domingo, abril 30, 2006

O caminho dos partidos nacionalistas

Uma sondagem realizada pela Sky News(*) revelou resultados interessantes sobre o BNP, partido nacionalista britânico. Apresentou-se aos inquiridos um conjunto de propostas políticas do partido e foi-lhes perguntado se concordavam com essas propostas. Entre as pessoas que não sabiam a origem partidária das propostas sobre as quais foram chamadas a dar opinião 55% revelou concordância com o conjunto que lhes foi exposto. Entre os que conheciam que as políticas apresentadas partiam do BNP o apoio diminuiu para 49%.

Curiosamente( e na verdade nem tanto) no que refere às políticas de imigração os resultados apresentaram a seguinte variação: Perguntados sobre se apoiariam o fim de toda a imigração para o Reino Unido, 59%(!) dos que desconheciam estar a julgar uma proposição do BNP responderam positivamente, ou seja, um valor acima da média para o conjunto de todas as políticas postas a análise para o grupo referido. Sabendo tratar-se de uma proposta do BNP o apoio à mesma caiu para os 48%, uma queda de 11 pontos e que colocou o apoio à proposta abaixo da média do conjunto total para o grupo considerado( neste caso o dos inquiridos que sabiam estar a analisar uma ideia do BNP).

É importante compreender estes números e retirar as ilações necessárias, até porque as conclusões para que apontam estes dados não são um exclusivo da sociedade britânica mas antes fruto de uma série de condicionantes que são, em maior ou menor escala, comuns a todos os movimentos nacionalistas europeus, incluindo o português.

Em primeiro lugar há que salientar uma oposição, direi mesmo radical, à imigração por parte dos inquiridos, ao ponto de ser a posição anti-imigracionista do BNP que mais empatia encontra nos britânicos. Isto significa que existe hoje uma clara separação entre o que os engenheiros da nova sociedade da diversidade e da multiculturalidade querem impor ao povo e o que o povo pretende de facto, a verdade é que o sentido de identidade continua vivo na seio das populações e as forças iluminadas da “cultura” ou os pregadores da “eficiência” económica, apesar de todo o esforço, de toda a publicidade, de todas as mentiras, não conseguiram ainda apagar por completo a chama que arde no mais profundo recanto da alma europeia.

Em segundo lugar todas as propostas do BNP, abarcando diversos problemas da sociedade britânica, são recebidas com considerável apoio por parte da amostra da população. Isto significa que a mensagem nacionalista detém os temas certos, acertando nos problemas que interessam ao povo assim como nas soluções apresentadas, pelo menos parcialmente.

Em terceiro lugar os efeitos da propaganda anti-nacionalista( disfarçada de informação isenta) são claros e é visível a sua força enquanto arma de manipulação da população, é isso que explica a queda de apoio às ideias do BNP quando é conhecida a sua fonte. Existe um condicionamento psicológico do povo, resultado de uma propaganda incessável de diabolização dos partidos nacionalistas que faz com que uma parte mais vulnerável da população, menos independente, mais influenciável, com menor capacidade crítica, digamo-lo frontalmente, mais fraca, sinta pânico de qualquer associação que possa ser percepcionada pelos outros ao nacionalismo, numa espécie de efeito “pressão-de-pares” que expõe um patético aprisionamento intelectual dessa parcela da sociedade. Note-se que se esse receio ou esse constrangimento é visível num simples inquérito, que não implica particular responsabilização, quando for altura de votar o peso desses condicionamentos aumentará e a ideia que o sistema faz passar do “problema nacionalista” será suficiente para que grande parte dos indivíduos que concordam com as propostas do BNP não ponderem dar ao partido o seu voto. Está demasiado enraizada a publicidade mediática da suposta perigosidade dos partidos pró-nação. Quebrar essas correntes que aprisionam a liberdade de espírito dos europeus é um processo moroso e gradual.

Finalmente, a diferença maior entre os grupos situa-se na área das políticas de imigração, são as propostas sobre esse tema que mais apoio recolhem entre os que desconhecem a origem partidária das ditas e são essas que mais perdem (percentualmente) entre os que a conhecem. Isto significa que, sobretudo, está inculcado na população o receio de certos rótulos muito próprios. A força do dogma da benignidade do multiculturalismo, mesmo contra as evidências, e o maniqueísmo radical que estigmatiza quem o rejeita - racistas, xenófobos,nazis, intolerantes, etc. – mostra aqui toda a sua força. Se já existe o embaraço, mais ou menos consciente, de surgir como apoiante de um partido nacionalista, esse ganha maior peso quando o assunto é a imigração, precisamente porque é nessa área que mais facilmente se estabelecem as associações socialmente incorrectas e individualmente prejudiciais (na comunidade, entre os amigos, no trabalho) que referi atrás.

A principal conclusão da sondagem:” Se o BNP mudasse a sua imagem poderia sair-se muito bem nas eleições locais”( são as próximas).

Esta constatação do inquérito deve servir de reflexão não só para o BNP mas para todos os partidos nacionalistas europeus. A imagem dos movimentos nacionais não é da exclusiva responsabilidade dos mesmos, é preciso dizê-lo, a comunicação social tem muita responsabilidade nessa imagem pública e, ao contrário do que sucede com todas as outras forças políticas, os nacionalistas não têm ninguém nos órgãos de informação que os defendam, estão por isso sujeitos a todo o tipo de distorções, porém…é preciso também reconhecer que frequentemente os nacionalistas têm pousado para o retrato nas exactas condições que convêm a quem os caricatura negativamente, reforçando por vezes essa imagem negativa por sua acção.

A capacidade de crescimento de um partido nacionalista tem por isso dois vectores base: a mensagem e a imagem. No que concerne à mensagem ela está centrada nos temas certos, combate à imigração, defesa da ordem e da segurança pública, combate ao desemprego, mais e melhor justiça, etc., são temas que recolhem o apoio das populações. No que toca à imagem há muito por fazer.

