sábado, junho 24, 2006

Comunidade e Sociedade

Assim como a distinção propriamente política é a oposição entre as categorias “amigo” e “inimigo” público, da mesma maneira o contraste entre “comunidade” e “sociedade” vem a ser a distinção fundamental de todo o pensamento sociológico. Seja que uns valorizem mais a categoria de “comunidade” e outros a de “sociedade”, o certo é que ninguém escapa a tal oposição e acabam enunciando-a com diferentes termos. Assim temos: sociedade aberta e sociedade fechada em Karl Popper, comunidade e sociedade em Ferdinand Tönnies, sociedade tradicional e sociedade moderna em Max Weber, solidariedade orgânica e solidariedade mecânica em Emile Durkheim, comunidade de sangue e comunidade de eleição em Martin Buber, sociedade homogénea e sociedade heterogénea em Herbert Spencer, etc.

Há já uma década defendemos a esse respeito que:”O certo é que a ideia de comunidade enuncia no seu sentido original a participação dos homens que a compõem num núcleo aglutinado de valores (“bens”) que lhes são comuns. Ao passo que a sociedade enuncia antes a aceitação por parte dos seus membros de um conjunto de normas (“deveres”) que regulam a relação entre eles” (Alberto Buela,1987). Notamos como a teoria liberal coloca, como o fez desde Kant a Rawls, a primazia do “dever e do direito” sobre o “bem”, enquanto a teoria social-comunitária desde Aristóteles a McIntyre outorga a prioridade do “bem” sobre o “direito”.

A ideia de comunidade supõe a existência de bens ou valores que são comuns ao seus membros e dado que ante os valores existem apenas duas atitudes: preferi-los ou preteri-los – não há lugar para a conduta neutra como a proposta liberal de Estado neutro –, a vinculação dos membros na comunidade é existencial.

A ideia de sociedade está vinculada à de contrato social enquanto a de comunidade à de "estado" social. A solidariedade é subjectivamente sentida pelos seus membros (Weber) enquanto na sociedade se limita ao prescrito pelas normas legais e pode, no máximo, entender-se como filantropia. A noção de sociedade está relacionada com a ideia de “humanidade civilizada e progressista” própria dos filósofos do iluminismo (Diderot, Condorcet, Montesquieu, Kant, Herder, Goethe, Schiller, Schaftesburg, etc.) enquanto o conceito de comunidade refere-se sobretudo à união orgânica e natural do homem à sua pátria (*).

A sociedade, na definição clássica do sociólogo Ferdinand Tönnies (1855-1939), é um círculo de indivíduos que, apesar de viverem pacificamente uns ao lado dos outros, não estão “essencialmente unidos, mas essencialmente separados” (1944). Numa palavra, a ideia de sociedade vincula-se à de capitalismo demo-liberal-burguês, onde a satisfação egoísta das necessidades do homem-indivíduo deixa de parte toda a referência ao próximo, enquanto que a categoria de comunidade vincula-se com a de sociedade pré-moderna.

Do ponto de vista filosófico foi Hegel (1770-1831) que nos brindou com a mais profunda caracterização de sociedade quando na sua Filosofia do Direito no-la descreve e logo nos mostra a sua superação pela ideia de comunidade.

Excerto de "Comunitarismo e Poder Político", de Alberto Buela

(*)Embora Buela seja professor de filosofia a inclusão de Herder naquele grupo de filósofos não me parece a mais correcta.Creio que mesmo os nomes de Goethe e Schiller só poderão ser ali incluidos na sua fase pós "Sturm und Drang".

segunda-feira, junho 19, 2006

Clarificações

A última edição da revista Visão publicou um dossier, intitulado "Alerta skin", procurando apresentar o movimento skinhead aos seus leitores. Embora a quase totalidade dessa reportagem seja centrada nesse fenómeno específico surgem também associadas as habituais extrapolações e considerações sobre o movimento nacionalista na sua generalidade, a maioria reveladoras de manifesta ignorância ou, quiçá pior, da mais descarada má-fé.

Apenas a título de exemplo, porque outros encontramos por lá, um dos jornalistas encarregues desse caderno explica-nos que o PNR é um partido neo-fascista, e prova-o através de um brilharete na arte do raciocínio indutivo afirmando que esse partido tem uma doutrina corporativista, e acrescenta: «o seu símbolo é aliás, um facho».

Primeiramente não se percebe que doutrina corporativista é a do PNR, uma vez que o programa do partido não a defende, mas enfim, entende-se que a tentativa de fascizar a organização necessitasse desse exercício de criatividade artística. E depois a conclusão que reforça a evidência fascista é de ir às lágrimas; o símbolo do partido é um facho!

Leram bem, a chama, ou o facho, segundo a definição do jornalista “alistado”, passou a ser o símbolo fascista. Facho…fascista, óbvio! Não sei como classificar isto, bastaria até uma passagem pela Wikipedia para saber que o símbolo do fascismo não era uma chama, ou o tal facho, mas sim um fascio, que é algo completamente diferente.

