terça-feira, fevereiro 28, 2006

Da França-Filhos de um deus menor

A França está novamente em choque, uma vez mais resultado das benesses indiscutíveis do modelo multicultural que está imposto sobre a Europa ocidental. Ilam Halimi, um jovem judeu residente naquele país, que foi outrora europeu e é hoje sabe Deus o quê, foi selvaticamente torturado até à morte por um grupo maioritariamente constituído por africanos, liderados por um indivíduo chamado Youssef Fofana, originário da Costa do Marfim. O bando denominava-se, apropriadamente, «gang dos bárbaros».

Na sequência do ocorrido foi convocada uma manifestação “contra o racismo e o anti-semitismo” organizada pela Licra e pelo SOS Racisme ( os congéneres franceses dos farsantes que por cá usam a mesma designação) e que contou com a participação do “partido único” de poder, que aqueles que ainda lutam contra a africanização da França chamam de UMPS(UMP+ PS), ou seja, uma espécie de CDS+PSD+PS, lá do sítio.

Ao mesmo tempo que os cruzados do anti-racismo se juntavam para o seu habitual exercício de hipocrisia e “lobotomização” da sociedade duas personalidades eram “proibidas” de participar, De Villiers e Le Pen. A sua presença não seria aceitável diria a organização. E embora Le Pen tenha acabado por não ir, De Villiers foi ao protesto, tendo inclusive sido por lá agredido!

Superior ironia! Aqueles que ao longo dos anos mais têm contribuído para a presença dos “Youssefs” e seus semelhantes na França e na Europa, as mesmas organizações que têm incentivado a vinda crescente de imigrantes do Magreb e da África subsaariana para a Europa, as mesmas organizações que têm continuadamente desresponsabilizado essas comunidades nos seus crimes e que têm perseguido judicialmente quem ouse falar contra o fenómeno, pretenderam impedir a participação na marcha de dois homens que têm alertado precisamente para a bomba-relógio que é a imigração africana e islâmica em terras europeias. E no entanto Ilam foi morto às mãos das mesmas gentes que são apadrinhadas, na França e na Europa, pelas associações que agora, no mais ignóbil cinismo, dessa morte tentam tirar proveito político: os marxistas e os “anti-racistas”( que no fundo são uma e a mesma tralha), juntamente com o centrão político, o mesmo é dizer a “partidocracia respeitosa”, que tanta ou mais responsabilidades tem no que sucedeu neste caso e no que sucede em tantos outros, directa ou indirectamente ligados à invasão consentida e encorajada das nações da Europa.

Mas ao mesmo tempo que era encontrado o corpo de Ilam, Raphaël Clin, um polícia francês, era assassinado em Saint-Martin, no arquipélago de Guadalupe, sob administração francesa, numa ocorrência de contornos claramente racistas.

Enquanto todos os meios de comunicação e toda a sociedade francesa falam do homicídio de Ilam Halimi e se sucedem as discussões em torno do assunto, ao mesmo tempo que se organizava uma manifestação extremamente politizada em torno desse acontecimento, reunindo mais de 30 000 pessoas e contando com a presença em peso da digníssima classe política e das oportunas associações “anti-racistas”, o caso de Raphaël Clin era menosprezado, para não dizer olvidado. Os jornais de referência não pareceram em França encontrar aí particular motivo de interesse, a sociedade civil não pareceu descobrir ali motivos de revolta, os políticos respeitáveis não se indignaram, as associações “anti-racistas” desapareceram…

Clin foi atropelado por um piloto de corridas ilegais, depois de ter tentado restabelecer a ordem pública, cumprindo a sua missão ao serviço do Estado francês. Enquanto falecia, mais de 40 pessoas (autóctones) juntavam-se em seu redor injuriando-o, recusando ajudá-lo e gritando: morre!

A sua mulher escreveu posteriormente uma carta que ilustra a situação e que transcrevo aqui parcialmente:

“Bom dia,
Eu sou a mulher do polícia que foi morto, Raphaël Clin.
O meu marido foi morto por um piloto que participava num “run” (corrida de motas em Bellevue).
Enquanto o meu marido agonizava havia mais de 40 pessoas em seu redor a injuriá-lo, dizendo-lhe: morre.
O colega que estava com ele pedia-lhes que fossem procurar socorro mas nem um se moveu.
Quando cheguei ao hospital estava lá muita gente, pessoas da família desse piloto. Eles injuriavam os polícias e quando nos foi dito que o meu marido estava morto todos tinham um sorriso e gritaram vitória por ter morto um polícia e ademais branco.”[*]

O homicídio de Ilam poderá ser considerado um “crime de ódio”, a maioria dos agressores terão sido africanos islâmicos e Ilam era judeu, mas ao seu rapto esteve subjacente também o móbil dinheiro, afinal à família foi exigida uma quantia que assegurasse a sua libertação. A forma como as organizações "anti-racistas" e as associações judaicas conseguiram reduzir o crime a um delito motivado exclusivamente por questões étnicas e o modo abjecto como foi politicamente aproveitada esta morte por essas mesmas associações e pelos políticos franceses, todos com responsabilidades directas nas causas que estão por detrás destes e doutros factos similares, torna-se particularmente nojenta quando comparada a situação com o assassinato de Raphaël,no qual o ódio racial tem um papel fulcral, mas Clin era branco, europeu, e os seus assassinos não, entende-se pois...

As reacções à morte do jovem judeu ocupam todos os espaços, uma manifestação foi imediatamente organizada, o delírio anti-racista, no mais vergonhoso descaramento, serviu-se de uma morte na qual tem inegáveis culpas. Para Raphaël guardam-se as palavras, a revolta, a indignação, calam-se os políticos, escondem-se as ”associações cívicas”. Em Março, na cidade de Nice, anuncia-se uma marcha silenciosa em memória de Raphaël Clin. Esperarei para ver quem estará presente e quantos marcharão, para já constato que tem tudo para ser um sucesso, pelo menos no que diz respeito à parte “silenciosa” , nisso todos parecem estar a colaborar. Compreendo, Clin não era negro ( e portanto uma eterna vítima da exclusão, inimputável) e não era membro do “povo eleito”,não,Clin era filho de um deus menor.

[*]Carta da mulher de Raphaël Clin

domingo, fevereiro 26, 2006

O fim do primado político

Como apontou, e bem, Dominique Plihon, existem duas grandes forças motrizes no processo de globalização corrente, uma é a inovação tecnológica, símbolo máximo da nova economia do conhecimento, outra é a ascensão do “poder financeiro” a um estatuto de sustentáculo primordial do novo capitalismo global, aquilo que poderemos denominar especificamente por globalização financeira, ou seja, a crescente interligação dos mercados de capitais à escala mundial e a consequente interdependência crescente das economias nacionais.

Antes de mais é preciso situar historicamente o processo de globalização. A origem do fenómeno, como hoje o entendemos, encontra-se numa fase muito mais adiantada da História do que aquela que frequentemente é apontada como originária do processo. Na realidade é no século XIX, com a intensificação das trocas de mercadorias e capitais entre a Europa e o “Novo Mundo”, que a globalização, devidamente compreendida, tem início, com aquilo que Braudel chama a expansão da “economia-mundo”.

A primeira guerra mundial veio colocar um travão à expansão do mercado global e à hegemonia liberal. Esta interrupção do processo de globalização perdurou até ao surgimento da segunda guerra e no imediato seguimento desta com os anos dourados do Keynesianismo. Do pós-guerra havia surgido, pelo acordo de Bretton Woods, o sistema monetário internacional que perduraria até 1973, a partir daí generaliza-se a flutuação monetária. Isto foi o resultado da estagnação do crescimento económico, que parecia já não encontrar soluções nas velhas políticas públicas keynesianas, a par dos efeitos dos choques petrolíferos de 1973 e 1979 que aumentaram as pressões inflacionárias já existentes.

Para entender o que está por detrás das formas correntes da globalização e as forças que a impulsionam é preciso compreender o que se passou neste período. E aqui surge um dado fundamental, os credores e detentores do capital financeiro estavam a sofrer uma perda de riqueza causada pela queda das taxas de lucro e pela inflação.

É então que os poderes financeiros começam a fazer pressão sobre o poder político para uma alteração do modelo económico de forma a liberalizar e globalizar a economia, acabando com as restrições à expansão capitalista. O culminar, bem sucedido, destas reivindicações deu-se com a chamada revolução conservadora anglo-saxónica( não confundir com a Revolução Conservadora europeia de princípios diametralmente opostos) que levou ao poder os governos de Ronald Reagan e Margaret Tatcher e à transfiguração dos modernos partidos conservadores que passaram a ser, genericamente, “conservadores-liberais”, conjugação contra-natura nos desígnios e que está, em muito, na origem da derrocada do conservadorismo na vida política ocidental.