A imagem de um partido estará tanto ligada à “estética visual” da organização como à linguagem utilizada. As organizações nacionalistas só terão a ganhar com uma “estética”que as aproxime do cidadão comum, na qual este se reveja, seja identificando-se com os seus militantes ou com a simbologia associada. São por isso de evitar arquétipos e comportamentos que sejam visualmente estranhos ao cidadão, o caminho natural de um partido nacionalista é ser compreendido como representante da nação real, das suas gentes.

Quanto à linguagem, os partidos nacionalistas são percepcionados como organizações inatamente radicais, uma linguagem demasiado extremada apenas reforçará essa percepção perante a sociedade, o que não é necessariamente positivo. Acima de tudo uma organização política deve saber que o povo não quer instabilidade e não confiará em quem associar a cenários de grande incerteza. Os partidos nacionalistas têm de compreender que existem muitas maneiras de fazer passar a mesma mensagem,utilizando palavras ou terminologias muito diferentes; interessa o conteúdo do que se diz mas também a forma como se diz, não existe portanto uma necessidade permanente de radicalizar o discurso para marcar uma posição anti-sistema quando, à partida, os temas abordados, as propostas e as mensagens transmitidas já possuem essa natureza.

Existe uma linha que separa o que deve ser abordado e dito daquilo que as boas consciências do “politicamente correcto” gostariam de permitir, a desradicalização do discurso de um partido nacionalista não significa cruzar essa linha até à transformação em “mais um como os outros”, significa apenas saber onde está essa linha e jogar com ela, não extremando a linguagem quando não há disso necessidade. Existe uma postura institucional que se exige de um partido político e à qual não estarão obrigadas as diferentes organizações, muito menos sites ou blogs, que gravitam em seu redor, que dispõem por isso de maior liberdade de acção.

A exigência que se coloca tanto ao BNP, como aos partidos nacionalistas europeus em geral, é compreender que o seu objectivo é responder aos anseios da sociedade civil, não ao seu núcleo duro ou aos seus sectores internos mais intransigentes, abrir à sociedade e atrair o cidadão médio, absorvendo os quadros qualificados que tanta falta fazem, mais que corresponder aos desejos de pequenas franjas revoltadas da sociedade. São os partidos nacionais que têm de se adaptar à população e não esperarem que esta venha ao seu encontro independentemente da imagem que passam.

Porque sobretudo é preciso não cair num encerramento sobre si, em que um qualquer directório ou círculo fechado nos partidos comemora qualquer aparição pública ou qualquer tipo de publicidade com triunfalismo, isolados da realidade, de vitória em vitória, de comemoração em comemoração, até à derrota nas próximas eleições. É preciso saber distinguir o trigo do joio, saber quando foi bem aproveitada a exposição pública e quando não foi, para que nesses últimos casos se estudem as formas de alterar a situação nas próximas oportunidades.

Isto implica um tratamento inteligente da publicidade, a máxima “falem bem ou falem mal, mas falem” é concerteza muito útil para as “socialites”, para um partido não serve, a má publicidade é isso mesmo, má! Se um consumidor for informado que determinado produto é muito prejudicial à saúde e se depois a imprensa cobrir a questão variadas vezes isso não constitui qualquer mais valia para o produto ou marca associada, antes pelo contrário. Naturalmente que no caso dos partidos nacionalistas a publicidade é um problema sério, o bloqueio da comunicação social é tremendo e quando ele é quebrado as intenções subjacentes são constantemente maliciosas, como pudemos constatar recentemente em Portugal com o relatório do SIS sobre as ameaças à segurança interna. Esse relatório foi discutido em quase todos os jornais e televisões, o objectivo foi claramente espalhar e reforçar a imagem de ameaça que o nacionalismo constituiria. Pelo meio misturou-se tudo, o PNR com a Frente Nacional, o nacionalismo com skinheads, a extrema-direita tradicional com neo-nazis, enfim, uma salada sem sentido mas com propósitos óbvios, prejudiciais para o PNR.

Se o bloqueio informativo é um problema aquilo que sucede quando esse bloqueio é quebrado já é, em parte, da responsabilidade das organizações nacionalistas, a forma como aproveitam melhor ou pior os tempos públicos que vão conseguindo, mesmo se alguns são despoletados com objectivos adversos ao nacionalismo, define a qualidade, força, maturidade e capacidade de engrandecimento dos movimentos. No Reino Unido, como em Portugal, os primeiros bloqueios foram já ultrapassados, agora é escolher o caminho que se pretende percorrer, os temas existem e estão devidamente identificados, a imagem que os partidos nacionalistas quiserem cultivar definirá em parte o seu potencial de crescimento e as gentes que atrairão, exactamente como concluiu o estudo da rede britânica.

(*)Backing for BNP policies

domingo, abril 23, 2006

A economia à beira do precipício?

O preço do petróleo continua numa subida imparável tendo ultrapassado já a fasquia dos 70 dólares. O FMI mostra-se preocupado com os desequilíbrios que esta subida continuada nos preços está a provocar na economia mundial:«estes desequilíbrios foram claramente exacerbados pelos preços mais elevados da energia», afirmou o Fundo.

Ao mesmo tempo o FMI aconselhou o BCE( Banco Central Europeu) a não ter pressa na subida das taxas de juro, uma vez que as pressões inflacionistas estarão controladas, no entanto são esperadas novas subidas das taxas na zona euro já em Junho, que se poderão reflectir sobre o crescimento da economia europeia, mercado do qual a recuperação da economia nacional mais depende.

Embora as pressões inflacionistas pareçam controladas, o BCE mostra natural preocupação com a situação que ocorre no mercado petrolífero, o que deixa antever a possibilidade futura de uma política monetária do BCE mais restritiva. Quanto mais alto o preço do petróleo maior a probabilidade de se desencadear na zona euro uma espiral preços-salários com consequente aceleração da inflação. A situação do mercado petrolífero foi, aliás, apontada pelo FMI como o risco maior que pende sobre a economia europeia.

