quinta-feira, dezembro 29, 2005

A força da Nova Revelação

A globalização caracteriza-se pelo aumento da mobilidade económica, quase irrestrita, de quase tudo. Os movimentos de capital, as mercadorias, a informação,tudo o que se desloca rapidamente e a baixo custo potenciou o emergir das grandes empresas globais. Alimentada pela demissão dos Estados em controlarem as suas fronteiras e cada vez mais empenhada no acentuar dessa tendência e apostada no progresso técnico que sirva a competição empresarial nos sectores mais lucrativos, o fenómeno da globalização tem vindo a deixar um lastro de pobreza e desigualdade entre os países e as regiões do mundo.

A ideia de que o progresso técnico é a origem dessas desigualdades e do desemprego dá o álibi mais apetecível aos defensores da globalização, uma vez que o progresso técnico é inevitável pouco se poderia fazer e nada haveria a obstar.

Porém é o próprio processo de globalização, ou desnacionalização de toda a realidade( e não me refiro aqui exclusivamente ao económico), em si uma das grandes causas desses problemas e um proteccionismo estratégico é, na verdade, uma defesa, muitas vezes a única, ao dispor das populações.(*)

O liberalismo pró-globalização, que vê no avanço dos fenómenos mundialistas o triunfo de uma noção muito peculiar de aptidão está a produzir uma nova sociedade, também ela peculiar, de castas, onde amos e servos são definidos pelo mercado e este supostamente define o valor e o mérito. O resultado disto tem sido o estabelecimento de oligarquias fundadas sobre o poder financeiro que não se separam já do poder político, posto que o controlam, originando uma fusão da política com os negócios bem visível nos regimes ditos democráticos do Ocidente; desde os políticos e seus descendentes que inundam as empresas públicas e privadas( porque ao contrário do que gostam de insinuar os liberais basta passar algum tempo no sector privado para compreender que este paga bem os favores da classe política, mais que não seja porque lhe reconhece a inevitabilidade de existência), seja na guerra global ao terrorismo que a Administração Bush tem conduzido debaixo de argumentos moralistas quando os seus mais altos quadros têm interesses económicos nessa guerra e estão ligados a grandes grupos que com ela beneficiam_ não sendo por isso de forma alguma um acontecimento estritamente político_ seja na mercantilização de organizações supranacionais como a ONU, albergue de inúmeros dejectos políticos e parte activa na gestão de interesses económicos à escala mundial. É uma misturada total e o triunfo absoluto do poder financeiro, o tal que mais interesse tem no avanço imparável da globalização e dos fenómenos associados de mundialização ou desnacionalização das realidades.

A ordem social foi invertida: O “ter”(material) comanda o poder(político) que por sua vez dá ordens ao saber.

A defesa da globalização por alguns economistas é o produto do sucesso dos “Think Tanks” que lhe servem de apoio e que as oligarquias que com a globalização mais lucram financiam continuamente. Organizações dispersas à escala global mas com um discurso sempre idêntico; a lição está afinal bem preparada e têm todas filiação aparentada. E quando falamos em “Think Tanks” é preciso reconhecer que nenhum teve mais sucesso na segunda metade do século XX que o da Escola de Chicago, as alianças e as aproximações de “escolas de pensamento” que depois se formaram a partir daí e a enorme influência que entretanto alcançaram são o resultado de algo que já por várias vezes aqui referi, impõem sempre a sua lógica aqueles que antes vencem a batalha cultural e ideológica, e quando esses são os que mais financiamento antecipadamente receberam essa vitória acaba por ser o seu corolário lógico. É assim que, de repente, nos encontramos perante a fatalidade da globalização e da mundialização, a chuva de argumentos é incessante porque antes a batalha das ideias já foi ganha.

Esta ideologia global triunfou e não deixa espaço para o pensamento dissidente, a globalização é apenas mais um vértice do sistema de pensamento único, que aliás tem pouco de pensamento.