O novo paradigma representou o ressuscitar do liberalismo clássico, de Smith, Ricardo ou Mill, e passou a ser vulgarmente conhecido por neoliberalismo. Os seus ditames baseiam-se na ideia de que os Estados, ou os poderes públicos, não têm capacidade de gerir a economia, são inibidores do crescimento e é por isso necessário abrir toda a economia à iniciativa privada. Ao assumir que a toda a intervenção é prejudicial resulta que apenas um mercado financeiro completamente livre poderia assegurar a eficácia produtiva e o vigor económico.

O enquadramento normativo estabelece-se com a assumpção de que estas medidas resultariam numa melhoria do bem-estar a nível mundial e com a promoção de uma ideia que observamos amiúde nos círculos liberais, a de oposição entre a liberdade – sempre com uma dimensão estritamente individual -, representada pelas forças neoliberais, e um presumido totalitarismo do Estado, que procuraria conduzir o indivíduo em toda a sua acção.

Desta forma, estabelecidas as justificações teóricas e definido um enquadramento normativo, estavam asseguradas as condições para a cedência das comunidade políticas, nacionais, face aos interesses financeiros, cedência amparada por uma argumentação passível de legitimar perante a opinião popular o universalismo expansionista e desagregador da globalização.

Nas palavras de Dominique Plihon(2003), a doutrina neoliberal surge como fundamento do consenso de Washington, que é um conjunto de directrizes definidas pelos países do G7, posteriormente G8, com a entrada da Rússia, e que defende que o caminho desejável da economia:” passa pela abertura das fronteiras, pela liberalização do comércio e da finança, pela desregulamentação e pelas privatizações, pelo recuo das despesas públicas e dos impostos para benefício das actividades privadas, pelo primado dos investimentos internacionais e dos mercados financeiros, em suma, pelo declínio da esfera política e do Estado em benefício dos interesses privados”.

Este declínio traduz a submissão do poder político representante da comunidade nacional ao poder financeiro, que não conhece pátrias ou outras lealdades e interesses que não os do restrito e selecto grupo dos accionistas.

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

O "Dia D" como Hollywood nunca há-de mostrar ou "o livro que jamais será filme"

Graças ao impagável e pedagógico trabalho de Hollywood sabemos hoje que os soldados norte-americanos intervieram na segunda guerra mundial armados com sorrisos, torrões de açúcar, chicletes e bíblias. Em Madrid, por estes dias, aproximando-se o aniversário do famoso “Dia D” - 6 Junho – expõe-se inclusive uma colecção de fotografias de “soldados de cor” que tombaram nas costas da Normandia e que, portanto, jamais regressariam a casa. Foram, sem dúvida, vítimas daqueles esbirros de Mefistófeles, as «bestas negras» e seus aliados que, estes sim, combatiam com armas mortíferas e, por demais, pretendiam – muito perversos, eles – tirar-nos os domingos de futebol e as férias pagas.

O problema deste conto de fadas é que logo surgem os historiadores – aos quais há agora que somar alguns soldados “irresponsáveis” que não têm outra alternativa que levar com câmaras digitais em cima – e nos estragam a festa.

Por que digo isto? As Edições Payot, de França, publicaram o ano passado um livro do professor J. Robert Lillly intitulado “La face cachée des GI’s. Les viols commis par les soldats américains en France, en Anglaterre et en Allemagne pendant la Seconde Guerre mondiale” que, a meu ver, deveria ser de leitura obrigatória para os nossos académicos e para algum leigo que ainda continue debaixo do seu jugo.

Segundo este historiador norte-americano, especializado em questões de criminologia, entre 1942 e 1945 cerca de 17.000 mulheres e crianças foram violadas em território europeu por soldados das “listas e estrelas”. Lilly estabelece em 2.420 as violações em Inglaterra, em 3.620 as violações em França e 11.040 as violações na Alemanha e acrescenta um dado mais: 84% dos violadores eram militares negros. Apenas metade dos violadores foram, em maior ou menor grau, sancionados. Em França, país “aliado” - como a Inglaterra, não nos esqueçamos deste facto -, unicamente 21 militares, 18 negros e 3 brancos, foram fuzilados sumariamente por estas práticas aberrantes. Na Alemanha, pelo contrário, a situação foi infinitamente mais permissiva: só 1/3 dos violadores foram sancionados e não houve uma única condenação à pena capital. “À época das vilações na Alemanha- escreve J. Robert Lilly - , os soldados negros beneficiaram, por outro lado, de uma espécie de reabilitação em razão da sua contribuição ao esforço de guerra”.

O livro contém uma minuciosa tipologia sobre os autores das agressões e suas vítimas, assim como interessantes precisões sobre um grande número de actos de vandalismo cometidos pelos norte-americanos. Desgraçadamente, o texto não aborda a “libertação” de Itália onde as violações a mulheres e crianças – com a inestimável ajuda humanitária dos “partigiani” e das organizações mafiosas, que colaboraram amplamente com os invasores a troco de imunidade para as suas actividades criminosas - , alcançaram dimensões verdadeiramente dantescas e números ainda mais horrendos.

Convém desmistificar, no calor daquela data, as “ânsias libertadoras” dos europeus durante a segunda guerra mundial. Basta recordar, escassos dias depois do desembarque norte-americano na costa da Normandia, os relatos do periodista Rex North, censurados pela “Psychological Warfare Division”, a estrutura de guerra psicológica do exército norte-americano,e que, em 2001, no nº 73 do “The Journal of Modern History”, foram amplamente reproduzidas. Num dos seus parágrafos podemos ler:” 60% da população local detesta-nos. O pior é que inclusive um em cada dois franceses prefere os alemães e assim é impossível ter confiança com os autóctones. Como todos, eu esperava que as tropas aliadas seriam acolhidas como libertadoras, mas uma semana depois sinto-me rejeitado pelos franceses. Acreditava vir encontrar uma população esfomeada e oprimida que aguardava os nossos soldados com impaciência, e o caso é que metade dos franceses que encontrei na Normandia não têm nenhuma vontade de ser libertados”

Juan C. García,«Mi amigo Pic», 5-5-2004

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Uma visão tradicionalista

Por que combatemos? Esta é a questão fundamental que todo o soldado político deve colocar. Por contraditório que possa parecer somos tentados a responder que lutamos pela Tradição e pela Revolução.

A Tradição

Antes de mais não se deve confundir a Tradição com as tradições, isto é, os usos e costumes.

A Tradição designa o conjunto dos conhecimentos de ordem superior referentes ao Ser e suas manifestações no mundo, tal como nos foram legados pelas gerações anteriores. Ela assenta não no que foi uma vez, num tempo e espaço determinados, mas no que é de sempre. Admite uma variedade de formas - as tradições –, ao mesmo tempo que permanece una na sua essência. Não poderíamos confundi-la com a tradição religiosa única porque ela cobre a totalidade das actividades humanas, políticas, económicas, sociais, etc.

No seguimento de Joseph de Maistre , de Fabre d’Olivet e, sobretudo, de René Guénon, Julius Evola fala de uma «Tradição primordial» que, historicamente, permitiria contemplar a origem concreta de um conjunto de tradições. Tratar-se-ia de uma «tradição hiperbórea», vinda do Extremo Norte, situada no começo do presente ciclo de civilização, em particular das culturas indo-europeias.

Do ponto de vista de Evola «uma civilização ou uma sociedade é tradicional quando é regida por princípios que transcendem o que é meramente humano e individual, quando todas as suas formas vêm do cimo e quando ela está toda orientada para o alto». A civilização tradicional assenta então em fundamentos metafísicos. É caracterizada pelo reconhecimento de uma ordem superior a tudo o que é humano e contingente, pela presença e autoridade de elites que retiram desse plano transcendente os princípios necessários para assegurar uma organização social hierarquicamente articulada, abrindo as vias para um conhecimento superior e conferindo por fim à vida um sentido vertical.

O mundo moderno é quanto a ele o oposto do mundo da Tradição que se personificou em todas as grandes civilizações do Ocidente e Oriente. É-lhe próprio o desconhecimento de tudo o que é superior ao homem, uma dessacralização generalizada, o materialismo, a confusão de castas e raças.

A Revolução

Quanto ao termo Revolução deve ser entendido na sua dupla acepção. No seu sentido actual, o mais correntemente utilizado, Revolução significa mudança brusca e radical no governo de um Estado, a Revolução francesa e a Revolução soviética de 1917 são uma ilustração perfeita.