Reparemos no que diz a Wikipedia, até porque a parte final do texto ganha um redobrado sentido irónico em face do remate do jornalista da Visão: «A palavra fascismo deriva de 'fasces lictoris' (latim) ou de 'fascio littorio' (italiano). Trata-se de uma espécie de cilindro, composto de um feixe de varas ligadas à volta de um machado. Simboliza a força da união em torno do chefe. Era usado na Roma Antiga, associado ao poder e à autoridade, em cerimónias oficiais - jurídicas, militares e outras. Na década de 1920, foi adoptado como símbolo do Fascismo, em Itália.

Obs.: Não se deve confundir com "facho", que se usa como equivalente de chama em "facho olímpico", por exemplo, e que é um dos símbolos das Olimpíadas.»

Caso o douto escriba não conseguisse ainda assim entender a diferença a própria Wikipedia traz uma figura de um fascio, para que se possa visionar a diferença entre uma chama e o referido objecto. Quem não lê… vê os bonecos.

Mas chamou-me sobretudo a atenção nessa reportagem uma caixa final que denuncia claramente, embora de forma inadvertida, o sentido de serviço de quem a elaborou. Um pormenor que explica o jornalismo de causas que vamos tendo e do que é esse jornalismo tributário, particularmente evidente quando concerne à análise do nacionalismo como um todo.

Diz então o jornalista: «No artigo 46.º, a Constituição portuguesa estipula que não são consentidas organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista. São, pois, proibidas as organizações de extrema-direita. Porquê estas e não as de extrema-esquerda? Por duas razões. A primeira, de carácter interno, é que Portugal sofreu 48 anos sob uma ditadura de direita, sendo a Constituição de 1976 o fruto da revolução que abalou essa estrutura repressiva, dessa festa que as gerações mais novas não viveram e cujo alcance dificilmente imaginam. A segunda razão é de carácter geral: os fascismos espalharam o terror na Europa, arrastaram o mundo para a II Guerra Mundial e saíram derrotados. É, pois, natural que o seu banimento esteja consignado na lei da maioria dos países.»

Este pequeno comentário tem matéria de discussão suficiente para escrever um livro mas não é obviamente num espaço como este que se poderia processar uma reflexão de fundo sobre tudo o que deste texto se poderia dizer. Fiquemos por isso por algumas questões que me merecem atenção mais imediata.

Antes de mais podemos dizer em relação ao artigo constitucional que, não havendo entre os especialistas do fenómeno uma convergência razoável sobre uma possível taxonomia do fascismo, a definição do que é uma organização que perfilhe a ideologia fascista permite um tal grau de amplitude classificativa que facilitará a arbitrariedade no julgamento do que poderá ser ou não uma organização desse cariz. Mas à questão da Constituição chegaremos mais à frente. Por ora atentemos nas conclusões do jornalista da Visão.

O que desperta imediatamente a atenção é um indisfarçado posicionamento político do autor no que respeita à relação extrema-direita/extrema-esquerda. De tal forma que, de modo paternalista (típico da esquerda), nos explica, a nós os ávidos de compreensão, porque são justificada e apropriadamente proibidos partidos de extrema-direita e porque é licita e naturalmente permitida a existência de organizações de extrema-esquerda, não escondendo, ou legitimando, a sua concordância com esta realidade.

Note-se também, por uma questão de rigor, que a associação que o jornalista faz entre organizações racistas e/ou de cariz fascista à extrema-direita é abusiva ou, se quisermos, prima pela inexactidão, já que aquilo que tradicionalmente se entende por extrema-direita compreende movimentos que não são racistas ou fascistas. Mas adiante…

O autor começa por afirmar: «São, pois, proibidas as organizações de extrema-direita. Porquê estas e não as de extrema-esquerda? Por duas razões. A primeira, de carácter interno, é que Portugal sofreu 48 anos sob uma ditadura de direita, sendo a Constituição de 1976 o fruto da revolução que abalou essa estrutura repressiva, dessa festa que as gerações mais novas não viveram e cujo alcance dificilmente imaginam.»

A Constituição de 1976 é o fruto de uma revolução que abalou a estrutura repressiva da ditadura de direita, dessa festa que as gerações mais novas não viveram nem podem imaginar…de facto é verdade, as gerações mais novas não viveram essa realidade e é por isso que estão habilitadas, a partir do sistema de ensino, da comunicação social( e o jornalista em causa é um bom exemplo disso) e de outras instituições deste regime, a que lhes seja criada essa imaginação colectiva sobre o terror repressivo do salazarismo e os supostos feitos heróicos dos bravos revolucionários, sem que sejam confrontadas com um outro lado da História. De tal forma é eficaz esse exercício de construção de um imaginário colectivo sobre as gerações mais novas que a maioria dos que não viveram esses acontecimentos ficam guarnecidos com todas as certezas e sem qualquer vontade de procurarem a contradição, que lhes permitiria ao menos tentar fazer uma avaliação crítica do que lhes é enfiado cabeça dentro pelos fazedores de opinião, de imaginação e de História.