Ignacio Ramonet explica da seguinte forma o funcionamento vicioso dessa ideologia reinante:”Esse moderno dogmatismo constitui a tradução, em termos ideológicos, com pretensões universais, dos interesses de um conjunto de forças económicas, particularmente as do capital internacional” e acrescenta “As suas fontes principais são as grandes instituições económicas e monetárias_ Banco Mundial, FMI, OCDE, AGTAC, Comissão Europeia, etc, que, través do seu financiamento, põem ao serviço das suas ideias, em todo o mundo, inúmeros centros de investigação, universidades, fundações, as quais, por seu turno, aperfeiçoam e divulgam esse mesmo discurso. Esse discurso anónimo é retomado e reproduzido pelos principais órgãos de informação económica_ The Wall Street Journal, Financial Times, The Economist, Far Eastern Economic Review, Les Échos, Agencia Reuter, etc _ que muitas vezes são propriedade de grandes grupos industriais ou financeiros. Um pouco por todo o lado, Faculdades de Ciências Económicas, jornalistas, ensaístas e políticos retomam os principais mandamentos dessas novas tábuas da lei.”

A globalização não diz respeito ao comércio mas à concertação dos interesses à escala global das grandes oligarquias, afinal mais de metade das transacções dão-se entre filiais de grandes firmas globais.

É também imperioso compreender que se trata de um fenómeno que redunda na destruição das identidades colectivas específicas, privatizando e mercantilizando o mundo, individualizando-o. Os seus arautos desresponsabilizam-se dos desempregados, das futuras gerações, do ambiente, dos problemas demográficos do ocidente, até o homem é mercadoria, se acabam os europeus importa-se gente de outras paragens para manter o sistema em funcionamento.

Por isso não é aceitável rejeitar este novo dogma simplesmente por razões economicistas, direi até que fazê-lo seria situar a discussão ao único nível a que a sabem tratar os emissários da «Nova Revelação» e seria por outro lado aceitá-la implicitamente, que é o que faz a «nova esquerda» com a contraposição da ideia de alterglobalização, isto é,limitam-se a rejeitar o modelo económico não a “ideologia” subjacente, afinal ninguém mais que eles defende a abertura das fronteiras, a livre circulação de pessoas, a destruição das soberanias, a indiferenciação religiosa, etc.A globalização é apenas a expressão, sobretudo económica, de um universalismo nivelador que é muito mais abrangente, que abraça uma concepção do mundo apátrida e que assume a imposição de valores universais absolutos em que o mercado assume o papel de Deus e o quantitativo se sobrepõe ao qualitativo. O homem verdadeiramente livre tem que recusar uma definição quantitativa final do valor. Pegando no exemplo de Baudelaire, dizia ele que o poeta separa o valor de uso de uma obra do seu valor de mercado graças ao choque estético.É uma forma de ver a questão...

(*)"LA MONDIALISATION- La destruction des emplois et de la croissance- L'évidence empirique", Maurice Allais

segunda-feira, dezembro 26, 2005

Como morreste?



How did you die ?

Did you tackle the trouble that came your way
With a resolute heart and cheerful ?
Or hid your face from the light of day
With a craven soul and fearful ?
Oh, a trouble´s a ton, or a trouble´s an ounce,
or a trouble is what you make it.
And it isn´t the fact that you´re hurt that counts,
But only, how did you take it ?

You are beaten to earth? Well, well, what´s that ?
Come up with a smiling face.
It´s nothing against you to fall down flat,
But to lie there, that´s a disgrace.
The harder you´re thrown, why the higher you bounce;
Be proud of your blackened eye !
It isn´t the fact that you´re licked that counts,
It´s how did you fight and why ?

And though you be done to death, what then ?
If you battled the best you could;
If you played your part in the world of men,
Why, the Critic will call it good.
Death comes with a crawl, or comes with a pounce,
And whether he´s slow or spry,
It isn´t the fact that you´re dead that counts,
but only, how did you die ?


Edmund Cooke

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Celebremos o solstício rumo ao renascimento



É no Inverno que nasce o deus. O menino-Sol nascido do dia de solstício, da noite mais longa, dando ao mundo a esperança que o Sol, símbolo da luz, esteja de volta em plena força na primavera. É do amor dos Deuses que a vida renasce sobre a terra e se honrará o regresso do Sol Invicto.