Como afirma Joseph Stiglitz(*), os preços do petróleo são hoje, em grande parte, uma consequência da guerra no Iraque, não reflectindo a evolução que deveriam apresentar num cenário de normalidade, o que significa que a Europa está a sofrer as consequências económicas da ofensiva militar dos lunáticos de Washington. Antes do início da guerra no Iraque o preço do petróleo nos mercados de futuros rondava os 25 dólares, que é um valor aproximado do que deveria apresentar correntemente numa situação normalizada, hoje transacciona-se a mais de 70 por barril de crude! A instabilidade criada no Iraque e a diminuição da produção acabaram por conduzir a economia mundial para esta conjuntura.

Se não importa falar, em relação à aventura iraquiana dos cavaleiros apocalípticos de Washington, na violação do direito internacional, porque na verdade tal nem sequer conta; o direito internacional está subjugado à vontade do mais forte, de quem domina o mundo, o mesmo é dizer à vontade imposta pelo humor dos EUA( ou de quem lá manda…), podemos, no entanto, falar numa guerra sem justificação aceitável. Os argumentos utilizados para a ofensiva foram completamente desmentidos pela realidade, não existiam armas de destruição maciça nem quaisquer indicadores fiáveis que ligassem o regime de Hussein aos ataques do 11 de Setembro ou à «Al Qaeda».Ademais, o «Washington Post» publicou recentemente documentos da Administração americana revelando que a «ameaça Al Qaeda» no Iraque foi manipulada, e continua a sê-lo, pelos serviços de informação norte-americanos, utilizando os meios de comunicação social.

Os grandes «vencedores» dessa guerra até ao momento são os lobbies judaicos em Washington e as companhias petrolíferas envolvidas na Administração Bush, que se assemelha cada vez mais a uma associação empresarial em vez de um Governo; os principais perdedores são os cidadãos comuns, ameaçados pelo risco económico de um novo choque petrolífero. Mas existe um outro vencedor indirecto, precisamente o regime de Teerão.

A partir do momento em que os EUA lançaram o Iraque no caos o papel do Irão no mercado energético ganhou nova importância e permitiu ao regime iraniano uma posição de força perante a comunidade internacional que não teria noutras circunstâncias. Foi a intervenção desastrada no Iraque, que a Administração Bush previa rápida e de baixo custo, que destruiu a capacidade de pressionar diplomaticamente e economicamente Teerão na questão nuclear. Neste momento o regime iraniano sabe que detém sobre a economia mundial um ascendente que lhe permite desvalorizar essas opções. Se porventura forem impostas sanções económicas ao Irão, o barril de crude disparará provavelmente para mais de 100 dólares, atingindo valores que terão um impacto muito pesado sobre a economia mundial.Caso o mercado energético estivesse normalizado a eficácia das pressões diplomáticas e económicas sobre o Irão seria completamente distinta, com as condições actuais podemos afirmar que os EUA arruinaram essas opções e assim não é de estranhar o consecutivo falhanço das negociações e a condescendência paternalista com que o Irão as vê.

A intervenção militar, por sua vez, para além de todas as dificuldades que acarreta a nível de meios e de despesa, não resolverá o problema no mercado energético podendo ser mais gravosa que a imposição de sanções, já que não parece possível uma intervenção rápida e eficaz no Irão que implique uma mudança de regime, e apenas isso poderia alterar, de facto, a situação no mercado.

Sucede que, tal como na guerra do Iraque, também neste caso os interesses americanos não são convergentes com os da Europa, e vale a pena lembrar que os EUA são, neste momento, o terceiro maior produtor de petróleo do mundo. Assim, depois de minada a capacidade diplomática europeia junto do Irão pela situação criada com a guerra iraquiana, depois de colocada a Europa sob o risco de uma espiral preços-salários decorrente da instabilidade do mercado petrolífero, temos novamente a Europa (juntamente com a China, muito dependente na área energética do Irão) como o bloco que se apresenta mais vulnerável na eventualidade de uma guerra contra Teerão, embora essa hipótese, a concretizar-se, possa arrastar toda a economia mundial para uma recessão de dimensão imprevisível. Só Israel, verdadeiramente ameaçado pelo regime iraniano e financiado largamente pelo congresso americano, está facilmente disposto a pagar para ver...

(*)Entrevista de Joseph Stiglitz ao «Der Spiegel»

terça-feira, abril 18, 2006

A caricatura da liberdade

Quando recentemente o jornal dinamarquês Jyllands-Posten decidiu publicar umas caricaturas de Maomé, seguido posteriormente por mais alguns jornais de outros países, a Europa assistiu ao despoletar de uma série de problemas com as comunidades islâmicas. À vontade de provocar de uns correspondeu a esperada irracionalidade e fanatismo de outros.

Perante o costumeiro radicalismo dos islâmicos ergueram-se uns quantos defensores de ocasião do Ocidente( muito de ocasião) em defesa de uma presumida ideia de liberdade tomada como valor civilizacional da Europa. O direito de caricaturar um profeta religioso e abordar livremente as questões da fé foi então tornado a bandeira simbólica da oportunidade de livre expressão que distinguiria as democracias ocidentais do «obscurantismo» de outras partes do mundo.

Por vezes a roçar o histerismo esses defensores de ocasião do Ocidente, que quando toca a defendê-lo integralmente se encontram sempre ausentes, asseguraram-nos que os movia simplesmente a apologia da «liberdade», que se tratava de uma questão de valores… a liberdade seria uma condição fundacional da «Europa democrática» e eram limitações a esses valores base que estavam em causa e não poderiam em consciência aceitar.