Mas o que é que nos diz essa razão de carácter interno, ou particularista, sobre a proibição das organizações de extrema-direita (como lhes chama o autor) e a existência de organizações de extrema-esquerda? Nada. Não permite qualquer juízo de valor geral sobre a dicotomia extrema-direita/extrema-esquerda.

Notemos que pela mesma lógica se justificam as proibições e restrições legais que pendem sobre organizações de extrema-esquerda em países como a Estónia, Letónia, Lituânia, Roménia, República Checa ou Hungria. O que pensará disto o autor do texto? Certamente não tendo vivido o terror repressivo que a extrema-esquerda impôs nesses países e a “festa” que as gerações da libertação viveram advogará essas restrições legais, por uma questão de coerência. Ou não? Suspeito que talvez não.

O que é que se conclui sobre a justiça deste tipo de proibições assentes em razões particulares? Que não há que temer a filiação totalitária da extrema-esquerda nos países onde vigorou a repressão de direita e não há que recear a extrema-direita nos países onde vigorou o terror de esquerda? Nenhum juízo sério sobre a natureza comparativa da extrema-esquerda e da extrema-direita pode ser baseado em razões históricas particulares e parciais. As razões internas, para usar o termo do jornalista, não são, pois, um critério válido para emitir qualquer juízo crítico sobre o valor intrínseco, ou a virtude, da extrema-direita por comparação com a extrema-esquerda, já que não podem servir de base a uma concepção normativa de cariz “genérico” sobre qualquer dos dois fenómenos.

A única conclusão que retiramos daqui é que a História é sempre escrita pelos vencedores, que impõem a sua própria lei. Nada de novo, verdade seja dita.

Depois o jornalista segue com a razão de carácter geral para o banimento das forças de “extrema-direita”: «os fascismos espalharam o terror na Europa, arrastaram o mundo para a II Guerra Mundial e saíram derrotados. É, pois, natural que o seu banimento esteja consignado na lei da maioria dos países.»

Na verdade a razão de fundo está lá, uma vez mais é o facto de terem saído derrotados na II Guerra Mundial a explicar esse banimento, ou seja, regressamos à razão de contingência: o acaso da História determina que se imponha a lei e a verdade dos vencedores. Mas noto, novamente, que por si só isto não subentende qualquer juízo normativo sobre a justeza dos fascismos ou dos seus oponentes, apenas uma determinação circunstancial.

O que é curioso neste excerto é a defesa desse banimento pelo “terror espalhado pelos fascismos”. Então é esse terror que justificaria valorativamente, na generalidade, e já não numa dimensão meramente particular, o banimento das organizações fascistas e a legalidade das organizações que perfilham ideologias de inspiração marxista?

Vale assim a pena recordar ao autor de tão clara lógica que os regimes de inspiração marxista foram responsáveis pela morte de cerca de 100 milhões de pessoas onde foram implantados, entre execuções sumárias, mortos em campos de concentração (pois, não foram só os “outros” a mantê-los e aliás não foram sequer os “outros” a inventá-los), vítimas de deportações e outras práticas do mesmo jaez. E lembremos que vários estudiosos consideram que estes números são estimativas por baixo face a uma realidade ainda mais sanguinária.

Vale a pena recordar que nestes regimes o clima de repressão e terror atingiu níveis inauditos, e certamente sem comparação possível com a “ditadura de direita” que governou Portugal antes da revolução.

A título meramente exemplificativo, e porque para um tratamento exaustivo existem inúmeros documentos disponíveis no mercado, no campo de concentração de Kronstadt, em apenas 1 ano morreram 5000 dos 6500 detidos!

Explique-nos lá novamente o jornalista da Visão como se fundamenta de forma coerente e estruturada, assente numa concepção normativa com carácter “universal”, a distinção legal entre extrema-esquerda e extrema-direita. Porque, francamente, a única coisa que conseguiu ao tentar justificar o injustificável foi revelar que causas serve. Na verdade a distinção justificada remete-nos para a diferenciação entre as boas chacinas e as más, os que assassinam milhões em nome do “humanitarismo”, da “igualdade”, de todos os “oprimidos”, e os que só podem matar por “ódio”, por “vileza”, representantes de toda a “brutalidade”. Pois…nós conhecemos os chavões. A boa tirania e a má. Velha história…

Ainda a este propósito relembre-se que a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa votou favoravelmente em Janeiro deste ano a condenação internacional dos crimes dos regimes totalitários comunistas, com 99 votos a favor, 42 contra e 12 abstenções, entre os votos contra e as abstenções figuraram votos de diferentes forças de esquerda. Nessa resolução era pedido que os partidos de ideologia comunista e pós-comunista se distanciassem claramente desses crimes, reconhecendo-os e reprovando-os, algo que os comunistas e seus derivados em Portugal se recusaram a fazer, reagindo, ao invés, com a habitual histeria de vitimização e legitimando de forma manifesta as atrocidades cometidas por aqueles que, no fundo, sempre foram e continuam a ser os seus exemplos de actuação.