A luz cessa de diminuir e recomeça a crescer. É o tempo de celebrar o ano que está para vir; a runa solar, a roda do tempo que gira uma vez mais. É o tempo de renovação e renascimento. O renascimento do deus promete a volta do sol e da abundância. É preciso ver a luz proverbial que surge da escuridão e avançar: há a promessa dos belos dias que virão. Este é o ânimo do solstício de Inverno: colocar um fim às coisas que vão mal e encontrar a força de transformá-las. Ainda que a luz proverbial seja pouco visível, ainda pouco forte, distante, é preciso cultivá-la, fortalecê-la, para que possa crescer como o menino, Deus Sol, nascido do solstício de Inverno, e que, ao crescer, ao erguer-se, os seus raios possam tocar todos os cantos da Magna Europa, num novo amanhecer, glorioso, sob a égide desse Sol Invicto.

Como afirma Guillaume Faye: “Após a mais escura das noites é sabido que pela manhã o sol regressará, o Sol Invictus. Depois do crepúsculo dos Deuses, a alvorada dos Deuses. Os nossos inimigos sempre acreditaram na Grande Noite e as suas bandeiras estão ornamentadas com símbolos das estrelas nocturnas. Pelo contrário, na nossa bandeira está cunhada a Estrela da Grande Manhã, com raios resplandecentes: A roda, a flor do Sol de Meio-dia.”

É preciso opor uma nova noção de tempo à que emanou do dualismo cristão, porque na visão cristã do tempo o homem nasce em estado de queda( herdeiro de Adão e Eva) a história parte de um estado de desgraça para um fim anunciado, numa concepção linear do tempo, numa progressão irreversível para o fim. Como afirmou D.H.Lawrence (*), em vez de ser uma religião da vida, do aqui e agora, é uma religião do destino adiado, da morte e da recompensa posterior, para lá deste mundo. Esta concepção do tempo estimula a contemplação em vez da acção, prostra em vez de inflamar a força transformadora do homem, a vontade de poder, o desejo de “tornar-se”, de agir e vingar.

O homem europeu moderno desligou-se dos ritmos do mundo que o rodeia. Assumiu o tempo linear. Mas o mundo natural, a vida, funciona por ciclos e é preciso portanto assumir o tempo cíclico. Di-lo Lushington: “Olhamos a paisagem num dia frio e nebuloso de Dezembro e não vemos nada que nos prometa a primavera que parece tão distante. E no entanto essa promessa está lá, à nossa frente, para aquele que descubra os ritmos da vida(…) E com a chegada da escuridão, o observador cuidadoso consegue observar a marcha do sol que se põe, mesmo naqueles dias difíceis e frios de Janeiro, cada um durando um pouco mais que o anterior, cada um enviando a sua subtil mensagem de renascimento a todos os que querem ver. Os nossos antepassados sabiam e apreciavam isto; para eles o solstício de Inverno não era um tempo de luto mas de renovação.”

A importância da crença no tempo cíclico está na capacidade de acreditar que a grande derrota, a vergonhosa capitulação não é final, não irreversível, não, a ela se seguirá o renascimento, a reconquista!

Saibamos dignificar os nossos ancestrais e preparemo-nos para a Grande Manhã, quando o Sol Invictus despontar, rompendo a mais longa noite que a Europa viveu, traremos de novo a luz a todos os cantos da Magna Europa e veremos os homens e as mulheres dos nossos povos despertarem pela primeira vez desde há demasiado tempo do longo sono em que haviam mergulhado, perante o clarão que trespassará as nossas bandeiras, cunhadas com o divino símbolo solar, e perante a luz que irromperá pelas trevas ver-se-ão então, claramente, os rostos daqueles que reinaram na nossa escuridão.

(*) Apocalypse, p.59

domingo, dezembro 18, 2005

Os libertadores

No debate entre Putin e Bush, sobre a II Guerra Mundial, Putin tinha a tarefa mais difícil, defender o papel da Rússia na “Grande guerra patriótica”; o presidente Russo declarou:”O nosso povo não só defendeu a sua pátria mas libertou 11 países europeus”.

