segunda-feira, outubro 31, 2005

O homem europeu face ao indivíduo

«O europeu, ao isolar a consciência humana das suas relações com o que é exterior ao “eu”, permitiu ao homem, perdido no seio do grupo e dos seus acasos, tornar-se um indivíduo. Agora a dignidade do indivíduo consiste, justamente, em não mais permitir ao homem justificar as suas acções apelando à natureza, História ou sociedade. Ele deve justificar-se perante a sua consciência e perante a razão (que, sempre que se refere à evidência, nada mais é que a consciência individual secularizada).»- Carlo Schmid

Nestas poucas linhas, escritas por Schmid com o propósito de distinguir o homem europeu, encontra-se antes a negação do mesmo e a profecia do declínio da Europa. Este “homem europeu”, ali descrito, habita hoje dos extremos Este a Oeste do Continente.

Ao isolar a consciência humana daquilo que é exterior ao “eu”, ao isolá-la da História, da comunidade, do passado, o homem europeu deixou de existir; Schmid não está já a caracterizar o homem europeu, ele está a caracterizar o novo homem, o homem saído do pós-guerra, o homem desenraizado, cosmopolita, o homem universal, sem identidade, o homem que se justifica apenas perante si, deificando a razão, e aqui reside o seu equívoco.

Por um lado, se o novo homem corta a relação entre a consciência e o seu mundo exterior, a História e a sociedade, ele não pode ser europeu, porque o conceito de homem europeu pressupõe uma ligação à ideia de Europa, logo àquilo que a define, à sua história, às suas tradições, comunidades, espiritualidade, a uma ideia de civilização, a uma mundividência e a um conjunto de valores partilhados que se afirmam quase intuitivamente e que fazem com que, por exemplo Susan George afirme: “Não tenho qualquer teoria sobre a Europa mas uma regra muito simples. Confio na intuição. Eu sei quando estou na Europa. Estou lá em Madrid, Berlim, Liège, Amesterdão, Copenhaga, Estocolmo, Londres ou Lisboa; em Praga, Florença, Viena ou Dublin; em Moscovo, São Petersburgo , Helsínquia ou Atenas; e mesmo em Cluj, na Roménia. Estou um pouco menos em todos os quarteirões de Istambul(…)”[1]

De outra parte, a submissão da conduta humana à glorificação da “razão”, sem nada mais, parte do princípio que é possível à razão exceder a “condicionalidade” ou a “especificidade”, rejeitando a História e a tradição, e, como tal, acaba necessariamente por pretender estabelecer verdades universais, e é este universalismo latente que, uma vez mais, permite rejeitar a ideia de que o homem que apenas se explica perante a sua consciência, exaltando a razão, possa ser o homem europeu, é uma antinomia, o que é exclusivamente europeu não pode ser universal.

Edmund Burke contrapõe a esta ilusão de autoridade incondicional da razão a ideia de tradição ou preconceito como factor de “sensatez latente” que permite guiar a razão, esta deixa assim de ser incondicional. Burke defende que a razão não oferece qualquer direcção normativa e é portanto incapaz de estabelecer autonomamente os seus próprios fins. Só as tradições e os preconceitos solidificados pela História podem definir uma orientação normativa em vista aos fins adequados: “quando opiniões e regras da vida antigas são retiradas, a perda não pode ser possivelmente estimada. A partir desse momento não temos bússola que nos dirija, nem podemos saber distintamente para que porto navegamos”[2]. Ou seja, só a razão contextualizada, situada numa tradição, pode ser dotada de valores e objectivos. A razão não pode avaliar criticamente as suas próprias predeterminantes, não tem, por isso, autonomia e não é passível de se auto-legitimar, só analisada à luz de tradições e culturas específicas pode ser validada.

A dignidade do indivíduo de Schmid, desligada do passado, do grupo, reverente a uma razão sem contingências históricas, nacionais, tradicionais, é uma quimera que a uniformização proporcionada pelo novo mundo globalizado procura. No mundo da cultura única, do povo único, da comunidade universal, a razão aproxima-se da sua autoridade incondicional, mas é uma razão estabelecida e controlada por quem controla o poder e a opinião, são os projectistas e dirigentes deste construtivismo social que conduz a humanidade para o pensamento único que definem essa razão, por consequência, despontando o "admirável mundo novo”, todos os que reneguem as “verdades” celebradas não agem em função da razão, serão os novos irracionais, e entre eles se encontrará o verdadeiro homem europeu.