Lembremos igualmente que recomendações que acompanharam essa resolução e que incentivavam a tomada de medidas efectivas por parte dos governos europeus, saindo portanto da dimensão simbólica da resolução aprovada, foram rejeitadas, já que necessitavam de uma maioria qualificada de 2/3,impossível de atingir pela oposição dos diferentes grupos parlamentares da esquerda europeia. As boas consciências e as velhas fidelidades ideológicas.

E porque há memórias na nossa imprensa que são especialmente selectivas recuemos até Maio de 2005 quando o Parlamento Europeu votou favoravelmente uma resolução condenando as ditaduras comunistas e o regime soviético. Nessa resolução é dito que o comunismo deve ser condenado da mesma forma que o fascismo.

Como referiu um deputado francês na altura em que se debateu a resolução de Janeiro de 2006 na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, a actuação criminosa dos regimes de inspiração marxista nada tem a invejar à que é atribuída aos fascismos, com a diferença que esta última não é passível de discussão ou revisão, porque tendo perdido a guerra o fascismo perdeu também a voz, porque a análise dos crimes que lhe são atribuídos está enquadrada por uma legislação repressiva como nenhuma outra, que leva facilmente à prisão ou ao ostracismo.

E a diferença é também que face a estas resoluções reinou o silêncio cúmplice na generalidade da comunicação social europeia, e na portuguesa em particular. É sobretudo revelador que várias organizações marxistas e neo-marxistas se tenham insurgido contra elas, assim como é revelador que continue a ser livremente exercido o revisionismo histórico sobre as chacinas da extrema-esquerda, no mundo académico e jornalístico, com total impunidade e até notório encorajamento quando, pelo contrário, o “revisionismo fascista” destrói vidas e leva pessoas ao encarceramento por crimes de pensamento, como acontecimentos recentes continuam a provar.

A realidade é que, por mais voltas que se dê, o artigo 46.º da Constituição é impróprio de qualquer regime que se pretenda exemplo de uma democracia-liberal. Estas, dizendo-se herdeiras dos princípios filosóficos liberais, seriam caracterizadas pela liberdade de associação, liberdade de expressão e pluralismo político. Exactamente tudo aquilo que esse artigo constitucional restringe. E, o que é pior, fá-lo de forma arbitrária por comparação com o tratamento dado a organizações historicamente associadas a regimes totalitários como os de inspiração marxista.

É uma Constituição inaceitavelmente politizada, fruto da habitual sanha persecutória dos marxistas e socialistas de todos os géneros, que no período pós-revolucionário detiveram um enorme poder sobre a política nacional. É um texto que não pode jamais representar a nação como um todo e que não respeita o princípio elementar que se exigiria de uma Constituição própria de uma democracia-liberal, a neutralidade política e a garantia de real liberdade para a participação dos cidadãos na vida pública.

Eu, que não sou herdeiro do pensamento liberal (e para que conste, porque essa confusão é frequente, não estou a falar de economia), exijo apenas desta democracia uma definição. Das duas uma, ou consigna de facto essa liberdade política e se assume como uma real democracia-liberal eliminando o nº4 do artigo 46.º, repressivo e excludente, ou deixa cair definitivamente a máscara da hipocrisia e admite que não é esse o seu modelo…

Já me contentava com a última alternativa, porque apesar de tudo o mais execrável é o cinismo e a falsidade com que este regime se auto-caracteriza. Se admite que limita a liberdade dos seus adversários fica claro que, tal como os regimes ditos totalitários restringiam legalmente a acção dos seus inimigos, também este o faz, de forma menos feroz é certo, porém mais requintada e claramente mais eficaz. A diferença passa assim a ser sobretudo de método e não de princípio.

Mas se é este o caminho então há que exigir ao menos alguma coerência, que limite, pois, a liberdade de todos aqueles que historicamente foram seus oponentes, incluindo os marxismos, e não apenas de alguns, que exista um critério congruente, caso contrário, para além de politizada assume a ausência de um preceito moral perceptível para além da contingência, do acaso.

É essa definição que é necessária, se se pretende uma Constituição própria de uma democracia-liberal e dos seus princípios, se é esse o seu arquétipo, então o nº 4 do artigo 46.º não tem justificação. Se assume que não é essa a sua natureza e deixa visível o seu carácter excludente,diferindo apenas nos processos em relação a regimes opostos, resta a escolha entre um critério de exclusão coerente face a tudo o que ameace a sua perpetuação ou a arbitrariedade que vigora neste momento. No fundo a menos sustentável de todas as opções.

segunda-feira, junho 12, 2006

Direitos Humanos?