Esses países seriam, presumivelmente, a Lituânia, a Letónia, a Estónia, a Polónia, a Alemanha Oriental, a Checoslováquia, a Hungria, a Roménia, a Bulgária, a Jugoslávia e a Finlândia.

Para saber se a Rússia libertou realmente essas terras poderíamos interrogar os filhos e filhas da geração que sobreviveu à libertação por um exército vermelho que pilhou, violou e matou, na sua investida por essa Europa. Na Floresta de Katyn esse exército erradicou os verdadeiros heróis que lutaram para manter o carácter nacional e cristão dos seus países.

Para Bush estas nações não foram libertadas.” Enquanto celebramos a vitória de há 6 décadas, temos presente um paradoxo”, referiu:

"Para grande parte da Europa central e de leste a vitória trouxe o punho de ferro de outro império. O dia da vitória marcou o fim do fascismo mas não acabou com a opressão. O acordo de Yalta seguiu a tradição injusta de Munique e do Pacto Molotov-Ribbentrop. Mais uma vez, quando governos poderosos negociaram, a liberdade de nações pequenas foi de certo modo descartável… O cativeiro de milhões na Europa Oriental e Central será lembrado como um dos grandes erros da história"

Bush revelou a verdade terrível sobre o que realmente triunfou na II Guerra Mundial a Este do Elbe. E não foi a liberdade. Foi Estaline, o tirano mais odioso do século. Onde Hitler matou milhões, Estaline, Mao, Ho Chi Minh, Pol Pot e Castro mataram dezenas de milhões.

O leninismo foi a Peste Negra do Século XX.

As verdades corajosamente declaradas por Bush em Riga, Letónia, levantam questões que permaneceram por demasiado tempo escondidas, enterradas ou ignoradas.

Se o Acordo de Yalta foi uma traição às pequenas nações tão imoral quanto o pacto Molotov-Ribbentrop, por que veneramos Winston Churchill e Franklin Delano Roosevelt? Em Yalta, este par secretamente cedeu estas nações a Estaline ,assinando uma cínica “ Declaração da Europa libertada” que foi uma mentira monstruosa.

Já que Roosevelt e Churchill entregaram esses povos a um inferno estalinista liderado por um monstro que eles alternadamente e afectuosamente chamavam “Uncle Joe” e “ Old Bear”, porque não estão nos livros de história ao lado de Neville Chamberlain, que vendeu os checos em Munique ao dar os Sudetos à Alemanha? Pelo menos os alemães dos Sudetos queriam ficar com a Alemanha. Nenhum dos povos cristãos da Europa aceitou alguma vez os seus captores soviéticos ou traidores estalinistas.

Outras questões se colocam. Se a Inglaterra aguentou seis anos de guerra e milhares de mortos numa guerra que ela declarou para defender a liberdade polaca, e se a liberdade da Polónia acabou perdida para o comunismo, como podemos dizer que a Inglaterra ganhou a guerra?

Se o Ocidente entrou na guerra para impedir Hitler de dominar a Europa Oriental e Central, e essas regiões acabaram debaixo de uma tirania ainda mais odiosa, como Bush sugere, será que a civilização ocidental ganhou a guerra?

Em 1938 Churchill queria que a Inglaterra lutasse pela Checoslováquia. Chamberlain recusou. Em 1939, Churchill queria que a Inglaterra lutasse pela Polónia. Chamberlain concordou. No fim da guerra Churchill conseguiu o que queria, a Checoslováquia e a Polónia estavam inseridas no império de Estaline.

Como podem então os homens proclamar Churchill o “Homem do Século”?

É verdade, as tropas americanas e britânicas libertaram a França, a Holanda e a Bélgica da ocupação nazi. Mas antes que a Grã-bretanha declarasse guerra à Alemanha, a França, a Holanda e a Bélgica não precisavam ser libertadas. Elas eram livres. Foram apenas invadidas e ocupadas depois que Grã-bretanha e França declararam guerra à Alemanha_ em nome da Polónia.

