Nicolas Sarkozy, Ministro do Interior francês, da UMP, partido da “direita respeitável” francesa, chamou escumalha à escumalha que durante vários dias colocou a França num clima de guerrilha urbana, ao melhor estilo do terceiro-mundo. Não será de espantar sabendo que é precisamente do terceiro-mundo que veio essa escumalha. Analisando as razões de Sarkozy concluímos que se essa escumalha não tem motivos para ficar ofendida pelo rótulo já os franceses teriam e deveriam ter ficado, se não ofendidos pelo menos indignados, isto porque as palavras foram mal direccionadas.
As risíveis reacções políticas ao que sucedeu nesses dias decorreram com previsibilidade. Da esquerda veio a expectável e repetitiva argumentação da falta de integração social dos vândalos e a culpabilização da sociedade europeia pelas acções de quem violou a lei. Já o sabemos, à esquerda a culpa nunca é dos indivíduos, é sempre da “sociedade”, os factores que fazem despoletar este tipo de acontecimentos nunca têm explicação cultural, civilizacional, étnica, religiosa, são sempre facilmente solucionáveis pela engenharia social do Estado. Isto mesmo quando os tais “imigrantes excluídos” envolvidos nos distúrbios dispõem de casas, muitas vezes com jardins, com escolas nas proximidades, subsídios à habitação, subsídios de desemprego generosos, bem como toda uma rede de protecção social inclusiva e de fazer inveja à maior parte das populações do mundo, muitas delas europeias.
Que a esquerda repetiria tais banalidades todos sabíamos à partida, e como o fenómeno teve repercussões europeias pudemos constatar o quão similar é a classe política do Velho Continente, desde a esquerda portuguesa à francesa, passando pela belga ou alemã, o discurso foi monocórdico. E foi de tal modo previsível que se tornou possível desligar o som das televisões e ainda assim adivinhar tudo o que os Louçãs, Jerónimos e Soares da Europa diziam nos ecrãs.
À esquerda nada de novo, portanto. E à direita? À direita algo de novo, uma nova escala de impostura(afinal ainda era possível)... Entre a habitual hipocrisia da “direita respeitável”, entre as tentativas de explicar os acontecimentos por via exclusivamente economicista, como se a liberalização económica fosse solução decisiva para problemas cuja raiz, em derradeira análise, não é muitas vezes económica, não houve da parte da direita europeia uma posição realmente contrastante com as balelas integracionistas da esquerda. Onde esta última falou de integração, a direita economicista falou de assimilação; entende-se e seria também expectável, afinal a assimilação nas actuais sociedades europeias não significa mais que a uniformização consumista tão do agrado dessa direita.
Aquilo que surgiu de novo à direita designaremos então como “efeito Sarkozy”. O “efeito Sarkozy” é a elevação da hipocrisia habitual da direita a uma escala admirável. Nicolas Sarkozy, durante o período de anarquia que vigorou nas cidades francesas, não se limitou a ter o discurso securitário próprio da direita neste tipo de circunstâncias, não, ele foi mais longe e defendeu a expulsão de território francês dos imigrantes envolvidos nos distúrbios, legais ou ilegais. Que uma medida como essa, que deveria ser tão natural como automática numa sociedade sã, tenha de ter sido debatida e tenha suscitado polémica é já em si sinal do estado terminal em que a Europa caiu, sem pingo de respeito por si própria, mas mais admirável, Sarkozy colocou em causa a política de imigração da França, afinal o verdadeiro cerne do problema.
Já em Julho deste ano, em resposta a estudos de opinião que mostravam descontentamento dos franceses perante a invasão do seu país, o Ministro do Interior havia falado na necessidade de rever os fundamentos da política de imigração, sujeitando-a a critérios mais rigorosos, de forma a combater a imigração ilegal e os casamentos de conveniência e sujeitando a entrada de imigrantes às necessidades do mercado de trabalho. Os acontecimentos recentes deram-lhe assim a oportunidade de aprofundar estes pontos, defendendo as habituais posições securitárias tão do agrado da “direita respeitável” e ao mesmo tempo, com um discurso duro, chamando o eleitorado tradicional da FN de Le Pen, partido que já há muito, e de forma coerente e constante, reivindicava as medidas que a UMP e Sarkozy achavam então radicais.