Na pluralidade ruidosa e multiforme que caracteriza o sistema – pluralidade de todos os modos ilusória, que tende a mascarar a substancial convergência das suas formas – destaca-se, pela unanimidade que o rodeia, o tema dos «direitos humanos».Hoje em dia não há ninguém – ninguém – que se atreva a declarar-se publicamente contrário à moral dos direitos do homem e à filosofia que se encontra na sua base. Isto é facilmente constatável somente observando o «debate» que tem caracterizado estes dias de guerra, debate essencialmente destinado a demonstrar se o melhor modo de exportar ao mundo os valores «universais» dos direitos do homem é mediante a utopia cosmopolita e pacifista à maneira da «Emergency» ou mediante o precipitado pragmatismo yanqui à maneira de Bush. Duas perspectivas, como se vê, tão distantes e no entanto tão próximas. Nenhuma das duas, em qualquer caso, se distancia dos mesmos valores de fundo e da mesma ideologia implícita. Os direitos humanos continuam sempre a ser o substrato, assumidos tacitamente como valor supremo.

Compreender a essência desta religião moderna, descobrir as suas origens e desenvolvimento parece-nos, portanto, essencial para quem queira hoje situar-se em contraposição ao sistema sem ter as suas armas obstruídas à partida encontrando-se entre aqueles que combatem o fogo com gasolina.

Genealogia da doutrina dos direitos humanos

Os «direitos do homem» são a suprema expressão do igualitarismo, isto é, daquela tendência histórica que nasce e se afirma pela primeira vez na História com o judeo-cristianismo e, posteriormente, resulta historicamente nas suas variantes laicas (democracia-liberal, comunismo, mundialismo, etc).

A fase originária – a que Giorgio Locchi chamava fase «mítica» (1) – do igualitarismo contém já em si todos os seus desenvolvimentos futuros, ainda que de forma latente e não expressa. Isto serve também para a doutrina dos direitos humanos. Adverte Stefano Vaj (2), de facto, que o monoteísmo judeo-cristão contém, na sua primeira formulação, todos os postulados teóricos que se encontram na base da moderna doutrina dos direitos do homem: a crença num direito natural cuja validez transcende todo o direito positivo concreto e que é expressão de uma moral objectiva e universal, a afirmação da prioridade do indivíduo sobre toda a comunidade orgânica, afirmação directamente consequente da ideia de salvação individual; a crença na existência de uma «pessoa humana» independente de toda a determinação concreta, isto é, a primazia do «Homem» tout court sobre os «homens» historicamente situados, a mentalidade universalista e cosmopolita que considera o género humano como uma unidade indiferenciada face à qual toda a pertença é um acidente que pode ser olvidado. Todos estes mitemas estão contidos de modo claro e explícito na formulação originária da tendência histórica igualitarista, isto não quer dizer, no entanto, que na Bíblia se encontre expressa, também de modo explícito, a mesma ideia de direitos humanos que conhecemos hoje. Para chegar a isto o igualitarismo deve desenvolver-se totalmente, atravessando e consumando até ao fundo a sua fase «ideológica» – usamos sempre a linguagem de Locchi – a fase, portanto, em que as diferentes ideologias humanas, nascidas do mesmo seio, se contrapõem umas às outras.

É esta a fase histórica que coincide com o período que vai da afirmação do protestantismo até ao final do Oitocentos. Neste arco de tempo as distintas formas ideológicas do igualitarismo, esquecendo-se da sua origem comum, combatem-se, reivindicando cada uma a primazia na afirmação da mesma visão do mundo. Os fundamentos teóricos da doutrina dos direitos humanos surgem de modo cada vez mais evidente no interior da reflexão igualitarista ( pensamos em Grócio, em Locke, em Kant, na Constituição dos EUA, nas declarações solenes da França pós-revolucionária, nos ideais da irmandade universal que constantemente emergem na tradição marxista, etc.), e no entanto, não se está em condições de «recompor a ruptura», para dizer como Benjamin.

O que falta? É óbvio: falta um inimigo absoluto ante o qual coligar-se e reencontrar a unidade perdida. Este inimigo, quase não é preciso dizê-lo, está representado pelo surgimento na cultura europeia de uma tendência nova, anti-igualitarista e anti-humanista, que se cristaliza logo politicamente nos movimentos fascistas europeus. É na guerra contra o fascismo que o igualitarismo encontra a sua síntese final debaixo da bandeira dos «direitos humanos». Esta unidade reencontrada terá a sua celebração na farsa judicial de Nuremberga. Todo o pós-guerra, servirá depois para expulsar todo o «resíduo ideológico». Neste sentido compreende-se o afã – entre arrependimentos, conversões, mudanças de opinião e psicodramas – dos «progressistas» em busca, durante toda a metade do Novecentos, de um comunismo «de rosto humano», de um ideal de emancipação depurado finalmente de toda a veleidade revolucionária, de todo o impulso de heroísmo, de toda a tentação autoritária. Encontrarão tudo isto no culto dos direitos humanos, verdadeiro ponto de convergência de todas as ideologias igualitárias, velhas e novas, lugar de abrigo para todos os que abandonaram os hábitos da revolução e para os maoistas em crise de consciência. 1989, ano da queda do muro de Berlim – e bicentenário da revolução francesa – representará portanto a data do triunfo da doutrina dos direitos humanos como nova religião laica do Sistema.