Quando consideramos as perdas sofridas pela Grã-bretanha e França — centenas de milhares de mortos, carência, falência, o fim dos impérios — terá valido a pena a II Guerra Mundial, considerando que a Polónia e todos as outras nações a Este do Elbe estavam de qualquer forma perdidas?

Se o objectivo do Ocidente era a destruição da Alemanha nazi, foi um sucesso “retumbante”. Mas porquê destruir Hitler? Se para "libertar" os alemães, não valeu a pena. Afinal, os alemães votaram em Hitler.

Se foi para manter Hitler fora da Europa Ocidental , porquê declarar-lhe guerra e atraí-lo para a Europa Ocidental? Se foi para manter Hitler fora da Europa Central e Oriental então, inevitavelmente, Estaline acabaria por herdar essa região da Europa.

Terá isso valido 50 milhões de mortos?

A guerra que a Grã-bretanha e a França declararam para defender a liberdade da Polónia acabou por fazer da Polónia e de toda a Europa Oriental e Central uma zona segura para o estalinismo. E nas festividades em Moscovo, eram os americanos e os russos que estavam na frente e no centro, sorrindo_ não os britânicos e os franceses. Compreensivelmente.


Patrick J. Buchanan

sexta-feira, dezembro 16, 2005

Da essência do fascismo

Não se compreende nada do fascismo se não se tem em conta, ou não se quer admitir, que o chamado “fenómeno fascista” não é outra coisa que a primeira manifestação política de um vasto fenómeno espiritual e cultural a que chamaremos «superhumanismo»(*), cujas raízes estão na segunda metade do século XIX. Este vasto fenómeno configura-se como uma espécie de campo magnético em expansão, cujos pólos são Richard Wagner e Friedrich Nietzsche. A obra artística de Wagner e a obra poética/filosófica de Nietzsche exerceram uma enorme e profunda influência no ambiente cultural europeu de fim de século e na primeira metade do século XX, tanto no sentido negativo (causando repúdio) como no sentido positivo: inspirando seguidores (filosóficos e artísticos) e desencadeando acções (espirituais, religiosas e também políticas),a obra destes autores é, de facto, eminentemente agitadora; a sua importância está muitíssimo mais no “princípio” novo que introduzem a nível europeu que na sua própria expressão e nas primeiras aplicações que destes princípios se realizaram.

Por “princípio” entendo aqui o sentimento de si mesmo e do homem, que, quando se refere a si próprio, se auto-afirma, é um “Verbo”(Logos); quando persegue um fim é “vontade”( pessoal e comunitária) e é também, imediatamente depois de sentimento, um sistema de valores.

O que através da obra de Wagner e Nietzsche entra em circulação e se difunde, com maior ou menor força, é, sobretudo, o “princípio” ,ainda que este seja imperfeitamente captado ou receba, por causa da sua novidade, interpretações e aplicações inapropriadas. Pelas vias mais estranhas, às vezes subterrâneas, este princípio foi transmitido e recebido e é só meio século depois do seu nascimento, quando começa a obter uma certa difusão social, quando começa a ser aceite e feito próprio por grupos sociais inteiros de homens que nele se reconhecem, às vezes sem saber inclusive quem pôs em circulação o novo “princípio”,que assim se criaram os primeiros movimentos fascistas.

Entre “superhumanismo” e fascismo, mais que a relação eminentemente intelectual que para os marxistas existe entre teoria e prática, o que existe é uma relação genética espiritual, uma adesão às vezes inconsciente do segundo ao “princípio superhumanista”, com as acções politicas que dele emanam. Quem sabe por isto se pôde dizer, ainda que a expressão não seja muito afortunada, que «o fascismo é acção à qual é imanente um pensamento», e se falou também da “mística fascista” e do carácter quase “religioso” do fascismo.

O princípio “superhumanista”, respeito do mundo que o circunda, torna-se o inimigo absoluto de um oposto “princípio igualitarista” que é o que caracteriza este mundo. Se os movimentos fascistas individualizaram o “inimigo” (espiritual antes que político) nas ideologias democráticas – liberalismo, parlamentarismo, socialismo, comunismo e anarquismo – é justamente porque, na perspectiva histórica instituída pelo “princípio superhumanista” estas ideologias configuram-se como outras tantas manifestações, aparecidas sucessivamente mas ainda todas presentes, do oposto princípio igualitarista; todas têm um mesmo fim com um grau diferentes de consciência e todas elas causam a decadência espiritual e material da Europa, a “baixeza progressiva” do homem europeu, a desagregação das sociedades ocidentais.