Não obstante, no seu sentido primeiro, Revolução não significa subversão e revolta mas o contrário, a saber, regresso a um ponto de partida e movimento ordenado em torno de um eixo. É assim que, na linguagem astronómica, a revolução de um astro designa precisamente o movimento que ele realiza gravitando em torno de um centro, o qual contém a força centrífuga, impedindo o astro de se perder no espaço infinito.

Ora nós estamos hoje no fim de um ciclo.Com a regressão das estirpes, a descida progressiva da autoridade de uma a outra das quatro funções tradicionais, o poder passou dos reis sagrados a uma aristocracia guerreira, depois aos comerciantes, por fim às massas. É a idade de ferro, o Kalî-Yuga ariano, idade sombra da decadência, caracterizada pelo reino da quantidade, do número, das massas, e a correria desenfreada à produção, ao lucro, à riqueza material.

Ser pela Revolução hoje, é pretender o regresso da nossa civilização europeia a um ponto de partida original, conforme aos valores e aos princípios da Tradição, o que passa, reivindicando a expressão de Giorgio Freda, pela «desintegração do sistema» actual, antítese do mundo tradicional ao qual aspiramos.

Edouard Rix

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

  • Do orgulhosamente sós à subserviência abjecta


  • Um grito de revolta que irrompe no "Corserpentis".

    terça-feira, fevereiro 21, 2006

    As caricaturas de Maomé(parte III)-Sobre o choque civilizacional



    Se nesta controvérsia se conjugaram interesses vários e actores distintos tentaram conduzir politicamente o assunto há algo que não deve escapar à análise por ser de importância fulcral para a Europa, e afinal não é coincidência que tenha sido precisamente dentro do espaço europeu que se desenvolveu o problema. A verdade é que era no Velho Continente que estavam reunidas as condições por excelência para que tudo isto ganhasse a relevância que ganhou. Se existiu uma manipulação do assunto ela foi apenas possível porque existia a condição necessária e suficiente para que tal sucedesse.

    Falo obviamente da imigração islâmica na Europa, que tem já um peso inaceitável. E este peso, ou esta influência, tornou-se, uma vez mais, visível neste episódio das caricaturas como já havia surgido noutras ocasiões.

    Não vale a pena alegar que o problema se circunscreve a pequenas franjas de radicais lunáticos que mal representam o Islão. Isso não só não é completamente verdade como serve apenas para desarmar ainda mais os europeus que, crescentemente despojados da sua própria identidade e memória, se tornam progressivamente mais complacentes com humilhações às suas comunidades nacionais.

    Se o acontecimento foi manipulado, entre outros(reforço o pormenor), por islamistas radicais, tal apenas pôde acontecer por existir quem pudesse ser manipulado. Essa é a realidade. E o que é mais grave, isso aconteceu também em pleno território europeu, com resultados que, em muitos casos, foram pouco menos que humilhantes para os europeus. O que dizer da sequência de acontecimentos na Noruega? Que patética capitulação! O editor do Magazinet, jornal cristão, o segundo a publicar as caricaturas depois do vizinho Jyllands-Posten andou a defender a publicação dos desenhos usando o hipócrita argumento da defesa da liberdade de expressão. Os extremistas islâmicos pressionaram jornal e governo da Noruega, inclusive existiram ameaças de morte - note-se, ameaças de morte por parte de islâmicos a cidadãos europeus em pleno espaço europeu legitimadas pela fraqueza dos governantes, se isto poderia passar-se em qualquer outro lado que não nesta Europa -, o resultado final foi um quadro, esse sim verdadeiramente caricatural, em que o editor do Magazinet, numa mesa juntamente com o Ministro do Trabalho e Inclusão Social da Noruega e Mohammed Hamdam, representante da comunidade islâmica do país, pediu perdão por ter publicado as caricaturas, enquanto o islâmico aceitava magnânime o acto de contrição. No final o líder islâmico não só perdoou o jornalista como deixou claro que agora este se encontrava debaixo da sua protecção, à salvaguarda por isso de ameaças de morte…ou seja, a lei na Noruega foi aparentemente definida pelos imãs do país. Sim, de facto uma hilariante caricatura do que é hoje a Europa. Mais valia o Magazinet ter estado quieto, se pretendia levar por diante a comédia da defesa da liberdade o que certamente não poderia fazer seria sujeitar-se a esta triste figura.

    Este episódio não serviu para mais que reforçar a posição e a força reivindicativa dos islâmicos na Europa. E depois a insolência destas gentes começa a ser constante, é natural, sai sempre reforçada pelas constantes capitulações ocidentais. Um claro exemplo de como, gradualmente, à medida que compreendem toda a verdadeira dimensão da impotência europeia e ganham consciência da sua própria capacidade de se imporem nas terras do Continente, vão pretendendo impingir a sua cultura em território infiel é a sondagem recentemente publicado pelo “The Daily Telegraph” em que se revelava que 40% dos islâmicos querem aplicar a sharia( lei islâmica) em solo britânico.

    Recordemos que em nome do Islão foi assassinado um cineasta holandês, Theo Van Gogh, naquela que deveria ser a sua terra. Em nome do Islão são lançadas fatwas contra os “blasfemos”. Foram as enormes bolsas de imigrantes islâmicos no seio da Europa que facilitaram, tragicamente, a execução dos atentados de Londres e Madrid, também eles, em certa medida, cometidos em nome do Islão.

    Relembremos que os problemas da imigração islâmica não entroncam exclusivamente numa incompatibilidade de tradições religiosas mas estendem-se à cultura e à etnia, em âmbito mais alargado; em países particularmente tocados pela imigração islâmica as taxas de violação em grupo( gang rapes) são especialmente elevadas entre os jovens muçulmanos( com destaque para a Escandinávia), e as vítimas são preferencialmente mulheres europeias. Não só não revelam a mínima compunção como, não raras vezes, justificam semelhantes actos como se de uma merecida punição à mulher europeia se tratasse. Recordemos que nos recentes motins de “jovens” em França os principais envolvidos eram negros e muçulmanos, e não se limitam as explicações a problemas económicos como alguns tentaram fazer crer, não, existem de facto questões culturais no cerne destes problemas.

    A própria História mostra que a Europa foi no passado erguida em combate contra o Islão. É certo que então a Europa não era dirigida por traidores, é certo que então não era habitada por comodistas e cobardes, é certo que a civilização europeia são se limitava à berraria por uma qualquer liberdade sem fim para além de si e é certo que não era uma civilização sem outro Deus que não o mercado…

    A questão que se coloca então nesta altura e em face do caso despoletado pelas caricaturas de Maomé é saber da validade do argumento “Choque de Civilizações”. Ao contrário do que alguns possam pensar, pelo desenvolvimento dos dois primeiros textos, eu acho que existe de facto um choque civilizacional, já o tinha dito em textos anteriores não havia ainda “caso das caricaturas” algum; o que rejeito é a interpretação que se pretendeu dar ao termo e os objectivos estratégicos que me parecem ser procurados com o empolar desta situação, como se perceberá no final do artigo. De resto, reconhecer que o que está em jogo não é a liberdade de expressão e que existem forças políticas empenhadas em manipular esta problemática para alcançarem fins predeterminados não invalida reconhecer e compreender o problema do Islão infiltrado no seio europeu. Em boa verdade existe uma incompatibilidade de tradições entre a Europa e o Islão, e basta para tal atentar que a Europa foi erguida numa síntese entre o mundo greco-romano e o cristianismo.

    O Cristianismo e o Islão, apesar de serem ambas religiões do Livro, têm a separá-las uma importante diferença na interpretação da relação do divino com o poder político. Ao contrário do que sucede na Bíblia- “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.”( Mateus 22:21)- no Alcorão não existe espaço para a separação entre a Igreja e o Estado. Antes pelo contrário , o Alcorão apresenta-se como fonte da lei – 45ª Surata;"18. Então, te ensejamos (ó Mensageiro) a sharia. Observa-a, pois, e não te entregues à concupiscência dos insipientes.”

    A sharia não se limita a ser uma referência moral, ela cobre todos os níveis da vida, religiosa, política, social e privada. As interpretações da Sharia variam no mundo islâmico mas com excepção dos secularistas que advogam a separação total da lei do Estado face ao Islão, posição que grande parte dos muçulmanos considera inaceitável e incompatível com o Islão, todos os outros movimentos favorecem a imposição de alguma interpretação da Sharia( tradicionalista ou reformadora),que tem como fontes primeiras o Alcorão e a vida de Maomé. Face à inexistência de uma divisão clara entre poder divino e poder político no Alcorão, fonte da lei islâmica, surge claramente uma tendência natural do islamismo para a teocracia.