Triunfo de uma moral

Havido sido definitivamente elevada a «horizonte moral dos nossos tempos» ( Robert Badinter), a religião dos direitos humanos celebra hoje o seu triunfo e a sua expansão planetária. Vírus ideológico pela sua capacidade etnocida quase total, esta moral presumidamente universal proporciona a armadura ideológica a um neo-colonialismo que em lugar do «fardo do homem branco» tem hoje como justificação um cocktail devastador de messianismo e hipocrisia.«Tratando de impor uma norma moral particular a todos os povos (a religião dos direitos humanos) pretende voltar a dar uma boa consciência ao Ocidente permitindo-lhe instituir-se uma vez mais como “modelo” e denunciar os “bárbaros” que rejeitam este modelo» (3). A destruição dos povos passa também a partir daqui pela imposição a nível planetário dos «valores» ocidentais e pela consequente desintegração de todo o vínculo orgânico, de toda a tradição particular, de todo o resto de comunidade – obstáculos todos eles à tomada de consciência da nova «identidade global» por parte do cidadão da era da globalização.«Como edificar a sociedade multirracial? Evidentemente extirpando toda a identidade precedente( e, portanto, toda a diferença). A eliminação das diferenças é o a priori transcendental, a condição de possibilidade da sociedade multirracial. Mas como preencher este vazio? Recorrendo necessariamente a um instrumento abstracto( e, portanto, ideológico).E então: o Direito é a resposta; unir todos os homens através do Direito» (4) … A resposta é óbvia: através da concepção abstracta e anti-política dos direitos do homem. Se a globalização é o nosso destino – como diz a vulgata – então os direitos do homem contêm em si uma verdade para-religiosa, são verdadeiramente a expressão de uma moral que tem o seu fundamento num renovado «sentido da História».Pretendo-se verdade auto-evidente (Cfr. A Declaração de Independência dos EUA: «consideramos como verdade evidente por si mesma que os homens nascem iguais…») a moral dos direitos humanos faz-se dogma, protege-se de todo o questionamento. Quem se opõe, portanto, ou inclusive quem simplesmente ostenta indiferença, situa-se contra uma espécie de verdade indiscutível, contra uma espécie de Lei inerente à História; é um herege, um blasfemo, um inimigo do Homem. Daí o ardor inquisitório por parte da «nova classe» contra povos e indivíduos culpáveis de transgredir os dogmas do politicamente correcto.

Então?

Abandonemos os lugares comuns induzidos pelo Sistema: Rejeitar a doutrina dos direitos humanos não significa tomar partido pelo extermínio, a injustiça ou o ódio. Diga-se o que se disser na Declaração Universal, não é o reconhecimento de tal doutrina que funda «a liberdade, a justiça e a paz no mundo». Liberdade, justiça e paz já existiam antes que a expressão «direitos humanos» tivesse algum sentido. O reconhecimento dos direitos humanos, por si mesmo, não funda, na realidade, nada mais que o tipo de justiça e liberdade que, tautologicamente, se encontram expressos… na própria doutrina dos direitos humanos! Pese o facto de que os defensores de tal doutrina continuem a pensar que «inventaram a felicidade» é preciso manter com firmeza que outra justiça, outra liberdade, outra paz, são possíveis. Opor-se aos direitos humanos significa rejeitar uma moral, uma antropologia, uma certa ideia das relações internacionais e da política, uma visão do mundo global herdeira de uma tendência histórica bem identificável; hoje em dia «é o primeiro gesto subversivo fundamental que se impõe a quem queira tomar posição para regenerar a História contra o universalismo mercantilista e ocidental» (5).

Adriano Scianca

Notas

(1) Cfr Giorgio Locchi, Wagner, Nietzsche e il mito sovrumanista, Akropolis, Roma 1982.

(2) Stefano Sutti Vaj, Indagine sui diritti dell’uomo, LEDE, Roma 1985.

(3) Robert de Herte, Un instrument de domination, em Eléments n. 107, Dezembro de 2002.

(4) Giovanni Damiano, Elogio delle differenze, Edizioni di Ar, Padova 1999.

(5) Stefano Sutti Vaj, op.cit.