[1]Saindo de Istambul não estaria de todo

[2]Edmund Burke, "Reflections on the French Revolution"

quarta-feira, outubro 26, 2005

Epílogo, regeneração e renascimento

Em “A Política” Aristóteles analisa a democracia, a monarquia e a aristocracia( quando lhe pretende dar um cunho negativo refere-se a esta última fórmula como oligarquia, fazendo a distinção necessária com a sua feição pervertida). Ele conclui que uma cidade com um governo íntegro é aquela dirigida de acordo com princípios rígidos de justiça enquanto aquelas governadas de acordo com os interesses egoístas da elite dominante são despóticas. A distinção que faz entre um modelo de governo tirânico e o seu oposto não é estabelecida em função da forma institucional em que o poder é organizado mas antes em função da forma como esse poder é exercido. Ou seja, a legitimidade ou falta dela de um regime é dependente do facto de servir o interesse da comunidade ou os interesses dos governantes. Aristóteles é inequívoco na compreensão da potencial deformidade de qualquer dos sistemas, não são apenas as monarquias e as oligarquias que podem representar governos em proveito próprio de elites dominantes, a democracia é igualmente susceptível de degeneração.

A Revolução de 1789 colocou fim a uma monarquia e implementou uma república; no processo destruiu uma classe aristocrática, mas esse foi o resultado natural da natureza do Antigo Regime e da natureza da sua aristocracia degenerada. A Revolução francesa não foi perniciosa por ter colocado fim a um regime que assentava em princípios injustos, onde nobres e clérigos beneficiavam de privilégios absurdos, consagrados por lei, em relação ao resto da população, que vivia em condições generalizadamente lamentáveis. Essa é a sua única força moral. Ela foi danosa por ter destruído a própria ideia de aristocracia, não na sua forma decadente mas na sua dimensão mítica.

Nos valores ou ideais que estiveram subjacentes à sua eclosão sobressai o dogma igualitarista, que é em si a negação do valor e, por consequência, do espírito aristocrático. Segundo Tocqueville, o crescente individualismo sociológico que se vinha manifestando na sociedade francesa criou as condições para o advento da Revolução ao colocar a ideia de igualdade como eixo da política. O igualitarismo é assim uma causa e não uma consequência da Revolução francesa. Para ele, individualismo e igualitarismo surgem interligados e a crescente atomização da sociedade levaria ao seu desmembramento. A solução passaria pela criação de corpos intermédios, como os que existiam no Antigo Regime, que unissem os cidadãos num espírito comunitário, como as corporações e as associações civis, possibilitando ao indivíduo o verdadeiro exercício da liberdade, que só pode ser conseguido no seio da comunidade e que não faz sentido sem esta, o laço social surge como ponto capital e são esses corpos intermédios que garantem ao indivíduo protecção contra o que Tocqueville chama “império moral das maiorias”.

A aristocracia pré-revolucionária era uma aristocracia de título, de carácter hereditário, que assegurava o imobilismo social ou a manutenção de posição social por direito sucessório, detinha-se o poder de classe por obra do acaso, da fortuna no nascimento. Aqui reside o factor degenerativo da aristocracia, a ausência do mérito, a verdadeira aristocracia terá sempre de ser uma meritocracia. O governo dos melhores não se compadece com uma rigidez social assente na herança, mas antes com a mobilidade possibilitada pela demonstração de valor, com a necessidade de comprovar a aptidão e o mérito de forma continuada. A Revolução francesa limitou-se a fazer cair uma classe que já não representava os “melhores”.