    Se é verdade que para o Islão ateus,agnósticos ou pagãos são especialmente desprezados (Da 3º Surata:178. Que os incrédulos não pensem que os toleramos, para o seu bem; ao contrário, toleramo-los para que suas faltas sejam aumentadas. Eles terão um castigo afrontoso.), convém também notar que o Alcorão não deixa margem para dúvidas sobre os cristãos. Da 5º Surata:

    “17. São blasfemos aqueles que dizem: Deus é o Messias, filho de Maria. Dize-lhes: Quem possuiria o mínimo poder para impedir que Deus, assim querendo, aniquilasse o Messias, filho de Maria, sua mãe e todos os que estão na terra? Só a Deus pertence o reino dos céus e da terra, e tudo quanto há entre ambos. Ele cria o que Lhe apraz, porque é Onipotente.”

    “72. São blasfemos aqueles que dizem: Deus é o Messias, filho de Maria, ainda quando o mesmo Messias disse: Ó israelitas, adorai a Deus, Que é meu Senhor e vosso. A quem atribuir parceiros a Deus, ser-lhe-á vedada a entrada no Paraíso e sua morada será o fogo infernal! Os iníquos jamais terão socorredores.
    73. São blasfemos aqueles que dizem: Deus é um da Trindade!, portanto não existe divindade alguma além do Deus Único. Se não desistirem de tudo quanto afirmam, um doloroso castigo açoitará os incrédulos entre eles.”


    E Temos que o próprio Alcorão glorifica uma atitude guerreira em nome da fé e violenta face ao infiel, da 9ªSurata:

    “5. Mas quanto os meses sagrados houverem transcorrido, matai os idólatras, onde quer que os acheis; capturai-os, acossai-os e espreitai-os; porém, caso se arrependam, observem a oração e paguem o zakat, abri-lhes o caminho. Sabei que Deus é Indulgente, Misericordiosíssimo.”

    “30. Os judeus dizem: Ezra é filho de Deus; os cristãos dizem: O Messias é filho de Deus. Tais são as palavras de suas bocas; repetem, com isso, as de seus antepassados incrédulos. Que Deus os combata! Como se desviam!”

    “38. Ó fiéis, que sucedeu quando vos foi dito para partirdes para o combate pela causa de Deus, e vós ficastes apegados à terra? Acaso, preferíeis a vida terrena à outra? Que ínfimos são os gozos deste mundo, comparados com os do outro!
    39. Se não marchardes (para o combate), Ele vos castigará dolorosamente, suplantar-vos-á por outro povo, e em nada podereis prejudicá-Lo, porque Deus é Onipotente.
    40. Se não o socorrerdes (o Profeta), Deus o socorrerá, como fez quando os incrédulos o desterraram. Quando estava na caverna com um companheiro, disse-lhe: Não te aflijas, porque Deus está conosco! Deus infundiu nele o Seu sossego, confortou-o com tropas celestiais que não poderíeis ver, rebaixando ao mínimo a palavra dos incrédulos, enaltecendo ao máximo a palavra de Deus, porque Deus é Poderoso, Prudentíssimo.
    41. Quer estejais leve ou fortemente (armados), marchai (para o combate) e sacrificai vossos bens e pessoas pela causa de Deus! Isso será preferível para vós, se quereis saber.”

    “123. Ó fiéis, combatei os vossos vizinhos incrédulos para que sintam severidade em vós; e sabei que Deus está com os tementes.”

    É pois daqui decorrente que os cristãos não poderão ter senão um papel de submissão no Islão, que outra coisa poderia ser reservada aos blasfemos? E aqueles que nem seguem as religiões do Livro não são tampouco tolerados. Chegamos assim ao seguinte ponto de situação: no Alcorão não há espaço para a separação entre Igreja e Estado, apela o livro, pelo contrário, a uma sociedade enquadrada pela lei islâmica, pela sharia, que se legitima na vida de Maomé e nos ensinamentos do próprio Alcorão, o livro que considera blasfemos os cristãos e não tolera os que rejeitam o Deus monoteísta e que apresenta passagens que enaltecem a guerra pela fé. Acresce que são os próprios islâmicos a viver em terras europeias que não se coíbem de reconhecer que pretendem ver instituída a sharia, o que não é mais que o natural resultado da sua obediência religiosa.

    É óbvio que existe uma incompatibilidade civilizacional da Europa, erguida sob os pilares do mundo clássico e cristão, com o Islão. Essa colisão resulta da História, da cultura e da tradição religiosa.

    Porém, se falamos de choque civilizacional devemos enquadrar devidamente a questão. Essa ideia assenta no pressuposto delineado por Samuel Huntington no seu livro “The Clash of Civilizations” de que serão sobretudo etno-culturais e não ideológicos ou económicos os novos conflitos do século XXI. Os choques civilizacionais ou culturais a que a Europa está sujeita resultam não da existência de culturas diferentes da sua no mundo mas da coexistência dessas culturas no seu espaço, o que é diferente. É o próprio Samuel Huntington que o reconhece ao definir como uma das bases do conflito inter-civilizacional as diferenças culturais e étnicas submetidas à compressão do mesmo espaço. Não há lugar para dúvidas.

    Ao mesmo tempo é também o próprio Huntington que reconhece a necessidade de alterar a política intervencionista e globalista do “Império neocon” num artigo da “Foreign Affairs de Outubro de 1997:

    "Instead of formulating unrealistic schemes for grand endeavors abroad, foreign policy elites might well devote their energies to designing plans for lowering American involvement in the world in ways that will safeguard possible future national interests."

    E finalmente é o mesmo Huntington que objecta ao expansionismo da democracia universalista e do liberalismo,liderado pelos EUA. Huntington não só recusa que os EUA devam empreender uma cruzada global pela imposição da democracia como recusa que outras civilizações possam ou devam necessariamente adoptar tal regime, defendendo que é a própria identidade cultural que define os sistemas de organização social de cada bloco civilizacional. Desta forma é o autor que reconhece, por exemplo, o autoritarismo asiático como um regime igualmente válido e resultante das próprias características dos povos considerados.

    Temos assim que o choque civilizacional de Huntington não pode ser tomado por bandeira sem reconhecer que resulta também da convivência de povos e culturas opostas nos mesmos espaços, isto implica o reconhecimento de algo muito simples, a génese do actual problema das caricaturas é o multiculturalismo e a imigração extra-europeia. Huntington é o primeiro a legitimar esta conclusão quando se opõe à imigração mexicana para os EUA por motivos étnicos, afirmando que a identidade dos Estados Unidos é anglo-saxónica e assim deve ser preservada por forma a salvaguardar a coesão nacional. E note-se que, ao contrário do que sucede com a imigração islâmica na Europa, a imigração mexicana não coloca problemas significativos de tradição religiosa. A crítica ao ideal multiculturalista vai mais longe no autor, que chega a afirmar que as diferenças étnicas e culturais são responsáveis pelos diferentes níveis de desenvolvimento das distintas sociedades.

    O problema com aqueles que nesta polémica se empenharam na promoção da ideia de choque de civilizações foi a sua desonestidade face ao problema real e ao termo. E isso é preciso denunciar. O choque civilizacional não se resolve pela intervenção militarista na Ásia ou pela imposição global da democracia mas, primeiramente, pela resolução do problema interno da imigração e do multiculturalismo, estes sim os verdadeiros factores desagregadores da coesão nacional e criadores de choques civilizacionais fatais para a Europa. A toda essa gente que se apressou em berraria histérica contra o Islão, descobrindo agora miraculosamente um choque de culturas onde anteriormente não viam mais que as maravilhas e riquezas do multiculturalismo, não ouvimos por uma vez uma abordagem séria ao cerne do problema, não os ouvimos dizer claramente que a resolução da questão é indissociável da rejeição terminante da sociedade multicultural, não os ouvimos propor qualquer solução para o problema da imigração, e no entanto bastaria conhecer minimamente Huntington e a sua obra, que propagandearam,para o entender.