Na segunda-feira, 10 de Abril, Pedro Varela, proprietário da Livraria Europa, em Barcelona, foi detido pela polícia da Catalunha. Segundo as forças de autoridade o objectivo principal seria a Associação Cultural Editorial Ojeda, sediada na referida livraria. Na operação foram confiscados vários milhares de livros. As acusações dirigidas a Pedro Varela foram de «delito contra o exercício de direitos fundamentais e liberdades públicas» e «delito contra as liberdades públicas por apologia do genocídio».A sustentar as acusações apresentaram-se os livros editados pela Ojeda e vendidos na livraria, desde obras de ficção a livros nacional-socialistas, revisionistas ou estudos sobre diferenças raciais(*).

Esta detenção de Pedro Varela – que não foi a primeira – não choca os defensores da tal liberdade que dizem valor civilizacional da Europa, pelo menos a julgar pelo silêncio generalizado a que os outrora histéricos defensores dos «valores fundacionais do Ocidente» se remeteram neste caso e noutros semelhantes. Em qualquer livraria podemos encontrar obras que apresentam visões revisionistas sobre os crimes do comunismo, e muito bem , acrescento, uma vez que considero ter o direito de conhecer outras opiniões para além das que são correntemente aceites como verídicas. As pessoas têm o direito de avaliar posições distintas e em posse de informação variada tomarem as suas decisões e fazer os seus julgamentos sem que uma qualquer autoridade lhes passe atestados de menoridade mental legislando o que podem ou não ler, o que podem ou não escrever ou pensar. Mas isto não é válido para a História da segunda guerra mundial ou para questões que abordem o tema racial, aí essa «coisa» da liberdade de expressão transforma-se frequentemente em «apologia do genocídio».

Varela foi preso por vender livros. Onde estão as boas consciências que lembram que a censura ou confiscação de livros é um sinal inequívoco de se estar na presença de Estados autoritários e inimigos da liberdade? As mesmas que criticam a censura literária em Cuba ou que falam da destruição de obras na Alemanha nazi como sinal profético do que estaria para vir? Afinal não vivemos em democracias cujo valor central é a possibilidade de dissidência e de livre opinião? Não é sempre essa a diferença fulcral que apresentam na defesa da superioridade democrática ocidental? Pois…estão de férias agora os defensores dos «valores civilizacionais do Ocidente» que há alguns meses se insurgiam energicamente na defesa do direito à liberdade de expressão, esse dogma das nossas democracias de «homens livres».

Esta «liberdade ocidental» cujos limites são impostos pelo poder político dominante, que decide em função dos seus interesses os critérios do que podemos dizer e escrever é a mais cínica negação do conceito. Ninguém é livre se não puder aceder a informação diferente e for forçado a aceitar as teses únicas da verdade institucionalizada, pois essa é a verdadeira limitação que impede o livre juízo e a decisão autónoma.

De facto, o «homem livre» europeu é como uma criança de 6 anos a quem o poder político, fazendo o papel de adulto responsável pela sua educação, estabelece os limites do que pode ou não saber, e, tal como um adulto faz com uma criança, justifica a sua acção para o próprio bem desse «homem livre» europeu, em boa verdade infantilizado. A liberdade apregoada por alturas da polémica em torno das caricaturas de Maomé quando comparada com a sua negação em tantos outros casos de que Pedro Varela é apenas o exemplo mais recente faz lembrar a liberdade que se permite aos fedelhos: que façam umas caricaturas, uns bonecos e uns rabiscos, mas não se intrometam nos assuntos sérios dos adultos; eles é que sabem o que é melhor para a criançada, incapaz de raciocinar por si.

(*)A este propósito será bom que o professor J.P.Rushton, que recentemente publicou um estudo cientifico mostrando que as diferenças de QI entre os diferentes grupos raciais são sobretudo genéticas e que o ambiente social e educacional não tem um impacto superior a 20% nos resultados ou, para o efeito, o professor Richard Lynn que em «Race Differences in Intelligence: An Evolutionary Analysis» concluiu existirem diferenças de inteligência significativas que separam as raças, evitem passar por Barcelona, não vá dar-se o caso de acabarem detidos por incitamento ao genocídio.

domingo, abril 16, 2006

Christopher Lasch, a direita ao lado do povo contra as elites

Christopher Lasch é normalmente considerado nos EUA um autor difícil de definir ou catalogar, não é um pensador que seja facilmente encaixado em categorias padrão. Para essa ideia de indefinição ideológica que no mundo anglo-saxónico lhe está associada contribui, concerteza, a sua posição face ao capitalismo. Um homem que esteve ligado a pertinentes análises sociais elaboradas a partir de uma certa visão de direita , foi também um crítico convicto do liberalismo económico. Na sociedade americana, praticamente sem tradição socialista, espera-se geralmente da direita uma posição claramente contrária ao Estado Social, favorecedora do governo minimalista, inequivocamente capitalista, provavelmente herdeira do liberalismo clássico. Sair desta matriz é condição para garantir o rótulo de herético que coube a Lasch.

A tradição europeia é diferente, até tempos recentes o conservadorismo e o liberalismo estavam em pólos opostos, foi o erguer do socialismo que fez convergir ambos no mesmo campo, numa aliança frequentemente contra-natura e que acabou na completa destruição dos movimentos realmente conservadores, corroídos, desvirtuados e dominados pela filosofia liberal, como sempre acontece com as ideologias que se associam a essa doutrina. De resto como esperar outra coisa da junção do conservadorismo, defensor das instituições tradicionais e natural portador de uma visão comunitária da vida com uma filosofia que faz a apologia da liberdade como um fim em si e do individualismo radical? Lasch seria necessariamente um «desenraizado» na sociedade americana, mas não entre os europeus, cuja memória alcança outras realidades. Arrisco dizer que na Europa seria considerado um homem autenticamente de direita, sem necessidade de particular confusão ou contestação.

Entre entrevistas e artigos controversos Christopher Lasch escreveu 8 livros, dos quais se destacarão «The Culture of Narcissism» e «Revolt of the Elites: And the Betrayal of Democracy». Este último, publicado já depois da sua morte, é provavelmente a obra mais abrangente e conseguida do ponto de vista político. São abordados 3 temas maiores que Lasch identifica como centrais à crise societal do Ocidente:1- as características das novas elites; 2- a comunicação social, a informação e o discurso público e 3- a crise espiritual do Ocidente.