«Nasceu da guerra e para a guerra; conquistou o seu poder pela força das armas e manteve-o pelas mesmas. Assim nada era mais importante para ela do que a coragem militar.» Desta forma define Tocqueville a aristocracia feudal europeia no seu livro “De la Démocratie en Amérique”. Se desde a Grécia antiga a aristocracia havia assegurado o seu estatuto pela bravura nos campos de batalha, por altura do período revolucionário os valores da coragem, da honra e da audácia, indissociáveis dessa elite europeia, tinham perdido o seu sentido. A guerra era agora assegurada por exércitos modernizados em que os nobres já não cavalgavam na frente das suas tropas, como líderes que dão o exemplo e assumem o risco; ficavam na retaguarda dos conflitos enquanto os soldados travavam a luta.

Mas a Revolução não se limitou a destruir esta falsa aristocracia, ela representa o epílogo dos valores que ergueram a verdadeira aristocracia, numa sociedade marcadamente comercial e pré-industrial a energia viril e a bravura caracterizadoras da classe foram substituídas pela capacidade nos negócios, o culto do lucro, a aptidão no mercado, e este nunca se pautou por quaisquer elevados valores morais, muito menos fazem para ele sentido palavras como honra, fidelidade, coragem. No mercado não se morre por um ideal, quanto muito morre-se de fome. A revolução maçónica simboliza efectivamente o fim da espiritualidade aristocrática europeia, previamente anunciada pelas transformações sociais na Europa da época.

Para resgatar o espírito aristocrático é essencial desligar o conceito de aristocracia da monarquia, são coisas distintas e, ademais, a aristocracia de mérito não necessita de títulos, é essencial colocar o ideal aristocrático para além da dicotomia monarquia/república tal como é essencial colocá-lo para além da lógica democracia/anti-democracia.

Bardèche exalta os valores base da coragem, virilidade, energia, justiça social e solidariedade e é curiosos notar que, se as revoluções francesa e americana criaram condições para o progresso dos dois últimos, não deixaram de esvaziar os três primeiros. O renascimento europeu só poderá passar pela progressão e fortalecimento de todos eles, e para tal é indispensável uma nova aristocracia, não uma nobreza hereditária, assente na propriedade, mas uma meritocracia. Isto não poderá ser alcançado pela glorificação do mercado, do materialismo, do individualismo económico, como não poderá passar pelo tradicionalismo imobilista. A meritocracia( ou verdadeira aristocracia) eleva aqueles que mais contribuem para a comunidade e não aqueles que têm os antepassados certos ou a conta bancária mais gorda, representa a celebração do valor, mas ela não pode existir, como vimos, sem que a elite governe para a colectividade e sem que esta se veja representada na elite, tem uma índole eminentemente orgânica e não pode existir fora dessa interligação comunitária. Necessita de ter sentido de grei, de ser orientada para o serviço da nação e herdeira da coragem guerreira e dos valores da aristocracia original, rumo à reconstrução da Europa.

domingo, outubro 23, 2005

O porco clandestino



República Islâmica da França, ano de 2010, vigora a Sharia, a lei islâmica, a carne de porco está interdita e o seu consumo é punido com a pena de morte. Este é o mote da novela de Alain Sanders, uma história agridoce, onde o humor surge entrecortado pela construção de um cenário negro prenunciador de uma realidade futura plausível de uma Europa que assiste impotente ao seu próprio baque.

Fébrier é o líder da resistência gastronómica à lei do ocupante agora vitorioso, Christian e Grandpierre são os homens que asseguram o transporte da carne de porco, possibilitando aos franceses que insistem em desafiar o novo regime a oportunidade de continuarem a saborear aquela carne. Descrevem-se os locais clandestinos onde se reúnem os franceses para partilharem os prazeres gastronómicos que agora lhes são vedados, as peripécias passadas para satisfazer as encomendas secretas que vão recebendo, faz-se o elogio da tradição gastronómica francesa mas, mais que isso, a exaltação da memória europeia.

A novela faz sorrir e ao mesmo tempo faz sobressair um sentimento de nostalgia, na procura de um tempo perdido. O drama quotidiano dos últimos franceses livres, os que persistem em desafiar a nova lei e, sobretudo, aqueles que fazem parte da resistência, porque é-se somente livre quando o espírito o é, conferem ao livro uma nota amarga que percorre grande parte das páginas. Há algo de sinistramente profético na obra que atenua o registo humorístico.