Por outro lado, se podemos afirmar que todos os movimentos fascistas têm um determinante instinto “superhumanista” está também claro que tiveram um nível de consciência do mesmo variável; e é precisamente este distinto grau de consciência que se reflecte na gradual variedade dos movimentos fascistas e nas suas respectivas atitudes políticas. Não é de estranhar pois que se todos combatem as formas políticas do igualitarismo, às vezes não se definam contra as suas formas culturais ou se o fazem, fazem-no em menor grau e, depois, como sempre ocorre, entre o campo fascista e o igualitarista cria-se um campo intermédio, oscilante, com formas espúrias.


(*)Este superhumanismo deve naturalmente ser entendido à luz da obra filosófica de Nietzsche

Giorgio Locchi

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Reconquista

O excelente Reconquista elaborou um caderno de 42 páginas onde apresenta um modelo para um Estado nacionalista, libertário e monárquico. É um trabalho admirável, pela abrangência e pela coerência.Leiam, reflictam, digam o que vos agrada ou desagrada,o que vos merece concordância ou não.Absolutamente imprescindível, até porque me parece um trabalho único na internet nacionalista.

Estão de parabéns os autores pela qualidade sempre evidenciada e uma vez mais colocada ao serviço do nacionalismo; militância com inteligência, como deve ser sempre. Infelizmente não consigo colocar comentários no blog respectivo, e creio não ser o único, um aspecto a rever na funcionalidade do site...

Entretanto vou até ao sul aproveitar para colocar a leitura em dia e na esperança de, nesta altura do ano e com este tempo, encontrar a região livre dos bárbaros anglófonos.Até domingo...

sábado, dezembro 03, 2005

O eixo do mal

Uma sondagem trazida a público em Abril deste ano na Noruega revelava que 67% dos jornalistas se considerava de esquerda. Nos EUA, um país onde, apesar de tudo, alguma direita vai ainda conseguindo ter alguma implementação nos “media” uma sondagem semelhante , levada a cabo pelo Pew Research Center, mostrou que 37% dos jornalistas se assumia de esquerda contra apenas 7% de direita. 57% dos interrogados afirmaram-se “moderados”.Em Portugal, um inquérito do mesmo género, patrocinado há algum tempo pela Fundação Calouste Gulbenkian, revelou que a maioria da classe jornalística assumia situar-se à esquerda. O cenário repete-se por todo o Ocidente, no norte da Europa, no sul como nos EUA. Não há aqui surpresa alguma, estes inquéritos mais não fazem que confirmar aquilo que qualquer pessoa atenta às tendências políticas na comunicação social já sabia, quanto muito, para alguns mais incautos, comprova apenas que o fenómeno não é exclusivamente nacional.

A importância da força que a esquerda detém na informação é óbvia e mais decisiva se torna na era dos “mass media” onde, cada vez mais, é a comunicação social, sobretudo a televisão, que define valores, estéticas, comportamentos. Controlar a informação significa moldar a sociedade , consequentemente, os países ocidentais são hoje o espelho das ideias que dominam essa informação, as ideias da esquerda.

Em Portugal o caso atinge, no entanto, contornos peculiares, por força da nossa história recente, da revolução de Abril, o que ela significou e a estrutura política que dela emergiu. Portugal é um país onde 2 partidos de índole marxista( BE e PCP) detêm quase 20% do eleitorado e onde os 2 partidos de poder( PS e PSD), que alternam sistematicamente no governo, pertencem à mesma tradição política, à mesma família alargada.