O ensaio «central», que justifica o título do livro, remete-nos para a obra de Ortega y Gasset, «A Rebelião das Massas»; mas se Gasset identifica a emergência das massas como a grande ameaça aos valores europeus, pelo efeito destrutivo que teria sobre os padrões de qualidade na cultura e na política mantidos até então num certo patamar pelas elites, Lasch, pelo contrário, situa o problema na nova elite, os burocratas, os tecnocratas, os «peritos», os gestores, apresentando-os como a verdadeira causa da decadência da cultura e identidade do Ocidente bem como da própria democracia.

Ao contrário da direita que se revê em Gasset, elitista e desconfiada da democracia, sempre olhada como um mal menor, a direita de Lasch é popular( ou populista), e se critica a democracia actual é porque acreditou na ideia. Em oposição ao conservadorismo elitista que emana da obra de Ortega y Gasset a direita de Christopher Lasch é fundada nas classes trabalhadoras, no povo. O ataque de Lasch às elites é também a afirmação de uma posição que sempre lhe foi constante, a exaltação das virtudes das classes populares, das massas, das classes médias e baixas, que considera como o verdadeiro último reduto dos princípios que ergueram o Ocidente. Para o autor é precisamente entre as massas que se encontra o espírito de resistência ao politicamente correcto e de preservação da tradição ocidental, ameaçadas sim por elites que constituem a linha avançada da destruição desses princípios. O multiculturalismo, os estilos de vida «alternativos», as medidas de «affirmative action», o feminismo radicalizado, a relativização do valor da vida, a defesa do aborto, toda a agenda progressista encontra, sengundo Christopher Lasch, a maior resistência entre o povo e a maior força de imposição entre as novas elites do sistema globalizado, detentoras do poder económico e informativo.

Estas elites vivem num mundo aparte em que a informação e a elevada especialização técnica constituem os alicerces do poder e são elas que detêm o monopólio dos factores geradores de controlo social. Uma vez que o mercado destes factores é internacional e é daí que advém o seu estatuto dominante as novas elites são fiéis à manutenção e aprofundamento da nova ordem global e não manifestam qualquer lealdade para com as suas comunidades nacionais e as instituições tradicionais. Na verdade a distância que separa as novas classes dominantes das massas é de tal ordem que perderam toda a ligação à sua população, à sua nação. Vivem num mundo privado e selecto, habitam condomínios fechados, frequentam clubes privados, colocam os filhos em caras escolas particulares, desconhecem os bairros problemáticos, beneficiam de seguros de saúde que os asseguram contra os problemas dos sistemas de assistência médica, são portanto incapazes de compreender o mundo que está fora do seu círculo fechado e que afecta o povo.

O segundo tema abordado por Lasch e que foi também recorrente em toda a sua obra é o da manipulação da informação e controlo dos «media». Cristopher Lasch ataca a ideia de uma qualquer suposta neutralidade da comunicação social ligando esse embuste à aliança entre os «media» e a indústria de publicidade. Os interesses comerciais pretendiam promover os seus «produtos» sob a capa da respeitabilidade, assegurada pela ideia de uma comunicação social objectiva, enquanto os jornais e televisões pretendiam abarcar a maior percentagem de público servindo-se dos serviços da publicidade. Gera-se assim uma dinâmica nociva, a publicidade promove a ideia de neutralidade da informação enquanto a «informação» vende propaganda ao serviço de grupos e interesses sob o manto da veracidade factual.

Este controlo sobre a informação é exercido pelas novas elites internacionalistas e aqueles que com elas se relacionam, incluindo, naturalmente, jornalistas. As massas, ao lado das quais sempre se situa, são compostas por consumidores, recipientes destes fluxos de propaganda sem capacidade de influenciar ou retaliar, porque sem acesso aos «media». São, apesar de tudo, os instintos de preservação dessas classes médias e baixas que vão impondo os limites à disseminação das ideias ou ideais veiculados pela comunicação social e é essa resistência quase instintiva à engenharia social procurada pelo poder que as elites globais tentam destruir progressivamente.

Por fim surge a crítica do vazio espiritual que considera ter tomado conta da civilização ocidental. A ideia de progresso secular, segundo Lasch, surge hoje como um substituto completo da religião, apresentando a fé religiosa dos nossos antepassados como mero fenómeno que serviria para apaziguar a ignorância existente. Por outro lado aparecem novas religiões e espiritualidades que na sua opinião representam uma inversão da natureza religiosa, uma vez que o homem toma o papel de Deus, ou cria o seu próprio Deus, modelando as novas expressões de religiosidade às suas próprias necessidades de auto-estima e realização, sem exigir verdadeira disciplina espiritual. Essa «noite negra da alma», como lhe chama, levanta a derradeira questão, pode ainda sobreviver uma civilização que já perdeu a ligação com o que está para lá do homem, ou que, na melhor das hipóteses, está muito perto de a perder por completo? Afinal, por que estão dispostos a lutar, sacrificar-se ou morrer os representantes de um Ocidente que já não acredita em nada que ultrapasse o indivíduo? Este reconhecimento do papel estruturante da religião assume especial interesse no autor porquanto nunca foi um homem religioso.

domingo, abril 09, 2006

O tsunami da escravidão

Desde a extrema-esquerda mais retrógrada à extrema-direita de Anson passando por todos os governos que temos tido, escutamos sempre o mesmo argumento: a imigração é necessária para manter o sistema de pensões. Assim, quando algum político, submetido aos interesses do capital, queria fazer render o seu lugar entoava o «mantra» de que os imigrantes vinham para aqui salvar as nossas pensões.