Viajamos pelas ruas da capital francesa; foram rebaptizadas, as mesmas ruas que ficaram eternamente no imaginário de quem visitou a “cidade luz” têm agora novos nomes, “boulevard Richard Lenoir” passou a ser “boulevard Ben Laden”, apercebemo-nos que afinal não teremos sempre Paris, que até o que tomamos como certo, eterno, deve ser protegido, defendido…

Através da proibição da carne de porco, dos consagrados vinhos franceses ( a suprema humilhação nacional), o livro estabelece uma alegoria deliciosa, utilizando a gastronomia, dum futuro europeu resultante da invasão do nosso espaço por culturas afro-asiáticas antagónicas à nossa identidade ao mesmo tempo que nos transporta para um outro passado, para a ocupação nazi, através da descrição das actividades da mítica( mais isso que real) “Resistência” e de pequenos pormenores cheios de simbolismo, os cristãos, por exemplo, são agora obrigados a cozer uma pequena cruz azul nas suas vestes.

O estilo cómico da narrativa é muito bem temperado pelo fatalismo de fundo, as pequenas tragédias diárias, a luta de uma resistência burlesca, que resiste quando já é tarde e a quem já só sobra o acessório. O conformismo, a demissão da luta, a rendição, tudo o que descambou no cenário retratado está implicitamente delatado, a França anestesiada perante a sua própria ocupação é aqui denunciada com um riso sonoro, tão ruidoso que poderá acordar o leitor.

O subtítulo do livro anuncia uma justíssima homenagem ao grande cineasta Claude Autant-Lara e ao seu “La Traversée de Paris”. Por outro lado, a data escolhida para o desenrolar da acção, procurando acentuar o carácter ficcional da obra, criando um álibi no irrealismo, patenteia o cuidado extremo, direi mesmo receio, que o autor evidencia perante o sistema e os seus tentáculos políticos, culturais e civis.

É uma comédia trágica, tal como a Europa é cada vez mais um reles teatro onde se encena uma peça escrita por dramaturgos de má qualidade e, no entanto, cada vez mais aclamados pela crítica, e a sala esgota, uma e outra vez, não que o público goste do que vê, a maior parte nem compreende a peça, mas os "especialistas" aclamam e como tal é preciso aplaudir…

A encomendar antes que os donos do “pensamento livre” decidam que a obra não é coisa com que a “plebe” se deva entreter, pelo sim pelo não.

quinta-feira, outubro 20, 2005

O terrorismo intelectual, da esquerda à direita colaboracionista

Ao meu amigo Nuno e aos dirigentes do PNR, em especial a Carlos Branco e José Pinto Coelho, constituídos arguidos por um regime que se escuda na palavra “democracia” para silenciar quem ousa erguer a voz por Portugal.

O biólogo americano que não descobriu a igualdade no seu microscópio não tem já o direito a dar as suas aulas. O psicólogo inglês que levou a cabo o estudo psicométrico das diferenças raciais sofre constantes ataques. O escritor russo que se nega a ter a sua pluma controlada pelo KGB encontra-se internado num asilo psiquiátrico. O escultor alemão que não teve o bom-senso de abster-se de trabalhar quando era exigido encontra-se exilado no seu próprio país, após as suas obras terem sido mutiladas ou destruídas. O ensaísta francês que propõe ao Ocidente uma nova ética está coberto de injúrias por uma crítica que, na véspera, se gabava de ser “objectiva”.O outro escritor que, numa novela, imagina a invasão da Europa pelo terceiro-mundo, vê o seu livro boicotado[*]. O etólogo austríaco, Prémio Nobel, deve pedir perdão por ter escrito, há trinta anos, na época em que os seus adversários de hoje se declaravam orgulhosamente estalinistas, três dezenas de linhas que a consciência universal critica. Isto é o terrorismo intelectual.

Houve um tempo em que os polémicos tinham qualidade. Trocavam-se argumentos. Hoje recebemos golpes. A caça às bruxas é a prática: ela garante a boa consciência.

Há pior que os sequestros de aviões: os sequestros de “intenções”, com “ameaças bombistas” também eles.

A hipocrisia conjuga-se com o delírio. Os nostálgicos da Inquisição indignam-se com o crescimento do “totalitarismo” enquanto os herdeiros da Tcheka denunciam a repressão. Uns proclamam:”nenhuma caridade para os inimigos da caridade!”, os outros:”nenhuma liberdade para os inimigos da liberdade!”