O caso dos partidos da esfera de poder em Portugal é paradigmático, o PS é um partido herdeiro do socialismo dito democrático e o PSD é um partido que, como o nome indica, se assume social-democrata. Uns e outros são herdeiros da tradição marxista reformista. É verdade que no PSD existem e sempre existiram forças consideradas liberais mas isso não invalida ou apaga a sua filiação social-democrata. Foi o seu líder mais carismático, Sá Carneiro, referência incontornável para todos os figurões da casa( muitas vezes mais por oportunismo que outra coisa) que afirmou ser o centro-esquerda o lugar do partido, ele sabia o que dizia. Trata-se de uma questão de coerência pois a social-democracia é uma “ideologia” que tem a sua origem em movimentos de inspiração marxista mas que, ao contrário do que sucedeu tradicionalmente com a maior parte das ideologias que daí derivaram, assumiu desde os primórdios uma abordagem reformista e não revolucionária da sociedade, na linha de autores como Eduard Bernstein.

O que separa o socialismo democrático da social-democracia é muito pouco, ambas as ideologias têm raízes comuns e a distinção entre elas é pouco clara, foi feita sobretudo pela História, pelo tempo. É precisamente em face da História que podemos dizer que a social-democracia evoluiu para uma maior aceitação do mercado. É geralmente a posição face ao papel do Estado que distingue hoje uma da outra, com os sociais-democratas evidenciando uma maior abertura ao sector privado, no entanto os valores culturais, sociais, a visão global do mundo, continua a ser em larga medida partilhada.

Paul Spicker, analisando as duas ideologias, afirma que, sendo ambas indiscutivelmente de esquerda, a distinção entre elas é difícil, assemelhando-se muito nos ideais, as duas diferenças que encontra para destrinçar o socialismo democrático da social-democracia referem-se às posições face ao binómio individualismo/colectivismo e face ao igualitarismo. Diz ele que a social-democracia é mais individualista e menos igualitarista que o socialismo. (*) São esses dois pontos que permitem, na opinião do autor, separar as duas ideologias e os partidos que as representam. A fractura é quase invisível e a prova maior disso é que a maioria dos partidos socialistas e social-democratas fazem parte da mesma família supranacional, inserindo-se na Internacional Socialista e honrando assim a tradição política de que provêm.

Na maior parte dos países europeus, caracterizados hoje por sistemas políticos bipolares, onde o poder intercala entre um grande partido de centro-esquerda e outro de centro-direita, os sociais-democratas e os socialistas inserem-se conjuntamente no partido do centro-esquerda ao passo que o centro-direita ou a direita de poder é representada por partidos que albergam sobretudo conservadores, democratas-cristãos e liberais( uma grande mixórdia, na realidade), aproximadamente o equivalente ao que o CDS/PP pretenderia ser em Portugal. Se esta divisão , esta dicotomia, entre o centro-esquerda e o centro-direita, já é pouco perceptível nos restantes países europeus o que dizer então do caso nacional em que a alternância no poder se dá entre forças políticas que fazem parte da mesma tradição originária, de esquerda? Como esperar que PS e PSD divirjam seriamente em algo mais que a atitude face ao Estado, ao mercado?

A conclusão óbvia é que Portugal não tem, desde 1974, qualquer direita de poder, é um país verdadeiramente mergulhado no mais absoluto situacionismo de esquerda proporcionado por 2 partidos irmãos que fazem o papel de dinâmicas opostas, quando o não são. Absurdo porque um partido de inspiração social-democrata, mesmo que com algumas influências liberais, como é o caso do PSD, não é um partido de centro-direita e muito menos de direita; contudo em Portugal passa por tal.

Se os inquéritos aos jornalistas em países onde a distinção partidária esquerda/direita é, ainda assim, mais clara e aceitável, revelam um domínio completo da mundividência de esquerda sobre a informação, no caso português a situação é concerteza mais flagrante pois quantos desses jornalistas que se declaram de direita não se situam na esfera de influência do PSD, partido que é afinal herdeiro de uma tradição de esquerda? E se no Ocidente podemos dizer com segurança que a esquerda controla a comunicação em Portugal poderemos afirmar que quase não há de todo comunicação para lá da esquerda, com todas as implicações que isto tem na sociedade e nos valores que a regem.

(*) Social Policy:themes and approaches, Paul Spicker, 1995, pag 76