Desgraçadamente o Banco de Espanha (BE) informou que, apesar da imigração, o impacto do envelhecimento da população e a escassa natalidade provocará o défice do sistema, não se adoptando novas medidas, particularmente entre 2025 e 2050. Para chegar a esta brilhante conclusão o BE não elaborou simulações com super computadores, constatou tão-somente, com informação do Instituto Nacional de Estatística, que os imigrantes também envelhecem e que, no futuro, exigirão direitos.

No diário neoconservador La Razón (2/4/06) uma tal Rosa Carvajal afirma que «é indubitável que a sua entrada [de imigrantes] no nosso país potenciou a nossa expansão económica e favoreceu a criação de emprego». Mas se tivesse lido o relatório do Serviço de Estudos Económicos da fundação BBVA (3/3/05) saberia que a mão-de-obra imigrante «favorece a moderação salarial», por excesso de oferta, e «facilita a contenção de preços». A salários mais baixos corresponde menor poder de compra e é um facto que o depauperamento das famílias é uma causa directa na diminuição da natalidade. Beneficia isto o país? Indubitavelmente não.

Joaquín Almonia, comissário europeu de Assuntos Económicos, afirmou diante do Colégio de Economistas que faz falta «reformar o sistema de pensões». Já sabemos como é. Por exemplo, nos EUA, segundo o diário El País (2/4/06) «cada vez mais empresas congelam os planos empresariais tradicionais, criados depois da segunda guerra mundial, enquanto promovem com entusiasmo os fundos de aforro para a reforma, os chamados fundos 401(k), que permitem às companhias contribuições mais flexíveis e passar para o empregado os riscos da gestão… Os «experts» asseguram que no futuro muitos trabalharão pela força para evitar cair na pobreza durante a velhice».

Assim estão as coisas, o capital global está a ponto de consumar o negócio do século. Quando faz falta vende a imigração como panaceia para sanear o sistema de pensões. Mas se quer destruir o sistema público de pensões a fim de obter os benefícios dos planos privados, então diz que as pensões não se salvarão nem com a imigração maciça. No final teremos imigração maciça para garantir os salários esclavagistas e não teremos pensões públicas porque haverá que pagar religiosamente o plano de pensões do Banco de ocasião. E ainda dizem que não existe o crime perfeito.

Assim estão as coisas, enquanto nos enchem os ouvidos com a última idiotice do bufão Otegi ou com as mágoas da «alcaldesa» de Marbella, o tsunami da escravidão, fomentado pelo demoliberalismo, avança imparável.

Eduardo Arroyo

quarta-feira, abril 05, 2006

O PCP, Marx e a democracia

O PCP, pela voz do seu secretário-geral, Jerónimo de Sousa, afirmou que está em curso uma campanha ideológica levada a cabo pela «direita conservadora e revanchista» para alterar a Constituição, manifestando a sua preocupação face a essa eventualidade. Segundo o PCP uma alteração do texto constitucional poderá colocar em causa a sua «vertente de democracia política».

Há algo de profundamente surrealista nesta persistente argumentação comunista. É impressionante a quantidade de vezes em que o PCP se manifesta publicamente como uma espécie de guardião da liberdade e da democracia. Falamos de um partido que é em si a própria negação da ideia de democracia!

Se os comunistas portugueses podem hoje, desavergonhadamente, falar em nome da liberdade e da democracia devem-no precisamente ao facto de terem sido a facção derrotada no pós 25 de Abril. Caso o modelo de sociedade por eles preconizado tivesse sido implantado em Portugal o país teria sido dirigido por um regime ditatorial. Uma das mais absurdas explicações para a forma como estes hipócritas enchem a boca com semelhantes alegações é dada pelo exemplo de luta demonstrado contra o regime autoritário de Salazar. O caso é risível, pela mesma lógica se os comunistas tivessem implantado um regime ditatorial, como sempre sucede com as experiências marxistas, os eventuais resistentes da direita reaccionária e anti-democrática passariam a ser vistos como principais guardiães da liberdade democrática? Claro que não… O PCP não lutou pela democracia, lutou por um regime ideologicamente diferente do que existia, apenas isso, as ditaduras não têm só um sentido político, podem vir de quadrantes muito diversos.

Não sei se quando os dirigentes do PCP falam de liberdade e democracia estão simplesmente a ser hipócritas, se à força de tanto o repetirem passaram realmente a acreditar nas suas próprias mentiras, não sei se desconhecem a filiação ideológica do partido ou os resultados práticos do marxismo-leninismo que sempre caracterizou o partido, não sei se têm fraca memória e desconhecem a história do PCP e o seu apoio a regimes ditatoriais de inspiração marxista, na antiga União Soviética, em Cuba, as simpatias manifestadas pela Coreia do Norte, etc., não sei se os dirigentes do PCP, conhecendo os seus militantes, regra geral pouco menos que analfabetos, extrapolam para o todo da sociedade portuguesa essa imagem do eleitorado, não sei…mas o caso é quase patológico.

É verdade que existem vários marxismos mas a linha em que sempre se inseriram os comunistas portugueses é clara, o marxismo-leninismo, que foi tornado realidade na União Soviética; temos por isso um exemplo histórico do que é a ideia de democracia do PCP. A empatia do PCP com o próprio Estalinismo invalida até aquela linha de argumentação que considera que Estaline terá traído os princípios do marxismo-leninismo; ao PCP as suas posições históricas não lhe permitem sequer enveredar por aí.

Mas mesmo essa argumentação não é sólida. O regime de Estaline foi apenas uma consequência do comunismo implementado por Lenine, que executou centenas de milhares de opositores, criou a Cheka e deu início ao sistema que viria a ser conhecido pelos Gulags. Ou seja, Estaline limitou-se a continuar o que havia sido já iniciado.

Não é também verdade, como alguns marxistas pretendem, de forma a «lavar» a História, que os regimes comunistas que existiram tenham representado qualquer traição aos ideais de Marx, representaram tão só, na medida do possível, a aplicação prática do que fora teorizado por Marx e Engels. A verdade é que Marx foi sobretudo um crítico do que existia, em Marx encontramos a crítica da sociedade capitalista mas as soluções que aponta são sempre mal definidas, nunca devidamente aclaradas, explica como destruir mas nunca como construir.