    Não, em vez disso gritaram furiosamente por mais uma cruzada global em nome da democracia e da liberdade de mercado, usaram a ideia de choque civilizacional para promoverem o intervencionismo nas sociedades islâmicas onde são os islâmicos, por direito, que devem decidir sobre o seu modo de vida. Não só se serviram da ideia de choque de civilizações, manipulando selectivamente a essência da obra de Huntington, como procuram utilizá-la para alcançar uma tese que se lhe opõe: o “fim da História” de Francis Fukuyama, que legitima uma superioridade intrínseca da democracia liberal, da “religião dos direitos humanos”, do mercado global e, por tabela, valida moralmente o intervencionismo necessário para a imposição universal desses valores, tendo sempre os EUA como exemplo, nunca reconhecendo como parte fulcral do problema os conflitos étnicos criados pelo próprio dogma multicultural. É natural, não convém à democracia universalista e economicista a compreensão de algo que surge evidente em Huntington, o homem não existe sem identidade e esta é estabelecida por oposição ao que é diferente, ela não se define nem pelo mercado nem pela liberdade individualista da democracia-liberal. Perceber isto permitiria compreender o cerne do problema islâmico na Europa.

    domingo, fevereiro 19, 2006

    Cinematografia comparada

    “O Triunfo da Vontade” de Reni Riefenstahl e “Outubro” de Sergei Eisenstein são ambos filmes de propaganda da maior envergadura, tanto em conteúdo como em execução. Enquanto Riefenstahl se concentra na exploração da imagética do nacional-socialismo Eisenstein concentra-se na recriação de uma etapa crucial da luta de classes soviética. Os dois filmes tentam manipular a «Weltanschauung» política dos espectadores empregando diversas técnicas cinematográficas inovadoras, como montagens audaciosas e imagens hipnotizantes que parecem sempre persistir sobre o ecrã( por exemplo as intermináveis paradas nacional-socialistas em “O Triunfo da Vontade”). Devemos compreender, não obstante, que o nacional-socialismo e o comunismo estavam quase diametralmente opostos no espectro político da época. Enquanto o nacional-socialismo tentava concentrar-se no aperfeiçoamento da raça nórdica o comunismo tentava abarcar toda a humanidade. [*]

    Richard Taylor diz que quase não existem arquivos visuais sobre a Revolução de Outubro. Os soviéticos puderam utilizar esse facto em seu proveito. Começaram a estabelecer «uma base de legitimidade histórica para o regime e a ausência de provas documentais adequadas deu aos realizadores soviéticos uma ocasião de ouro para reconstruírem as realidades da História russa e de melhorá-las um pouco» (Taylor 93). Isto, claro, significa que os soviéticos não fizeram nada mais que glorificar a construção do seu Estado bolchevique. Puderam fazer isso porque tinham o controlo total dos meios de comunicação( era, afinal, um regime totalitário).

    Empregando um realizador tão célebre quanto Eisenstein apoderaram-se de um duplo crédito: Por um lado por ter um tal génio criativo do seu lado, por outro porque Eisenstein( sendo um grande artista) foi capaz de superar uma simples dramatização do acontecimento. Como diz Pudovkin, « o artista soviético deve sentir que a sua criação depende constantemente dos desejos e interesses do povo»(Pudovkin 51).Isso quer dizer que o artista deve satisfazer os desejos do povo fazendo-o crer que vive realmente no paraíso dos trabalhadores. Claro, Eisenstein estava perfeitamente consciente desta intenção quando filmava “Outubro”, como se torna óbvio quando vemos a forma finamente estilizada e o conteúdo.

    Parece totalmente evidente que se “Outubro” é «um símbolo da união do artista com a sua época» (Zorkaya 69) o filme é também uma grande mentira no sentido em que não representa o que se passaria realmente durante a Revolução de Outubro. Ao contrário, o filme é uma simples figuração do acontecimento. Outubro é dedicado ao décimo aniversário da revolução, degradando-se assim num mero espectáculo de celebração. Ele é certamente destinado à massa russa e àquilo que esta supostamente teria ganho com a Revolução. É honesto supor que esta era a ideia por detrás do filme mas, na realidade, as massas foram as últimas a ganhar algo na Revolução. Isto faz de “Outubro” nada mais que uma grande mentira.

    Por outro lado quando comparamos “Outubro” a “O Triunfo da Vontade” torna-se rapidamente claro que este último é superior ao primeiro. “O Triunfo da Vontade” não é uma recriação de acontecimentos reais, mas mais um documentário ( ainda que também seja propaganda) sobre os próprios acontecimentos. Leni Riefenstahl foi incumbida por Adolf Hitler de fazer um documentário sobre o Congresso do Partido em Nuremberga ( 1934).

    Segundo Robert Gardner ( que entrevistou Riefenstahl) ela foi ao princípio reticente em fazer o filme porque «não conhecia nada do Partido e da sua organização»(Hull 74). Riefenstahl insistiria também em que a película fosse sobretudo financiada por ela mais que pelo partido. Todas as circunstâncias mencionadas anteriormente são bons indicadores de que “O Triunfo da Vontade” é, ao menos na sua essência, menos obra de propaganda que “Outubro”.

    É provavelmente verdade que “O Triunfo da Vontade” é o filme de propaganda mais impressionante ( e provavelmente o mais eficaz) jamais produzido. Segundo Siegfried Kracauer «Leni Riefenstahl fez um filme que não só ilustra perfeitamente o Congresso, mas consegue exprimir todo o seu significado. As câmaras exploram sem cessar as caras, e cada um destes grandes planos é uma prova da perfeição com a qual a metamorfose da realidade foi alcançada»(Kracauer 301).

    Riefenstahl consegue mostrar o que era realmente o Congresso do Partido: a pompa e o esplendor, uma espécie de exemplo para as massas. Mas era a realidade do próprio espectáculo. Podemos pois deduzir que Riefenstahl não fez mais que registrar a atmosfera grandiloquente em seu redor. Ela não teve de embelezar ou completar qualquer coisa pelo exagero, como Eisenstein fez certamente em “Outubro”. A razão pela qual Riefenstahl não foi forçada a inventar a sua exposição da glória nacional-socialista foi pela facto de ela estar no seu meio e não numa recriação( como Eisenstein enquanto propagava a glória comunista).Enquanto “Outubro” é uma adaptação infiel de um acontecimento histórico, “O Triunfo da Vontade” pode ser visto como um simples registro da História.

    Richard Taylor diz que “O Triunfo da Vontade” é «ao mesmo tempo um soberbo exemplo de cinema documental e uma obra-prima da propaganda»( Taylor 177). Esta declaração resume as opiniões divergentes sobre o filme. Se a maior parte dos críticos se apressam a não ver nada mais no filme que uma peça de propaganda desavergonhada,outros dizem que o filme tem um valor em si enquanto documentário. O facto de não haver qualquer comentário em voz-off ou qualquer cena organizada especialmente para o filme deveria provar que a única propaganda que dele podemos retirar vem do seu conteúdo. Mas é preciso notar que Riefenstahl não criou o conteúdo uma vez que não fazia mais que registrá-lo. É a razão pela qual “O Triunfo da Vontade” tem por subtítulo:«O documento do Congresso do Partido do Reich,1934».

    De acordo com Taylor, Leni Riefenstahl afirmaria numa entrevista que «tudo (em “O Triunfo da Vontade”) é real. E não existem comentários tendenciosos pela simples razão que o filme não tem comentários de todo. É a História. Um filme puramente histórico.» (Taylor 189). Isto não é certamente verdade para “Outubro”. Muito curiosamente, segundo Taylor «a ausência de material documental (sobre a Revolução de Outubro) …significou que os historiadores e realizadores ulteriores recorreram a “Outubro” como fonte documental» (Taylor 93). É verdadeiramente irónico, com efeito se pensarmos que “O Triunfo da Vontade” é considerado como um infame filme de propaganda enquanto que, como nos apercebemos agora, “Outubro” adquiriu o estatuto de «fonte documental». Não podemos deixar de perguntar se não seria necessário fazer o inverso, considerando as circunstâncias nas quais os dois filmes foram realizados.

    Constantin von Hoffmeister

    Obras citadas:

    - Hull, David Stewart. Film in the Third Reich. Los Angeles: University of California Press, 1969.

    - Kracauer, Siegfried. From Caligari to Hitler. Princeton: Princeton University Press, 1974.

    - Pudovkin, V. Soviet Films: Principal Stages of Development. Bombay: People's Publishing House, 1950.

    - Taylor, Richard. Film Propaganda: Soviet Russia and Nazi Germany. New York: Barnes & Noble Books, 1979.

    - Zorkaya, Neya. The Illustrated History of the Soviet Cinema. New York: Hippocrene Books, 1989.

    [*]Naturalmente a distinção que o autor aqui faz entre o nacional-socialismo e o comunismo, de tão simplista, acaba por ser falhada.Compreendo que o objecto do texto fosse outro mas não poderia deixar de referir que a diferenciação entre as duas doutrinas não é minimamente conseguida com esta frase, sem prejuízo da qualidade do resto do artigo.Mas sobre este assunto falarei posteriormente.

    quinta-feira, fevereiro 16, 2006

    As caricaturas de Maomé(parte II)-O labirinto neoconservador



    No primeiro texto sobre a polémica das caricaturas referi os indícios que apontam para uma manipulação política do assunto por parte de diferentes eixos com propósitos distintos. Por esta altura creio ser interessante analisar o curioso mundo das ligações políticas neoconservadoras na Dinamarca.