Robert de Herte, Janeiro de 1974

*Já aqui neste blog foi dedicado um post a Jean Raspail e à sua novela premonitória "Le Camp des Saints"

sexta-feira, outubro 14, 2005

De quem não se esquece nem se arrepende

Ao Camisa Negra

Não gosto da política. Se pensam que o fascismo consiste em fazer desfilar rapazes vestidos com camisas castanhas ou negras, digo-vos que essa não é a minha definição de fascismo. Defendi os fascistas, é diferente: porque conheci fascistas e porque detesto a mentira. Protestei contra uma falsificação dos factos e contra uma missão de desnaturação das almas e confiscação das vontades, fundada sobre essa falsificação. Continuo convencido que tinha razão. Mentiram-nos e continuam a mentir-nos: porque esta mentira é indispensável aos políticos no poder. Mas esta mentira deteriora-se hoje, desmoronar-se-á amanhã. Acabaremos por olhar as experiências fascistas como experiências políticas que foram molestadas e desfiguradas pelas necessidades dramáticas da guerra, mas que têm por carácter essencial a exaltação de certos valores morais: a coragem, a energia, a disciplina, a responsabilidade, a consciência profissional, a solidariedade, cuja desaparição é o drama das sociedades que se seguiram. Ser fascista hoje é desejar que estas palavras tenham um sentido para os povos.

Antes de detestar o fascismo seria necessário tentar compreendê-lo. O fascismo nasceu, historicamente, da cólera dos antigos combatentes contra os políticos. Mas foi, mais profundamente, uma oposição espontânea contra a desmoralização da guerra e do pós-guerra que acompanhou a transformação de uma sociedade rural estável, económica, paciente, corajosa, vinculada à honestidade e ao civismo, numa sociedade de assalariados tendo por horizonte o aumento de salários, por guia a ideologia, por instrumento a política.

Os movimentos fascistas nasceram de uma reacção contra esta desnaturação dos povos. Esta reacção teve por todo o lado o mesmo ponto de apoio. No seu desassossego, aqueles que rejeitavam este novo mundo do pós-guerra ligaram-se a uma imagem-tipo da grandeza passada do seu povo, para a Itália a das legiões de Roma , para a Alemanha a dos germânicos de Arminius que haviam vencido o exército do Cônsul Varus, para a Roménia ou a Hungria a dos seus camponeses combatentes, para a Espanha a imagem da honra castelhana: não uma ideologia mas um modelo moral, o que personificava melhor o que eram ou que haviam querido ser nas trincheiras onde haviam combatido.

Ao destruir, depois da Segunda Guerra Mundial, este renascimento da consciência nacional sob o pretexto de destruir a ideologia racista, destruiu-se uma solução política original que permitia, à vez, quebrar as ideologias destruidoras da unidade nacional e os excessos do capitalismo selvagem.

Ora, o racismo constituído em ideologia não faz parte da definição do fascismo nem mesmo da definição do nacional-socialismo. Como as outras ideologias, parte de uma ideia justa que foi ultrajada e deformada ao transformar-se num sistema. Os seus excessos foram os excessos aos quais conduz todo o pensamento sistemático.

Na realidade, os regimes fascistas não foram regimes de constrangimento para os indivíduos. Respeitaram geralmente as liberdades individuais e não reprimiram senão a sabotagem, o parasitismo e a especulação. Em contrapartida asseguraram aos povos a mais preciosa das liberdades, a de serem eles mesmos e não aquilo que se decidiu que sejam: liberdade que nós já não conhecemos.

Os regimes fascistas foram ou tentaram ser regimes de solidariedade e justiça social, que foram seguidamente deformados pelos constrangimentos da guerra. Todo o regime de solidariedade e justiça social exige um Estado forte: mas um Estado forte não tem necessidade de ideologia: tem necessidade apenas de bom-senso e generosidade

Não acredito na história dos regimes fascistas e da Segunda Guerra Mundial tal como a apresentam hoje. Esta história ainda não está feita: e o que foi feito, é-nos escondido. O dossier das falsificações é copioso: refere-se aos factos, aos documentos, às omissões. Deixo a cada um a tarefa de elaborar o que se percebe, agora, deste catálogo. Todo o homem que reflecte deveria tomar consciência das nossas ilusões: consumimos como animais irracionais a mentira da nossa vitória, a mentira da nossa resistência, a mentira da nossa liberdade. Estas mentiras alimentaram ideologias de autodestruição, o anti-racismo, a luta de classes. E esta comida adulterada é o segredo da nossa impotência.