Orion, número 226, Julho de 2003.

sábado, junho 10, 2006

Portugal acima de tudo!

quarta-feira, junho 07, 2006

Ponto de ordem

1-O Batalha Final continuará a ser um blog assumidamente nacionalista e, dentro dessa área, manter-se-á fiel aos princípios e tradições que o têm guiado desde a sua criação.

2-Acredito que o combate nacionalista é um combate político e acredito que o poder político é reflexo da influência que as ideias têm na sociedade. Assim sendo, qualquer vitória no campo político é necessariamente antecedida pela ascendência e disseminação de um conjunto de ideias numa sociedade. A eficácia da difusão e consolidação de um ideário numa comunidade exige um trabalho em planos diferentes. É importante reconhecer o papel da doutrina para o escol mas igualmente a importância complementar da “política real”, pragmática, para o cidadão comum, fundada sobre as suas preocupações quotidianas.

3- Por triunfo político não entendo necessariamente, ou exclusivamente, um triunfo partidário nas urnas. Uma vez que os partidos políticos, e outras organizações que intervêm na sua órbita, são também receptores dos anseios e pensamentos que emergem da sociedade eles podem ser movidos para posições determinadas e distintas em ordem a responderem a pressões ou tendências sociais. Daí também a importância de influenciar ideológica e culturalmente o corpo social. Embora este combate cultural deva, idealmente, ter um partido que funcione como expoente institucional da absorção e difusão de ideias essa não é uma condição sine qua non, pelo menos no curto-prazo.

4- Acredito que um partido não pode ser invisível para a sociedade mas rejeito em absoluto a ideia absurda de que «toda a publicidade é boa publicidade», muito menos no que concerne à arena política. Nesse sentido entendo que um partido tem obrigatoriamente que gerir a sua imagem, surgindo perante o público, sem dúvida, mas definindo sempre os timings, os assuntos e os contextos dessa aparição pública. Por consequência deve saber escolher a melhor forma de passar a sua mensagem, atendendo à linguagem e à imagem. Um partido que não compreenda a sociedade em que se insere estará eternamente condenado a celebrar ilusórios e efémeros triunfos quando os momentos são de retumbantes e reais derrotas.

5- Não sou nem nunca fui filiado em qualquer partido político. Foi porém, neste espaço, assumido o meu apoio público ao PNR, enquanto eleitor, e às suas iniciativas. Não seria portanto correcto afirmar que fui apartidário.

6- Nos últimos dias manifestei, noutro local, divergências fundamentais face à estratégia política do PNR. Em virtude do exposto nos pontos anteriores, e porque penso que tendo do combate nacionalista uma perspectiva muito diferente da adoptada pelo PNR não seria justo manter qualquer tipo de ligação ao referido partido, o Batalha Final sofre uma reorientação passando a ser um blog completamente apartidário.

7- Em consequência do que fica dito no ponto anterior nenhuma posição expressa por mim neste blog pode, de forma alguma, responsabilizar o PNR. Obviamente o inverso é igualmente verdade.

domingo, junho 04, 2006

"je suis un écrivain fasciste" ou "assim falava Bardèche"



Acredito

Acredito que o homem moderno é um projecto de desnaturação do homem e da criação. Acredito na diferença entre os homens, no malefício de algumas formas de liberdade, na hipocrisia da fraternidade. Acredito na força e na generosidade. Acredito noutras hierarquias que não a do dinheiro. Vejo o mundo corrompido pelas suas ideologias. Acredito que governar é preservar a nossa independência, depois deixar-nos viver à nossa vontade.

Novo mundo

A alienação face a um pensamento correcto implica necessariamente a submissão a uma atitude correcta, que na sociedade de consumo compreende a boa vontade face às instituições, o optimismo democrático, a ambição de ser semelhante aos colegas e de aspirar a ser o favorito do chefe, a satisfação de ser um bom cliente e um bom cidadão, empenhado em conseguir dinheiro para comprar cada vez mais coisas que nos são inúteis. Tudo isto a título individual mas cedendo cada vez mais as nossas responsabilidades (políticas, sociais, económicas, ecológicas, familiares, municipais…) a um Estado-Sistema que sofre um acelerado processo de privatização multinacional. A consciência industrial é completada com uma educação industrial que encaminha os seus esforços para fazer de nós uns consumidores teleguiados. A administração e os tecnocratas, menos hipócritas que os académicos, falam de nós como “sujeitos” ( no sentido de “sujeitar”, “reprimir”, “dominar”) e classificam-nos como “recursos humanos”, esta é uma sociedade onde não existem virtudes mas antes normas.