    Essas ligações passam por vários vectores que abordarei aqui, a saber: o jornal Jyllands-Posten, que encomendou (em defesa da liberdade de expressão, certamente) os desenhos, o instituto neoconservador dinamarquês CEPOS, David Gress, George Shultz e Daniel Pipes.

    A 11 de Março de 2004 é fundado o CEPOS( centro dinamarquês de estudos políticos), um “Think Tank” dinamarquês de inspiração “liberal” com ligações a importantes instituições neoconservadoras americanas, entre as quais o AEI (American Entreprise Institute), a Hoover Institution e a Heritage Foundation. Ligado ao CEPOS está também o jornal Jyllands-Posten, que foi desde o princípio um dos principais promotores do referido instituto. Dois homens adquirem aqui um papel chave na compreensão dos laços transatlânticos entre este centro e os neoconservadores americanos. David Gress e George Shultz.

    David Gress é um historiador dinamarquês que adquiriu a nacionalidade norte-americana e trabalhou como investigador na Hoover Institution de 1982 a 1992.Regressou à Dinamarca e lecciona na Universidade de Aarhus. Gress é membro fundador do CEPOS , foi um dos seus principais angariadores e é também colunista do Jyllands-Posten, tendo sido um dos mais empenhados defensores de Flemming Rose e da publicação das caricaturas.

    George shultz é membro da Hoover Institution e da AEI e é também um dos principais estrategas da Administração Bush, fazendo parte de um grupo denominado “Vulcanos”( em honra do Deus Romano) que engloba entre outras figuras os reputados neoconservadores Dick Cheney e Paul Wolfowitz. Este grupo ficou particularmente ligado à definição da politica externa norte-americana após o 11 de Setembro e à invasão do Iraque. A agenda destes conselheiros de Bush é claramente belicista, assenta na premissa de que é necessário impor pela força os interesses estratégicos americanos no mundo de forma a alcançar a “Pax Americana”. Mas Shultz é igualmente conselheiro do CEPOS e membro honorário da sua Direcção. Acumula ainda o cargo de co-presidente do CPD (Committee on the Present Danger), um grupo actualmente empenhado nas pressões sobre o Irão(toda esta história é um emaranhado de coincidências inofensivas…).

    Quem também é membro do CPD é Daniel Pipes. Pipes é um judeu neoconservador, especialista em assuntos do Médio Oriente, que foi nomeado por Bush para a direcção do “US Institute of Peace”, sendo conhecido pelo seu sionismo.

    Este homem é colaborador da “FrontPage Magazine”, uma revista neoconservadora que tem como pilares editoriais o apoio à política externa de Bush, o apoio incondicional a Israel no conflito com os palestinianos e uma crítica feroz e constante do Islão. Essa revista é responsável por sites como o “Jihad Watch”, cujo único objectivo é a crítica diária e incessante do Islão, e a “Campus Watch”.

    A “Campus Watch” é um projecto do Middle East Forum, um "Think Tank" fundado e dirigido por Daniel Pipes para supostamente pensar os interesses dos EUA no Médio Oriente, escusado será dizer que esses interesses para o referido "Think Tank" passam pelo papel pivot de Israel na região. A “Campus Watch”, especificamente, é um programa destinado a acompanhar o ensino da situação política do Médio Oriente nas universidades americanas e que denuncia aqueles que criticam a actuação de Israel. Tem “listas negras” com nomes de professores cujas posições divergem da linha neoconservadora (fortemente anti-islâmica e sionista). Mais grave, a “Campus Watch” encoraja os próprios alunos a denunciar esses professores e utiliza a influência dos neoconservadores na comunicação social(que é enorme) para fazer acusações públicas a esses académicos. Uma verdadeira caça às bruxas…

    Pipes foi também um dos signatários do PNAC (Project for the New American Century) um projecto que visa definir a estratégia que permitirá aos EUA manterem o estatuto hegemónico no século XXI. De acordo com as directrizes do PNAC o controlo do Médio Oriente é fulcral para manter a posição dominante dos EUA no planeta e o plano passa por intervir, militarmente se necessário,na região e assegurar simultaneamente a posição estratégica do aliado israelita. O PNAC é um projecto que emana do AEI e está instalado no mesmo edifício que serve de sede a este último instituto, o tal que mantém ligação directa ao CEPOS, sobretudo através de Shultz que, como apontei, faz parte de ambos.

    O mesmo jornalista que haveria de encomendar as caricaturas de Maomé, Flemming Rose, deslocar-se-ia propositadamente aos EUA em Outubro de 2004, à sede do Middle East Forum, em Filadélfia. Dessa visita resulta uma pequena entrevista com o presidente do instituto, Daniel Pipes. A entrevista de Flemming Rose surge com o sugestivo título: “A ameaça do islamismo” e é publicada no Jyllands-Posten em 29 de Outubro de 2004, um ano antes do mesmo jornalista decidir satirizar Maomé nas páginas do mesmo jornal que mantém estreitas ligações ao CEPOS.

    (Continua)

    domingo, fevereiro 12, 2006

    As caricaturas de Maomé (parte I)-compreender o jogo



    Julgo que tudo já foi dito sobre a recente polémica despoletada pelas caricaturas de Maomé. Li as mais variadas opiniões e as mais diferentes abordagens políticas da questão. Da esquerda à direita li análises plenas de interesse e outras que me pareceram pouco conseguidas. O problema foi tratado de todos os ângulos possíveis, sucederam-se as mais esmeradas teorias aos mais simplistas juízos. De qualquer forma parece-me que quer nos jornais, quer nas televisões quer sobretudo na Internet a questão foi tratada ao pormenor e todos dispõem dos recursos que permitam formar um juízo sobre o assunto. Mas como é matéria que continua na ordem do dia ocorre-me deixar também algumas notas sobre a questão.

    Como afirma e bem Alain de Benoist aquilo que deve começar por suscitar curiosidade e reflexão é o intervalo de tempo decorrido entre a publicação das caricaturas no Jyllands-Posten em 30 de Setembro do ano transacto e o eclodir do problema em toda a sua dimensão actual, em Janeiro deste ano. O que ocorreu nesse período? Benoist aponta a vitória do Hamas nas eleições palestinianas. É um facto. Tal como é do conhecimento público a pressão que desde então tem sido exercida por EUA e Israel sobre a UE para que cesse a ajuda financeira à Autoridade palestiniana. É inegável que a explosão de revolta no mundo muçulmano, incluindo a palestina, em torno da publicação dos desenhos, afecta negativamente a imagem dos islâmicos perante a opinião pública europeia e reforça a posição dos que pretendem que a Europa deixe de ajudar a Autoridade palestiniana.

    Porém, não é este o único acontecimento que a meu ver merece consideração. Toda esta polémica coincide também com o aumento das pressões sobre o Irão por parte da Agência Internacional de Energia Atómica( IAEA) que votou uma resolução contra o país que será levada perante o Conselho de Segurança da ONU. Há muito que se coloca a hipótese de se estar perante a possibilidade de uma intervenção militar no Irão e esta intervenção, a acontecer, será muito mais facilmente justificada se a opinião pública ocidental tiver do mundo islâmico em geral uma imagem de fundamentalismo descontrolado, enraivecido e perigoso. Os ataques às embaixadas europeias em alguns países islâmicos e alguns protestos tresloucados dos muçulmanos em terras europeias compuseram o quadro na perfeição. Se atendermos ao esforço de guerra norte-americano no Iraque e no Afeganistão, esforço humano e financeiro, se olharmos para o caos provocado no Iraque, em que não se avista um fim para o problema e muito menos o fim que os americanos apresentaram como desejado e provável no início da intervenção, facilmente concluímos que na conjuntura actual não é possível aos EUA intervirem militarmente no Irão sem o contributo significativo dos aliados europeus. A validação do envolvimento europeu num eventual ataque ao Irão ganhou assim força perante os cidadãos dos países europeus que passaram a ver no mundo islâmico a imagem da irracionalidade, particularmente preocupados agora pela possibilidade de verem um regime representante deste Islão armado com capacidade nuclear.