Sucede que este Sarkozy que analisando de forma calculista a situação política do país procurou apresentar-se agora como a esperança dos franceses descontentes no combate à imigração e suas mais nefastas consequências, promovidas pelos governos tanto de esquerda como de direita, é precisamente o mesmo que, vinte dias depois do assassinato de Frank Lelang às mãos de imigrantes criminosos e já com cadastro, daqueles que agora convenientemente classifica como escumalha, suprimiu a lei da “dupla pena” que permitia expulsar de França os imigrantes que tivessem infringido a lei, isto depois de terem cumprido a pena, obviamente. Este mesmo Sarkozy que surge agora a tentar captar as simpatias de um eleitorado que vê crescer os problemas decorrentes de uma política de imigração irresponsável é o mesmo homem que em Outubro deste ano defendia o direito de voto dos imigrantes legalizados, uma medida que nem a alguma esquerda europeia ocorreria( à mais sensata) e que é, como se não bastasse, inconstitucional. Suprema ironia para quem pretende agora, umas semanas depois, expulsar de território francês os imigrantes legalizados envolvidos nos distúrbios. Este Nicolas Sarkozy, que alguma imprensa, muito disponível, vai procurando apresentar como um opositor à imigração, é o mesmo que recentemente defendia medidas de discriminação positiva em favor dos “jovens” problemáticos, nomeadamente favorecendo a sua integração na função pública ( algo que certamente agradaria a muitos franceses em tempos de crise e desemprego) ou pela abertura de vagas especiais nas forças policiais para os “jovens” de meios desfavorecidos. Não é mera coincidência que perante a insurreição urbana levada a cabo pelas populações invasoras da Europa os órgãos de comunicação social tenham escondido e seleccionado informação durante vários dias e que tenham pretendido encontrar em Sarkozy um oponente de ocasião à imigração, quando nunca o havia sido de forma coerente, afinal, numa situação que potenciaria e muito o crescimento da FN interessava sobretudo retirar-lhe protagonismo, e para isso Sarkozy serviu na perfeição, temo é que não sirva para nada mais e certamente não para resolver de facto a questão de fundo.
A estas interessantes posições de Sarkozy devemos juntar a comédia direitista da crítica das responsabilidades da esquerda na situação actual da imigração na Europa, da França à Bélgica ou Holanda, passando pela Alemanha e chegando a Portugal, a guerra urbana francesa serviu o habitual jogo sujo da política parlamentar do Continente. A direita parlamentar aproveitou, de forma generalizada, para responsabilizar a esquerda por uma política de imigração que descobriu subitamente, miraculosamente, ter sido nas últimas décadas desastrosa. Sim, a esquerda é a maior responsável pela situação actual no que concerne à imigração desregrada, mas por onde andou a direita então? Acaso não foram também poder? Quantos anos passaram no governo esses partidos que agora, num repente, no mais descarado e cínico eleitotalismo, criticam a esquerda? O que fizeram para contrariar a tendência de décadas? Que posições tomaram fora dos parlamentos, nos jornais e nas televisões, nas revistas e nos comícios? Que crítica fizeram da invasão da velha Europa ( porque já é disso que se trata, tal a dimensão do fenómeno imigratório)? Nada fizeram! Zero! Só perante a possibilidade de angariarem votos descobriram abruptamente o problema.
Quem os tenha ouvido falar, a esses da direita europeia, diria que nunca haviam tido acesso ao poder. É preciso denunciá-los, não calar perante estes falsos, em França a UMP de Sarkozy tem tanta responsabilidade na situação como os socialistas. É assim por toda a Europa. E o que dizer desse ajuntamento que ocupa espaço na Assembleia e que dá pelo nome de CDS/PP? As declarações de Nuno Melo, responsabilizando as esquerdas europeias pelo descontrolo nas vagas de imigrantes são de ir às lágrimas. Então o CDS, juntamente com os seus comparsas sociais-democratas, não esteve no Governo? O que fizeram para combater seriamente o problema? Por acaso tomaram alguma posição de princípio que diferisse substancialmente do que havia sido praticado nessa área anteriormente ?Não!