O que surge claro no pensamento político de Marx? Sabemos que o comunismo de Marx levaria à abolição da propriedade privada, das classes sociais e, posteriormente, do próprio Estado. Mas antes de chegar à fase em que o Estado seria abolido Marx defende a necessidade de implementação da «ditadura do proletariado», como uma espécie de fase intermédia antes do fim do Estado. Até à «ditadura do proletariado» Marx indica o caminho e esse caminho está dependente da vontade e da acção revolucionária dos executantes, mas a partir da implementação da ditadura não há nada em Marx ou Engels que explique convenientemente como se processaria o desaparecimento do Estado e a presumida libertação final do «povo», supõe-se simplesmente que a «ditadura do proletariado» criaria as condições de alteração social – nomeadamente através da colectivização dos meios de produção - que permitiriam o fim natural do estado. Engels afirma taxativamente que o Estado desaparecerá autonomamente; diz ele : «O primeiro acto pelo qual o Estado surge como representante do todo social – a tomada de posse dos meios de produção em nome da sociedade – é também o seu último acto independente como Estado», a partir daqui Engels afirma que a intervenção do Estado na vida dos cidadãos se tornará progressivamente supérflua, desnecessária e este desaparecerá, «morrerá por si próprio».[1]

Ou seja, o estádio ditatorial em que caíram todos os regimes comunistas é um estádio que deriva directamente de Marx e Engels, da sua «ditadura proletária». Se considerarmos que a colectivização dos meios de produção foi alcançada com a execução dessas ditaduras em todos os regimes comunistas então os pressupostos definidos por Marx e Engels para o desaparecimento do Estado estiveram reunidos em todos eles. E no entanto o Estado, obviamente e como seria de esperar, não desapareceu em nenhum dos casos conhecidos, ora se o marxismo previa a extinção natural do Estado depois de reunidos esses pressupostos então a conclusão que retiramos é a de imperfeição da própria teoria marxista e não a de qualquer desvirtuamento do pensamento marxista, muito simplesmente porque na teoria marxista o fim do Estado, ao contrário da revolução e da instauração da ditadura, surgiria por si. [2]

Assim, o resultado lógico da teoria marxista é a instauração da ditadura e de uma burocracia omnipresente, não de qualquer democracia. Seria aliás lógico chegar a esta conclusão pela análise das realidades históricas, todos os regimes marxistas conseguiram chegar à supostamente intermédia fase da «ditadura proletária» mas nenhum deles viu o Estado opressor – segundo a própria teoria marxista - desaparecer. Muito simplesmente porque a ditadura é, na verdade, a fase final, o culminar de todo o projecto autenticamente inspirado no marxismo.

Tanto Marx como Engels são claros na sua objecção à democracia-liberal, ou ao sistema democrático como o conhecemos nas nossas sociedades, que definem como uma ditadura capitalista, ou burguesa, sobre o proletariado. As referências à democracia que vêm directamente da teoria marxista são raras e contraditórias. As únicas referências a qualquer ideia de democracia que encontramos em Marx e Engels remetem-nos para a experiência da Comuna de Paris, que não foi propriamente um exemplo de respeito por ideias divergentes. Mas mesmo no que concerne à opinião de Marx sobre a Comuna as incoerências são óbvias; em «The Civil War in France» Marx refere-se à Comuna como o sistema que melhor terá representado a sua concepção de organização revolucionária e socialista da sociedade, com uma democracia descentralizada, mas posteriormente, em 1881, em resposta a Nieuwenhuis, Marx refere-se à Comuna como não sendo verdadeiramente revolucionária e socialista.

Já Engels, que como Lenine verá na Comuna o modelo da «ditadura do proletariado», dirá sobre a mesma: «…E o partido vitorioso deve manter o seu poder por meio do terror que as suas armas inspiram nos reaccionários. Teria a Comuna de Paris durado mais que um dia se não tivesse usado a autoridade do povo armado contra a burguesia? Não podemos, pelo contrário, culpá-la por ter feito tão pouco uso dessa autoridade?...»[3]

Esclarecedor quanto à possibilidade de oposição e divergência na concepção democrática do marxismo.

Nem Marx nem Engels explicam como se transformaria a «ditadura do proletariado» num «Estado democrático» em que todos governam e ninguém governa, daí que, com base nas próprias afirmações de Marx e Engels,[4] Lenine( um dos ideólogos principais do PCP) tenha concluído que o Estado é uma organização de força e violência para a supressão de certas classes e que a ditadura é necessária «para quebrar a resistência da burguesia, para inspirar o medo nos reaccionários, para manter a autoridade do povo armado sobre a burguesia , para que o proletariado possa controlar os seus adversários»

Não só o Estado não desaparece naturalmente como afirma a teoria marxista como nada em Marx ou Engels explica como transformar a «ditadura proletária» num Estado democrático mantendo ao mesmo tempo o regime socialista. A razão é simples, falamos de abstracções irrealizáveis. Nenhum regime socialista, em que os meios de produção estão colectivizados, pode permitir a existência de oposição ideológica e a possibilidade de subida ao poder dessa oposição por via eleitoral, pois nenhuma economia consegue sobreviver se de 4 em 4 anos ou de 8 em 8 anos a produção for nacionalizada ou privatizada ao sabor das circunstâncias. Para que o socialismo marxista possa funcionar é necessária uma estabilidade de longo prazo que é incompatível com a ideia de alternância ideológica no poder e que só pode por isso ser assegurada por um Estado autoritário.

Raymond Aron, em «As etapas do pensamento sociológico», identifica como a última crise do pensamento marxista saber se existe um estádio intermédio entre as realidades comunistas e as sociedades social-democratas ao estilo ocidental, isto é, saber se é possível conjugar a colectivização geral da produção com a existência de democracia. Pela razão que apontei acima não creio ser possível essa conjugação, mas é a própria realidade factual que reforça essa convicção e parece mostrar mais uma imprecisão teórica no marxismo.