    Atentemos nos equilíbrios militares da região para melhor delimitar o problema. O Irão está rodeado por vários países com armamento nuclear: A Rússia, a Índia, o Paquistão, a China e Israel. No entanto ao Irão pretende-se vedada essa possibilidade. O Irão pela sua situação geográfica e pela sua dimensão é uma peça decisiva nos equilíbrios da região e como sabemos o controlo dessa área, pelo que representa em recursos energéticos, é considerada fulcral por todas as potências mundiais, muito em especial pela maior de todas, os EUA. O que é que distingue todos estes países da região com armamento nuclear do Irão e que torna este último o alvo ideal para ser vendido como a grande, quase única, ameaça à paz mundial? Nenhum deles, com excepção do Irão, é declaradamente inimigo do Estado de Israel e nenhum deles, com excepção do Irão, constitui uma ameaça directa ao controlo petrolífero dos norte-americanos na zona.

    Surge também uma questão adicional para se compreender este enredo; a imagem percepcionada na Europa das sublevações nos países islâmicos está longe de levar em atenção que estas foram sobretudo concentradas em alguns países e locais com situações políticas muito particulares.

    Na palestina as reacções foram lideradas não pelo Hamas mas pelas forças políticas derrotadas nas eleições. Numa área tão sensível como aquela é fácil perceber que essas forças políticas procuraram reconhecimento por parte de uma população que encontra na sua identidade religiosa um dos factores principais de reacção face a Israel. Procuraram capitalizar o problema para obtenção de proveitos políticos face à derrota eleitoral. Na Síria temos um regime autoritário que mantém controlados todos os movimentos islamistas radicais, que não têm qualquer acesso ao poder. Debaixo de enorme pressão dos EUA, por causa da situação no Líbano, o Baas (partido do governo), ao permitir as manifestações anti-ocidentais, procurou enviar uma mensagem clara ao mundo, mostrar que é a opção ao islamismo radical no país e, por razões conexas, que é o único parceiro possível de negociação. Indonésia e Paquistão são países governados por regimes aliados dos EUA e que se apresentam igualmente como a solução que evita a queda do poder nas mãos de movimentos fundamentalistas islâmicos ( embora no caso indonésio existam outras tensões internas que foram secundarizadas por este episódio).Estes protestos não só permitiram a esses governos apaziguar internamente contestações permitindo a expressão pública da defesa do Islão como proporcionaram externamente a projecção da sua imagem como contraposição a uma alternativa islamista radical. No Irão as manifestações foram obviamente potenciadas pela situação de conflito atrás descrito entre o país e o Ocidente. Resta Iraque e Afeganistão, em ambos os casos trata-se de países invadidos e controlados por tropas ocidentais, lideradas pelos EUA, e onde as populações são facilmente manipuladas para expressões de rebelião. Não só isso mas o exacerbar da questão permite também legitimar a ocupação.

    É natural que num quadro destes se crie um efeito “bola de neve” que faça alastrar os protestos radicalizados a outros países mas a sua manifestação inicial deu-se num círculo restrito de nações que apresentavam características propícias ao deflagrar e conduzir da situação no mundo islâmico.

    Finalmente existe outra questão a ponderar; inicialmente o jornal dinamarquês publicou 12 caricaturas, porém, como a própria BBC noticiou, surgiram a circular no Médio Oriente outros desenhos que não os originais, incluindo uma caricatura que mostrava Maomé com a cara de um porco. Alegadamente essa imagem, como outras que não haviam sido publicadas originalmente no jornal, terá sido levada para o Médio Oriente por um grupo de muçulmanos da Dinamarca que se terá deslocado à região em Novembro último. Mas o problema não se esgota aqui, aparentemente as diplomacias ocidentais nada fizeram para esclarecer junto do mundo islâmico que aqueles desenhos não tinham sido publicados em qualquer jornal europeu. Porquê?...

    Os sinais que se retiram de toda esta polémica parecem indicar que o problema foi claramente manipulado e empolado para servir fins políticos. Quais e por quem é a pergunta que se coloca. Creio que perante os dados disponíveis o exacerbar deste problema serve de antecâmara à futura definição geopolítica do Médio Oriente e aos movimentos que se preparam para a configurar. Os pontos de actuação desses movimentos serão a Palestina e o Irão, passando pela definição da situação no Iraque. O que está em jogo é o controlo do mercado energético, a segurança de Israel e os tipos de regime que se estabelecerão em determinados países muçulmanos. As forças em acção em todo este imbróglio são, por um lado os EUA e seus aliados mais próximos, por outro os regimes de países com maiorias islâmicas que pretendem manter-se no poder e controlar os movimentos islamistas nos seus territórios e finalmente estes próprios movimentos islamistas que estão espalhados por todo o mundo(com forte presença na Europa) e pretendem extremar posições como forma de conquistar apoio entre as populações muçulmanas. Por razões diferentes todos estes 3 eixos têm interesses em inflamar o problema e todos terão contribuído para tal. Em tudo isto o que menos pesou foram eventuais movimentos espontâneos de islâmicos em simples “revolta desinteressada” contra uma ofensa religiosa, parece-me antes que se prepara o estabelecimento dos equilíbrios geoestratégicos do Médio Oriente para o século XXI.

    sábado, fevereiro 11, 2006

    Retratos



    «Todos iguais, todos diferentes»: Este slogan publicitário em voga é perfeitamente ilustrativo da nova ordem. O propósito da aspiração igualitária contemporânea é postular para qualquer um o direito a aceder ao reconhecimento daquilo que é, em tanto que tal, fora de toda a legitimidade extrínseca ao indivíduo. A subjectividade é, em si, um critério de verdade. A obra propriamente dita não é mais o princípio fundamental do acesso ao reconhecimento. O narcisismo contemporâneo tende a desvirtuar mesmo o princípio do acesso ao reconhecimento, tradicionalmente fundado sobre a expressão de um talento, em benefício do direito ao aparecimento. De certa maneira o extraordinário desenvolvimento da indústria do divertimento responde ao desejo de se aceder o mais rapidamente possível ao estatuto social de «gente», a partir de um modo de selecção tão impiedoso quanto arbitrário: aquilo que faz com que você agrade ou não, seja manhoso e malicioso ou não, sensual ou não, etc., em suma, que você irrompa no “ecrã” da sociedade do espectáculo ou não. Neste quadro, a democracia televisiva dá hoje a não importa quem, desde que reúna os requisitos, os meios de «existir» aos olhos dos outros. Porque a condição requerida para aparecer nos projectores da sociedade do espectáculo não é a singularidade mas antes o inverso: a semelhança ao protótipo procurado com o qual se identificarão os «adolescentes» e os «jovens», que são os consumidores privilegiados da indústria do divertimento. Interroguemos um adolescente e vejamos o que representa a seus olhos, hoje, um médico, um juiz ou um professor ao lado de um animador bilionário ou dum futebolista analfabeto.

    Paul-François Paoli

    quinta-feira, fevereiro 09, 2006

    Notas

  • O poder cultural


  • A herança da revolução francesa


  • Estado-político, Estado-administração


  • A escola e a política


  • A análise de Gramsci


  • Poder cultural e sociedade civil


  • O papel dos intelectuais


  • A penetração de contra-valores nas sociedades contemporâneas


  • O combate total


  • Dividido em 9 partes o Manuel publicou um ensaio de Alain de Benoist que considero absolutamente imprescindível.Um documento essencial para qualquer nacionalista que pretenda conhecer os pilares do poder da esquerda nas nossas sociedades e os caminhos que temos de percorrer. A ler e reler...

    Entretanto o Gonçalo desafiara-me para uma entrevista que já está publicada no seu blog, passe a publicidade em causa própria.

    O Batalha Final regressará ao ritmo normal no fim-de-semana, pelo menos assim espero...

    sábado, fevereiro 04, 2006

    Carvalhadas

    Já disse algumas vezes que não consigo ver o programa “Prós e Prós” da RTP por mais que 10 ou 20 minutos. É uma questão de salvaguarda da minha sanidade mental. Curiosamente parece que é sina minha nesses 10 minutos em que o televisor está sintonizado no referido programa apanhar as declarações mais…espantosas. Nesta semana, quando inadvertidamente fazia zapping, parei no “Prós e Prós”( designação apropriada a esse projecto televisivo desde a célebre emissão sobre os distúrbios em França) na altura em que tomava a palavra Carvalho da Silva, dirigente da CGTP, estrutura sindical controlada pelo PCP.

    Não sei qual seria o tema em debate mas a intervenção de Carvalho da Silva foi sobre a Segurança Social. Mais precisamente sobre a sustentabilidade da Segurança Social. Como não estava a acompanhar o programa não ouvi a intervenção que antecedeu a do sindicalista/comunista mas pelo que disse percebi que do lado oposto alguém havia defendido a necessidade de reformas na Segurança Social do desagrado do dirigente sindical. Ora a indignação do sindicalista manifestou-se num protesto contra as reformas propostas pelos oponentes no debate afirmando que o necessário seriam políticas que garantissem a sustentabilidade do sistema. Quais? Perguntou e bem um dos participantes. Carvalho da Silva respondeu: medidas estruturais! Até aqui tudo certo, todos estamos habituados a ouvir este tipo de soluções que na verdade não encerram solução alguma, apenas generalidades. O pior veio de seguida. Quando lhe perguntaram que medidas estruturais seriam essas o dirigente da CGTP respondeu que seriam medidas demográficas e políticas que criassem emprego.