Muito em breve, dentro de vinte anos, dentro de dez anos talvez, a raça branca na Europa deverá lutar pela sua sobrevivência. Esta batalha suprema exigirá regimes fortes, governos de salvação pública. Não poderá ser conduzida senão pela deterioração das ideologias e pelo recurso às qualidades viris de que falei. Não é preciso interrogar-se hoje se estes regimes fortes são possíveis, é preciso saber que eles são inevitáveis: sob qualquer nome que lhes atribuamos. Porque eles são a condição da nossa salvação.


Maurice Bardèche,"Le Crapouillot" nº77

sábado, outubro 08, 2005


quarta-feira, outubro 05, 2005

Competitividade e empreendedorismo

O Fórum Económico Mundial publicou o seu último relatório de competitividade global. O país mais competitivo do mundo continua a ser a Finlândia, um “case study” desde o milagre Nokia, mas bem acompanhado por todos os países escandinavos que surgem, sem excepção, nos primeiros lugares da tabela, com a intromissão dos EUA, Taiwan e Singapura a fazer destoar o quadro. Portugal, surpreendentemente, subiu 2 lugares e encontra-se agora em 22º lugar, 7 posições à frente da Espanha, o que acaba por ser uma boa notícia visto que o nosso poderoso vizinho e inevitável ponto de referência se encontrava à nossa frente no relatório do ano passado.

De salientar que nos primeiros lugares apenas aparece um país da zona euro, precisamente a Finlândia, mais um sinal do efeito das políticas macroeconómicas restritivas sobre os países da moeda única. A Finlândia tem tido uma felicidade que será mais conjuntural que qualquer outra coisa, a política do BCE terá coincidido com os interesses da sua economia.

Os países escandinavos dão assim uma nova bofetada nos arautos da falência do modelo escandinavo, continuam a apresentar cargas fiscais elevadas quando comparadas com os parceiros ocidentais e sistemas de protecção social muito abrangentes e generosos, com o Estado assumindo ainda um papel importante na política de emprego, supostamente tudo aquilo que tornaria um país pouco competitivo segundo a crescente influência da ortodoxia liberal. Apresentam uma gestão orçamental rigorosa, os mais baixos níveis de corrupção, eficiência no sector público e um investimento continuado na qualificação da força laboral, estes são os pontos essenciais no sucesso das economias escandinavas. O sistema fiscal destes países prima pela eficiência e o investimento público é rigoroso e direccionado para a manutenção de elevados níveis de educação e protecção social, para a criação de infra-estruturas de alta qualidade, tudo factores decisivos para a competitividade nacional.

Os EUA aparecem, como habitualmente, bem colocados, num segundo lugar que fica muito a dever à sua capacidade nos domínios da inovação tecnológica, que não é alheia à aptidão crónica de atraírem os melhores investigadores da Europa e Ásia. Contundo, a política orçamental, com défices constantes, e o défice comercial do país deixam espaço para críticas e dúvidas sobre a prestação futura da sua economia. No que toca ao défice comercial os EUA têm um problema especialmente complicado chamado China, é precisamente com este país que registam o maior défice comercial e a desvalorização do dólar de nada lhes serve visto que a moeda chinesa está indexada à sua, impedindo ganhos de competitividade por essa via em relação à potência asiática.