Tentaram limitar a imigração às “necessidades” do mercado de trabalho, disseram, mas então o insucesso foi completo, a imigração ilegal continuou a atingir valores elevadíssimos, nada fizeram na questão do repatriamento, nenhuma posição tomaram contra a imigração enquanto fenómeno sociológico, ainda recentemente no debate sobre a alteração à lei da nacionalidade assumiram uma posição que em nada de significativo diferia da apresentada pelo PS e que poderia até ter sido defendida por alguma esquerda.
Esta direita europeia, que tem em Sarkozy um exemplo flagrante do seu cinismo característico, consegue ser mais desprezível que a esquerda, o seu oportunismo é mais ofensivo porque a sua deambulação não respeita quaisquer princípios, o eleitoralismo de esquerda ao menos reflecte uma visão do mundo que, sendo destrutiva para a Europa, não esconde a sua natureza. Esta direita é falsa, enganadora, dissimulada.
Uns e outros analisam os problemas decorrentes da imigração sem considerarem a dimensão mais profunda da questão, a forma como esta mais afecta, ou de forma mais decisiva, os países europeus. A identidade cultural, histórica, civilizacional, étnica, religiosa da Europa é coisa de somenos importância, Para a esquerda porque o objectivo é necessariamente destruir essa identidade integral para poder construir o seu mundo novo, a partir dos escombros, para esta direita porque tais conceitos não se medem em euros ou dólares.
Os aplausos que soaram à direita quando Sarkozy decidiu combater a “escumalha” explicam-se por um lado porque essa direita burguesa é, apesar de tudo, dependente da ordem e da segurança, para que possa viver a sua vidinha tranquilamente, de preferência longe dos bairros da “escumalha” ou dos problemas que a “escumalha” possa causar( os trabalhadores europeus dos baixos salários que os aguentem) e por outro lado porque a economia também precisa dessa ordem.
No meio de tudo isto veio de alguns sectores da direita a já esperada crítica do chamado modelo social europeu, apontado como causa principal dos problemas ocorridos, e lá surgiu a ideia da necessidade de destruição do Estado Social, propagador de vícios e dependências, que com a sua generosidades mal gerida e demasiado abrangente atrairia para a Europa todo o tipo de pessoas que conseguiriam à conta desse modelo europeu viver de subsídios, seria então o Estado Social europeu o culpado e o grande incentivador da imigração. Pois, alguém se deve ter esquecido de avisar os mexicanos sobre esta teoria, porque eles não param de entrar nos EUA aos milhares, e por lá não existe modelo social europeu, existe o tal modelo liberalizado e inimigo das dependências estatais.
O problema é que com ou sem modelo social europeu os incentivos para a imigração do terceiro mundo continuarão a existir, residem na capacidade de crescimento e criação de emprego do Ocidente, nos seus salários, nos seus serviços de saúde, nas suas escolas, e tudo isto continuará a ser no Ocidente melhor que o existente nos países subdesenvolvidos onde, frequentemente, falta o mais elementar. Esperar portanto que o problema da imigração se resolva pela simples alteração de um modelo económico-social, como parece ser o caso de alguma direita, é uma imbecilidade, não se resolverá este problema na Europa sem ser com medidas políticas que partam dos Estados europeus e que assentem numa ideia do que é a defesa da identidade das nações do continente, para lá da economia.
O que sucedeu em França e noutros países da Europa central foi responsabilidade da escumalha, nisso Sarkozy tem razão, pena é que não tenha mencionado a escumalha que mais responsabilidades tem nas sublevações dos imigrantes, primeiras de outras que com o tempo se seguirão, com ou sem “projectos de integração”; a verdadeira escumalha que os povos europeus devem nomear é a que se senta nos parlamentos dos seus países e da qual Sarkozy faz parte, com especial destaque para a escumalha de direita, a mais hipócrita de todas. É caso para dizer que escumalha há muita, seu palerma…