Dos modelos marxistas aquele que melhor revela uma dinâmica de evolução, o chinês, evolui para uma progressiva liberalização económica mantendo o sistema autoritário e anti-democrático. Ou seja, tudo se passa em sentido contrário ao previsto pela teoria marxista.

Segundo Marx e Engels, uma vez alcançada a nacionalização da produção o Estado desapareceria naturalmente libertando o povo e instaurando uma verdadeira democracia( que nunca se percebe bem o que significa no marxismo), mas na realidade o que sucedeu em todos os Estados que colectivizaram a produção foi a manutenção da burocracia estatal totalitária sem qualquer natural desaparecimento da mesma ou instauração de qualquer realidade democrática. Pelo contrário, aparentemente o que pode suceder nos regimes comunistas, se olharmos para a China, é precisamente o inverso, é o Estado que se mantém e o socialismo que progressivamente vai sendo mitigado.

Perante isto é preciso afirmar com clareza que os regimes ditatoriais de inspiração marxista não constituíram qualquer traição à teoria política de Marx e Engels mas são, tão-somente, a sua aplicação prática, as eventuais divergências no interior dos movimentos marxistas são da exclusiva responsabilidade da má formulação e das imprecisões inerentes à teoria fornecida por Marx.

De que democracia fala então o PCP, que é um partido marxista-leninista? E como é possível que uma Constituição que se afirma democrática, como a portuguesa, esteja manchada pelo marxismo, que é anti-democrático ou, pelo menos, claramente oposto à ideia de democracia-liberal? Se a democracia é um quadro neutro que suporta ideologias distintas, e inclusive aquelas que se lhe opõem, uma Constituição democrática deve necessariamente ser despolitizada e não conter referências ideológicas, marxistas ou quaisquer outras. Se a Constituição portuguesa pretende ser coerentemente democrática não faz qualquer sentido, por exemplo, a proibição da existência de organizações fascistas. Se, por outro lado, a Constituição da República portuguesa pretende garantir a perpetuidade democrática-liberal sem possibilidade de alteração do regime, limitando a liberdade de expressão dos que não são democratas, não há justificação para que não sejam interditadas organizações de inspiração marxista, como o PCP ou o Bloco de Esquerda. O que é preciso é uma clarificação, o que não é aceitável é esta incoerência constitucional promovida pelo PCP que não revela mais que a sua influência ideológica sobre o texto.

[1] Frederick Engels, «Anti-Dühring. Herr Eugen Dühring’s Revolution in Science»

[2] Esta posição explica também algumas divergências com os movimentos anarquistas que fazem depender o fim do Estado da actuação política directa, daí que, ao contrário do marxismo, no anarquismo se fale, não no desaparecimento do Estado mas na sua abolição. O ponto principal é compreender onde se situa a «acção», no marxismo ela situa-se na revolução para a implementação da ditadura, no anarquismo a «acção» provoca o fim do Estado.

[3] Marx e Engels, «Selected Works»

[4] Vladimir Lenine, «The Proletarian Revolution and the Renegade Kautsky»

segunda-feira, abril 03, 2006

A luta pelo essencial - uma visão pagã



Qual é, para Pierre Krebs, intelectual de origem francesa e residente na Alemanha, principal animador em terras germânicas da «Nova Cultura Europeia», nascida das cinzas da «Nouvelle Droite», a «luta pelo essencial»? Dito rapidamente: o maior desafio a que nos chama a modernidade moribunda, a batalha decisiva, aquela que afecta qualquer outra contenda não é outra senão a da Identidade contra a Decadência, a luta pela regeneração étnica e cultural dos povos europeus debaixo da norma de uma renascida consciência indo-europeia pagã, contra o Ocidente etnocida nascido do judeocristianismo. O Ocidente, de facto, na visão de Krebs, não é outra coisa que a conclusão do projecto igualitário claramente formulado já na pregação bíblica. Um Ocidente como anti-Europa, que compreende não só a América como essa parte doente da Europa que se renega a si própria, às suas raízes, ao seu destino, que não engloba em si mesma «nem a Europa de filiação grega eraclitiana, nem a Europa de filiação romana imperial, nem a Europa de filiação germânica fáustica, nem a Europa de filiação céltica druídica, nem a Europa de filiação monista Eslava».

Um Ocidente que se pretende «moderno» mas é apenas «actual», fossilizado, como está, em todas as suas formas essenciais, por «arcaísmos mentais hebreus do Antigo Testamento», completamente privado do dinamismo fáustico próprio da civilização europeia. Um Ocidente, finalmente, que resulta ser um verdadeiro «sistema para matar os povos» segundo a definição de Faye dos primeiros anos da década de 80. Esta função etnocida desenrola-se, para Pierre Krebs, em três momentos fundamentais: Numa primeira «fase política», a democracia orgânica, baseada na realidade etnocultural, a partir do modelo grego, é substituída pela «instituição vagabunda e cosmopolita do parlamento»; na segunda fase, «jurídica», pretende-se que as constituições de todos os Estados do mundo se inspirem num único modelo de cariz americano; finalmente no momento «ideológico», é a integridade territorial e étnica de cada povo que se desagrega. É a fase actual, a da sociedade multiracial, baseada no desenraizamento biológico e cultural de toda a comunidade étnica. Sociedade multiracial que, apesar do nome, se baseia fundamentalmente na negação dos dados raciais e étnicos, opondo o dogma politicamente correcto aos dados cada vez mais evidentes que vêm de estudos científicos.Na luta contra esta máquina devastadora de culturas, povos e comunidades, assim como na renovada afirmação da nossa identidade pan-europeia, as inteligentes reflexões de Pierre Krebs podem, sem dúvida, servir de valiosa ajuda.

Recensão de Adriano Scianca, na Tierra y Pueblo