Comparando a situação portuguesa com a dos países mais competitivos podemos constatar que não temos, pelo menos em relação aos escandinavos, uma carga fiscal ou um sector público excessivo, o que temos claramente é um sistema fiscal e um sector público altamente ineficientes. O nosso sistema fiscal é demasiado complexo, pouco transparente e a fiscalização não funciona, a corrupção é uma realidade sempre presente, em claro contraste com o que sucede nos países nórdicos. O nosso sector público está minado pela “partidarite” e pelos lóbis, que se substituem à competência na atribuição de cargos, a corrupção é um problema corrente e a avaliação dos funcionários públicos é uma anedota que não sofrerá qualquer alteração enquanto as chefias não forem devidamente responsabilizadas e o código laboral não permitir o castigo da incompetência. Não existe uma cultura de serviço e dever mas antes, quase exclusivamente, de direitos e compadrios.

Quanto à necessidade de reformar o sistema fiscal creio que será reconhecida por todos, já a posição face ao sector público parece-me encerrar dois caminhos possíveis, rejeitando a ideia de que existam modelos económicos que garantam fórmulas de sucesso, ou se atacam os factores que causam a ineficiência recorrente do sector ou se diminui o peso do sector público livrando a economia de vícios que são em Portugal próprios do Estado. O sucesso do Estado escandinavo assenta numa cultura nacional específica, onde a responsabilidade individual e o sentido de solidariedade nacional se conjugam, pagam muito mas exigem também muito e se exigem dão também o melhor de si, são culturas onde a transparência na vida pública é um dado adquirido. Francamente não creio que seja possível com os partidos de poder que temos, os seus boys e todos os lóbis que em volta deles gravitam, transportar para Portugal esse exemplo, e como tal parece-me que só nos resta a outra alternativa, diminuir o monstro público…

Ao contrário do que se pensa os portugueses não precisam do paternalismo estatal para sobreviverem e para vencerem; os estudos realizados em Portugal revelam uma vontade empreendedora muito superior à verificada noutros países europeus e até nos EUA, a isto não será de certeza alheio o problema de crescimento da economia portuguesa e a consequente incapacidade de criação de emprego, porém é nas horas de necessidade que surgem as oportunidades e esta vontade empreendedora portuguesa deveria ser aproveitada. O empreendedorismo é um factor importante para o crescimento económico mas em Portugal esse desejo, embora significativamente maior do que noutros países, é pouco concretizado, é um empreendedorismo latente, sem a materialização desejada. Para tal contribuem dois factores que entroncam no que foi abordado em cima, por um lado a ineficiência do Estado e por outro lado a importância das políticas de educação para a competitividade económica.

A burocracia excessiva para a criação de empresas e o baixo nível educacional da população, sobretudo nas áreas tecnológicas, são os dois factores decisivos que devem ser debelados na nossa economia para potenciar a vontade empreendedora dos portugueses. A par da simplificação de processos, da desburocratização, nos procedimentos de criação de empresas é necessária não uma reforma educativa mas uma revolução na educação, direccionando os alunos para as áreas científicas e para as tecnologias da informação, as escolas de gestão, por sua vez, precisam de dar especial atenção aos modelos organizacionais cada vez mais flexíveis e descentralizados, valorizando a rapidez de resposta e a capacidade de lidar com a incerteza, estimulando novas abordagens perante os problemas. O sistema de ensino deve premiar a excelência, se necessário for criando turmas avançadas; valorizar os melhores, os mais capazes, é imperativo.

Deixemos os melhores liderar e os restantes ajudar, matemos o igualitarismo que nos destrói, aos mais capazes a condução da nação.

Não sei se a vontade de empreender é fruto meramente das dificuldades económicas do país, não sei se não é mais que uma solução de auto-emprego, mas sei que ela existe e deve ser potenciada, ao contrário do que alguns gostam por vezes de fazer crer, a epopeia dos descobrimentos não foi o resultado de um sentido missionário, de uma vontade de servir a cristandade, não, a epopeia dos descobrimentos foi a vontade de empreender de um país que se encontrava em crise e sem perspectivas no horizonte, foi a necessidade que criou a oportunidade, foi a necessidade que levou ao empreendedorismo dos nossos antepassados, foi o espírito empreendedor que a necessidade criou ou ajudou a criar( porque talvez ele sempre tenha estado presente no nosso glorioso povo) que nos levou ao desenvolvimento técnico e à conquista dos mares e do mundo, aproveitemos essa vontade nesta altura em que o horizonte, uma vez mais, parece nebuloso para a nação, criemos as condições para que os mais empreendedores possam ajudar Portugal.