    Quanto às políticas que criem emprego, enfim, se formos até à escola mais próxima e colocarmos a questão a um miúdo de 15 anos ele é bem capaz de dar uma resposta semelhante à de Carvalho da Silva. Já a questão demográfica foi um caso diferente. E como resolveria então Carvalho da Silva o problema demográfico? Resposta do homem da CGTP, citando de memória:” vivemos numa sociedade globalizada, o mundo tem muita gente, a globalização não serve só para algumas coisas…”

    Existem aqui dois factores a levar em consideração:

    1-O dirigente sindical faz tacitamente a defesa da globalização, o que constitui uma novidade, ou até uma inversão, no discurso público habitual da extrema-esquerda e sobretudo dos comunistas, que são a sua família política.

    2- Defende ser possível garantir a sustentabilidade da Segurança Social importando imigrantes.

    Em relação ao primeiro ponto; vem confirmar o que já anteriormente havia escrito, o combate à globalização não passa nem nunca passou pela extrema-esquerda, seja ela qual for. Aquelas concentrações anti-globalização ou altermundialistas( e note-se que ao passarem a utilizar este termo já estão a assumir a defesa de uma ideia de globalização) são o espelho de quem nelas participa, vagabundos e palhaços, literalmente( um dos grupos habituais nessas concentrações designa-se “the clandestine insurgent clown army”). A esquerda marxista, como a esquerda libertária, é o que sempre foi, internacionalista e apátrida, e isto é a essência da globalização. A oposição que a esquerda radical pretendeu desenvolver por algum tempo à globalização era pouco mais que espalhafato mediático, nunca constituiu um todo harmonioso e coerente. Os seus argumentos nunca foram anti-mundialistas, no fundo resumia-se essa luta a controlar ou dirigir os movimentos do capital permitindo irrestritos os movimentos de pessoas, o que constitui uma visão claramente incompleta do fenómeno “globalista”. O velho ideal revisitado: destruir as pátrias destruindo os laços tradicionais, anular a economia de mercado, construir uma nova ordem mundial.

    O segundo ponto assenta numa premissa falsa, a imigração não garante a sustentabilidade da Segurança Social, muito pelo contrário. Antes de mais convém entender que a imigração maciça é um fenómeno representativo de trabalho pouco qualificado que pouco contribui para o crescimento do rendimento dos países de destino. Esses imigrantes, para além de descontarem pouco, acabam por representar enormes custos para os sistemas de Segurança Social dos países da Europa, já que passam também a usufruir de benefícios sociais que excedem muitas vezes as suas contribuições e isso não parece nunca ser tido em conta por quem argumenta como Carvalho da Silva. Os imigrantes não vêm apenas contribuir mas passam também a estar inseridos nas redes de protecção social. O aviso mais claro chegou há cerca de 5 anos da Dinamarca, tendo alastrado aos países com sistemas mais abrangentes.

    Segundo o relatório Bering a população imigrante na Dinamarca, estimada à altura em 4%, consumia 34% das despesas sociais!

    Por outro lado esta imigração maciça provoca nos sectores onde incide uma pressão de baixa do preço do trabalho, provoca uma queda dos salários dos trabalhadores nacionais e uma pressão sobre os direitos laborais.

    Carvalho da Silva acaba desta forma por deixar cair precisamente aqueles que supostamente deveria proteger e que mais precisam dessa protecção, os trabalhadores mais vulneráveis e mais afectados pela imigração desregrada e pela globalização. O sindicalismo marxista, preso ao eterno dogma internacionalista, revela a sua verdadeira face e demonstra que a defesa do trabalhador nacional e europeu jamais poderá ser feita pela extrema-esquerda. É certo que os custos maiores dessa imigração ultrapassam o domínio económico, são sociais, culturais, “securitários”, e se isso é um raciocínio que está fora da matriz de pensamento marxista, mesmo no seu economicismo estreito a extrema-esquerda mostra a sua inconsciência.

    quarta-feira, fevereiro 01, 2006

    A decadência relativista

    Encontra os primeiros sintomas na Antiguidade, pelo menos. Heródoto é, talvez, o primeiro autor a fazer eco daquilo a que se chamaria relativismo cultural. Conta ele na sua obra que, nas suas viagens, o imperador Dario vira a diversidade. Na morte, por exemplo. Enquanto os gregos enterravam os seus mortos, os calatinos optavam por comê-los, deduzindo-se daí que nada mais era do que uma questão de convenção.

    Não foi o único. Também o filósofo Xenófanes repetirá uma argumentação idêntica, no seu caso em referência à religião. Dirá algo como, e cito de memória,"Nós representamos os deuses à nossa imagem. Os etíopes fazem o mesmo. E os animais, se tivessem mãos, representá-los-iam do mesmo modo". De onde se conclui novamente pelo relativismo. Pela convenção. Neste caso social.

    A religião cristã, o seu advento, a sua teologia, haveria de pôr um travão ligeiro a estas divagações, pelo menos no plano moral.Crítica à religião, ressurreição do que não morrera. Pelo século XVIII o relativismo volta em força. Três exemplos, entre muitos: Montesquieu e as lendárias Cartas Persas; Voltaire e o seu Ingénuo; Diderot e o Suplemento à Viagem do Bougainville, onde um embaraçado padre tenta explicar ao indígena Oru por que razão não pode aceitar a oferta de dormir com a filha ou a mulher daquele.

    Esta velha crença, de que as formas de expressão moral e cultural, embora diferentes, possuem valor equivalente, tem sido das mais nefastas na história do Ocidente. E repete-se hoje, com força. Já não se insinua, entra de rompante, impõe-se, invade. Problema? A sua falsidade. De um modo muito simples, as proposições relativistas resumem-se a uma essencial: Nenhuma cultura possui um valor especial. Culturas diferentes possuem códigos morais diferentes, os quais variam consoante as circunstâncias, palavra mágica que pode dizer tudo e nada. Naturalmente, se todas possuem esse valor, a nossa é apenas uma entre muitas, sem nada que a eleve acima das demais. Consequência óbvia: não julgueis para não serdes julgados. Afinal, o cristianismo andava mais próximo do que se pensava.

    Somos arrogantes. Não podemos ter a pretensão de julgar o diferente. Se olharmos para a televisão, se virmos os documentários, se lermos os relatos, as coisas parecem passar-se assim. Certo. O problema é que só estamos a ver a superfície.
    A crença relativista enraíza-se numa análise superficial dos costumes e das práticas. Ao dizer-nos que é tudo relativo, o nosso relativista esquece o fundamental: existem valores partilhados, existem valores universais. Se assim não fosse, há muito que a humanidade teria desaparecido. O relativismo funciona, mas só à superfície. Uns metros mais abaixo e falha redondamente, pois encontramos valores e comportamentos que são comuns a diferentes civilizações.Claro que nada disto interessa aos modernos relativistas. Só a diferença é importante. Falem-lhes na "diferença" e escutar-vos-ão. falem-lhes no "direito à diferença" e todas as portas se abrirão. Conseguimos atravessar qualquer Mar Vermelho.

    O problema é outra vez a superfície. A ilusão da diferença, que é, na realidade, a normalização. Porque o relativismo, na sua essência, quando aplicado conduz ao conformismo, conduz à asfixia da dissenção, ao silenciamento da verdadeira diferença. Sociedades conformistas são sociedades onde o progresso (moral e técnico) desaparece. São sociedades que sofrem de entropia. São sociedades que definharão. O relativismo, sob a sua aparência multicolor (vejam-se os garridos desfiles gays), abre caminho à pior normalização mental, ao banimento da dissemelhança. Se tu não és relativista estás fora da salvação. Então, para ser salvo, assumo que tudo é legítimo. Aceito e participo da corrosão. Os valores são corroídos, não transmutados, o que é algo bem diferente. No seu lugar fica uma imagem. Como a de Cristo, para os gnósticos. Estes novos gnósticos, estes homens e mulheres pneumáticos, possuidores da sabedoria, revelam-nos o seu desprezo. Impõem-nos o inaceitável. Ai de quem se levantar contra eles. O deus relativista pode ser pior do que em Cartago. E, aqui, não serão apenas as crianças a verem a cor das chamas.


    Texto do camarada T.Toledo