragem guerreira e dos valores da aristocracia original, rumo à reconstrução da Europa.

10 Comentários:

Blogger Paulo Cunha Porto disse...

Meu caro Rebatet:
Tenho de lavrar duas pequenas discordãncias, mas não me entenda mal. Monárquico ferrenho que sou, se quiserem fazer uma Restauração, com um Trono, mas sem títulos nobiliárquicos, por mim, tudo bem. Julgo que é o que se passa na Noruega, entre outros exemplos. Quem é não precisa, quem não é e toma opções a pensar em ser, não merece.
A primeira questão prende-se com a inexistência de aristocracia, em sentido próprio no estado absolutista. Desde a centralização monárquica pós-renascentista que não havia participação no poder, ao contrário de muitos sistemas da Grécia Antiga. Havia sim, colaboração com o poder, o Régio. E quando a festa da corte substituiu o serviço na batalha ou no foro, o fruto ficou maduro para a queda.
Muitos privilégios eram instituídos a pedido de outras classes. O 1º e 2º Estados estavam proibidos de trabalhar, por desejo da Burguesia que não queria perder o estatuto... privilegiadíssimo de ser a detentora do dinheiro, com que alguns, embora não todos, membros seus, atravás da agiotagem, controlavam as rédeas decisórias e condicionavam o comportamento dos nobres. E causa fundamental da Revolução foi a vontade de açambarcar o reconhecimento político e o seu efectivo manejo, pela posse sos "cabedais". Vários nobres e creio que um ou dois clérigos foram presos, desterrados e, em meia dúzia de casos, privados da sua condição, por queixas de comerciantes e até de artífices que lhes censuravam a concorrência.
Quanto ao mérito, é um argumento que não colhe. O sistema de concessão de títulos implicava um mérito inicial. E podemos perguntar-nos o que preferirá um homem que tenha mostrado extraordinários merecimentos no Serviço Público: se receber uma chuva de prebendas e placas em vida, ou ver perpetuada a honra que soube conquistar, enquanto tiver descendência. Ou seja, eliminando-se os títulos hereditários acaba-se com a distinção que os credores de gratidão mais desejariam, o que é a suprema injustiça.
E todo o abaixamento dos Grandes falhou em criar meritocracias. Onde estão elas, nos políticos que governam desde 1789?
Um abraço

8:14 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Mais uma excelente analise
Já por diversas vezes expressei mais ou menos esta mesma opinião em vários comentários que fiz, sobretudo quando Platão (mestre de Aristóteles) vinha a propósito.
Agora esta - “…tal como é essencial colocá-lo para além da lógica democracia/anti-democracia” - parece-me uma frase, simplesmente, politicamente correcta.
Como explicava Platão - a democracia é um patamar deteriorado de governação. Pode-se atacá-lo (desmontá-lo) de cima (aristocracia) ou de baixo (tirania, anarquia).

Abraço
Legionário

1:48 da tarde  
Blogger O Corcunda disse...

Caríssimo,

É absolutamente falso que a nobreza pré-1789 fosse meramente hereditária (provém de alguma literatura esquerdista falaciosa, produtora da mesma ideia do camponês famélico). Se o era em grande maioria em França, não o era certamente em Portugal, onde mercadores, juristas, pensadores, soldados, agremiações e cidades foram nobilitados (o que implica deveres e direitos, constituídos nas liberdades locais e forais). Também por isso é irreal afirmar que a nobreza não tinha deveres ou era mera classe exploradora. São bastos os casos na hstória portuguesa de aristocratas que perderam os seus feudos por incapacidade de cumprir com as suas obrigações para com as populações...
Alio-me ao Paulo Cunha Porto nas questões meritocráticas! O que vejo o Rebatet defender é um individualismo extremo (como se os direitos e deveres nobiliárquicos não pudessem ser sujeitos de direito sucessório), que é bem oposto ao pensamento contra-revolucionário a que aludiu no texto sobre Molnar...
Resta-nos perguntar que virtude será definidora do mérito!
A virtude cristã, a virtude cívica (à romana), a virtude económica (à americana), a virtude prática kantiana? Para que exista um mérito é fundamental um critério...
E como sugere que se faça uma escolha entre essas opções morais?