Liberalismo, Marxismo e a demanda da liberdade

A hipocrisia da sociedade liberal e a hipocrisia da sociedade marxista criam finalmente um igual mal-estar e uma igual repulsa. Porque tanto a sociedade liberal como a sociedade marxista mentem e ambas propõem um falso ideal que encobre umas vezes a lei implacável do lucro e da exploração e outras a ditadura imbecil da caserna. E as suas mentiras, as suas falsas posições provêm daquilo que ambas tomaram por fundamento de toda a estrutura, o económico e não o homem. Elas propõem-nos duas escravaturas diferentes do económico que, no final, acabarão por se assemelhar, todos os “trusts”, do Estado ou de Bancos, não são mais, no fundo, que uma única mecânica. Ora, o que é importante é o destino que se dá ao homem. E neste destino há alguns elementos inatacáveis, porque são a essência da natureza humana. É preciso que o homem seja chefe de família, é preciso que o homem tenha uma casa e que a erga ao seu gosto, é preciso que o homem tenha um trabalho e que goste desse trabalho, que o faça com prazer e que o fruto desse trabalho lhe seja remunerado lealmente. Nestas condições o homem vive, conduz a sua vida de homem livre, ele não é espoliado da sua existência. E o Estado não existe senão para lhe assegurar as condições desta existência que são as próprias condições da liberdade.

Aos últimos europeus

As palavras (…) enganam-nos, as palavras sobretudo. Dizem-nos:”É o fascismo que é preciso abandonar no mar dos mortos”. Não é apenas o fascismo que vejo perder-se no horizonte. É todo um continente que nós abandonamos. E as palavras não servem senão para disfarçar o êxodo. Os fumos que se elevam das cidades da planura impedem-nos de ver as colinas felizes que deixamos para sempre.

O que importa para o futuro não é a ressurreição nem de uma doutrina nem de uma certa forma de Estado, ainda menos de um autoritarismo ou de uma polícia, é o regresso a uma certa definição do homem e a uma certa hierarquia. Nesta definição do homem, estabeleço as qualidades que referi; o sentido de honra, a coragem, a energia, a lealdade, o respeito pela palavra dada, o civismo. E esta hierarquia que ambiciono é aquela que coloca estas qualidades para lá de todas as vantagens dadas pelo berço, a fortuna, as alianças, e que escolhe a elite apenas em função das suas qualidades.

A autoridade no Estado não é mais que o respeito por estas qualidades e por esta hierarquia. Ela pode dotar-se de muita tolerância quando este reino dos melhores é estabelecido. Ela não exige a perseguição ou a evicção de ninguém. Mas creio que nenhuma nação, nenhuma sociedade, pode durar se os poderes que assentam sobre outros méritos que os que referi não forem essencialmente precários e subalternos. Toda a nação é conduzida, certamente, mas toda a nação se comporta igualmente de uma certa forma, toda a nação tem uma certa conduta, nobre ou baixa, generosa ou pérfida, como dizemos de um homem que tem uma boa ou má conduta. Um dos nossos erros actuais é admitir demasiado facilmente que estas coisas não têm qualquer importância. Queixamo-nos a cada dia da imoralidade e não nos dignamos a perceber que destruímos nós mesmos, ou deixámos destruir, toda uma parte das bases da moral, que as destruímos ainda a cada dia. As raízes que firmámos no lugar das grandes árvores abatidas definham e secam. E queixamo-nos de avançar num deserto.

Reconstruímos as pontes, as fábricas, as cidades que as bombas haviam arrasado, mas não os valores morais que a guerra ideológica destruíra. Neste domínio estamos ainda perante um amontoado de ruínas. Insectos habitam estas ruínas, encontramos lá vegetação desconhecida, encontramos visitantes estranhos. O vazio moral que criámos não é menos ameaçador para o nosso futuro que o vazio geográfico que deixámos instalar no coração da Europa, mas não o percebemos.

Ninguém se interessa. Há muita gente que se aproveita deste vazio moral no qual encontra vantagens. Não têm talvez ilusões sobre o seu futuro mas pensam que este interregno durará tanto quanto eles. Isso chega-lhes. Temem o tempo incómodo em que a coragem faz clamor, em que a energia se exibe, em que a lealdade é condecorada. Não gostam dos edificadores deste cenário. Consideram um pouco caro o preço que lhes pedimos pela sua segurança, o perigo não lhes parece premente. É de facto assim que se raciocinava em 1939.

Mas sobretudo as fantasias que lhes inculcaram no cérebro agitam o seu sono: vêem cavalos negros surgirem no céu. A coragem, a energia, a lealdade, parecem-lhes grandes palavras inquietantes. Este vocabulário de professor de ginástica finda em Esparta, a criança à raposa, os soldados do ano II, Robespierre, os canhões que substituem a civilidade, e Napoleão que acaba sempre por surgir sob o jacobino Bonaparte. Estas brumas nos seus cérebros não são alheias ao seu desencorajamento.

E se tanta gente se sujeita à operação que se faz aos gatos selvagens para transformá-los em gatos domesticados é, em grande parte, porque não vêem muito bem para que pode servir aquilo que lhes retiram: pensam mesmo, confusamente, que aquilo não pode servir senão para coisas ignóbeis.


Extractos de «Sparte et les Sudistes»,Maurice Bardèche, Les sept couleurs, 1969