6:45 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Estou de acordo com o Paulo Cunha
"E podemos perguntar-nos o que preferirá um homem que tenha mostrado extraordinários merecimentos no Serviço Público: se receber uma chuva de prebendas e placas em vida, ou ver perpetuada a honra que soube conquistar, enquanto tiver descendência."

Mas a aristocracia de hoje em dia são os melhores e mais ricos empresários, os empresários de topo que estão na tabela dos mais ricos do seu país. São eles que podem mudar o país actualmente caso queiram.
Imaginem que o homem mais rico de Portugal decidia apoiar o PNR, apoiar a revolução nacionalista? Enfim nos dias de hoje a batalha não se faz no campo como antigamente os nobres faziam. Hoje em dia se querem mudar alguma coisa, é à base do dinheiro, publicidade, para depois se poder mexer na politica e no povo. Um partido pode até ter os melhores ideais, mas com o seu povo manipulado e cego a politica de hoje em dia não faz nada, é preciso dinheiro e com isso publicidade e outras coisas para mudar o povo.

Por isso ao fim ao cabo hoje em dia existe a aristocracia de sangue azul, que se transmite por via hereditária e acabamos por ter a aristocracia meritória (embora sem titulos) que são os empresários de elite, os mais ricos do seu país, os que actualmente têm o poder da aristocracia de antigamente.

2:24 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Paulo Cunha Porto e Corcunda vieram aqui afirmar, de forma tranquila e sábia, verdades histórico-sociológicas fundamentais (apagadas, no entanto, pela "historiografia" demo-liberal e marxista, que é aviada - como receita - nas universidades da banana, nestes últimos duzentos anos - à má fila!).

4:05 da tarde  
Blogger Rodrigo N.P. disse...

Ao Paulo, a questão dos títulos é secundária, não me interessa se existem ou não, nada tenho contra, o que afirmo é que não são os títulos que definem a aristocracia de que falo e de que a Europa precisa. Se de entre gente com títulos vier parte dessa aristocracia, excelente, simplesmente não significa que assim seja, nem disso está dependente.

Quanto à questão do mérito, sim o título sugere a existência do mérito inicial, porém esse mérito é devido ao seu adquirente primeiro, nada garante que os sucessores sejam disso dignos, tal como nada garante que não sejam, por isso digo que o título não define uma verdadeira aristocracia, ela é independente de títulos.

Ao Legionário,talvez seja apenas uma frase politicamente correcta, certamente que é uma frase escrita com preocupação política. Porque apesar de tudo o objectivo deste blog não é só escrever para "dentro", é também fazer algum proselitismo político.

Ao corcunda,quando falo na natureza hereditária dessa nobreza é uma generalização justificada e comprovada, não significa que seja totalmente abrangente.

Vê-me defender um individualismo extremo?? Onde?

Quanto à questão da virtude;

Virtude Cristã? Só se eu pretendesse acelerar a queda da Europa, não meu caro, acho que a virtude cristã já fez o suficiente, muito obrigado.

Virtude económica, à americana, não sei o que é.

Virtude kantiana obviamente que não.

Quanto à virtude cívica, essa está ligada ao conceito republicano de cidadania e de comunidade política definida pelo Estado, logo o corcunda conhece o suficiente dos meus pontos de vista para saber que não é aceitável, a comunidade natural de fundação etno-cultural não se compadece com uma virtude cívica à romana, não é o cidadão mas o nacional que deve ser considerado.

Ao nativii, não concordo que os mais ricos façam parte de qualquer tipo de aristocracia, não como eu a entendo,fazem parte de uma oligarquia, mas apenas isso.Há profissões que permitem naturalmente mais rendimento que outras, mesmo se formos medíocres, um jogador de futebol do Benfica, mesmo mediano, terá mais rendimento que um bom professor.Isso não significa que eu não compreenda a influência do dinheiro no estabelecimento do poder.

4:41 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Bravo Rebatet...eu percebi.
Fica desde já convidado para o Leitão!

Legionário

10:09 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Enjoyed a lot!
»

6:33 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

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