sexta-feira, março 31, 2006

Jean Mabire, Presente!

Jean Mabire morreu na passada quarta-feira, 29 Março de 2006. Jornalista, romancista, historiador, militante, combatente identitário de longa data, a sua escrita foi a do outro lado da História. Foi um homem fiel à sua Normandia natal e à Europa. A sua obra fala da guerra - sobretudo a segunda guerra mundial, as misérias e grandezas dos seus actores - e das tradições europeias.

Inicia a carreira com a revista «Viking» e, entre muitas outras, destacar-se-ão a sua colaboração na «Défense de l'Occident» de Maurice Bardèche e na «National- Hebdo». O seu nacionalismo, como a sua ideia de Europa, deve muito a Saint-Loup, Marc Augier para os conhecidos, antigo voluntário na frente leste e também ele romancista maior, que considerará o verdadeiro profeta da Europa das pátrias carnais, ideia que marca incontornavelmente o seu pensamento.

A sua era a Europa das etnias, a Europa das 360 bandeiras, como a definiria; era um opositor dos Estados que foram sendo edificados desrespeitando essa identidade primordial das pátrias. O europeísmo de Jean Mabire não se confundia com criações como a UE:«Esta ideia de Europa dos povos não surgiu de qualquer cimeira de Bruxelas ou Estrasburgo, mas da base. Nasceu de militantes enraizados na sua terra e não de funcionários internacionais tomados pela vontade de transformar a Europa tecnocrática num gigantesco puzzle».

Essa Europa de Mabire deveria preservar a sua identidade afirmando-se face ao resto do mundo e contrapondo-se ao imperialismo americano, e para isso teria de ser «una e diversa», dizia. Una politicamente, militarmente, diplomaticamente, economicamente, mas diversa culturalmente, preservando as identidades matriciais dos seus povos.

Em «La Torche et le Glaive» afirma: «Escrever, para mim, não é um prazer nem um privilégio. É um serviço como outro(…)Escrever deve ser um jogo perigoso. É a única nobreza do escritor, a sua única maneira de participar nas lutas da vida». Um serviço…No fundo talvez seja nesta sua obra que mais claramente encontramos o autor ao serviço de uma causa, da causa. Ele que sempre disse não ser um político serviu, da maneira que melhor sabia, a política pela arte; «La Torche et le Glaive» é uma récita literária, histórica, mas principalmente ideológica.

Ao longo das oito partes em que está dividido o livro somos conduzidos através da História do Velho Continente, da sua memória, confrontados com os problemas que o sistema actual põe às nações europeias e colocados perante os caminhos a percorrer, rumo a um Império Europeu assente no respeito pelas pátrias físicas, construído de baixo para cima, a partir das raízes profundas das diferentes culturas europeias e apostado na sua imortalidade.

Jean Mabire está já em Walhalla, a tocha fica connosco, e lembro uma frase do autor, que com simplicidade define toda a sua luta, a nossa luta: «A identidade de um povo é o seu espírito tanto quanto a sua carne».

Referências:

Jean Mabire, Ils ont rêvé l'Europe des Patries charnelles

Laurent Schang, Entretien exclusif avec Jean Mabire: Réflexions sur l’ «Aventurier »

quarta-feira, março 29, 2006

Os Protocolos de Harvard e Chicago

John Mearsheimer e Stephen Walt, respectivamente professores nas universidades de Chicago e de Harvard e especialistas em ciência política, são os autores de um trabalho de 83 páginas sobre a política externa norte-americana que está a causar polémica no país,«The Israel lobby and US foreign policy».

Nesse documento denunciam o poder do lobby judeu na determinação da política externa americana. Segundo os autores a intervenção no Iraque e as pressões para uma intervenção no Irão são o resultado da força desse mesmo lobby, que dirige a Casa Branca e define a política externa americana em prejuízo dos interesses nacionais e em benefício de um único país: Israel.

O documento traça a evolução e ascensão do referido poder, desde a década de 60 até ao presente. Nem todos os envolvidos são judeus, o lobby abarca gente de várias confissões e, sobretudo, de vários quadrantes políticos, dos democratas aos republicanos.

À direita encontramos instituições como o AEI e o Wall Street Journal, à esquerda a Brookings Institution e o New York Times, a dirigir a rede, funcionando como centro de coordenação, o AIPAC ( American Israel Public Affairs Committee). Estas ligações, atestam os autores, colocaram em perigo a segurança dos EUA e do mundo. Os autores afirmam ainda, claramente, que o surgimento da Al Qaeda não pode ser entendido sem ser à luz do conflito israelo-palestiniano e da posição americana face ao mesmo.

Inicialmente o documento trazia o selo da Universidade de Harvard mas posteriormente a instituição decidiu retirá-lo (pergunto-me porquê, e sim, estou a ser irónico…) afirmando que as opiniões expressas no documento responsabilizavam apenas os autores.

Bom, nada de surpreendente, todos os que acompanham a política norte-americana conhecem esta realidade e qualquer indivíduo que se decida a raciocinar sobre o assunto compreende que as intervenções americanas no Médio Oriente são ditadas por uma convergência de interesses económicos por um lado e interesses políticos ligados a Israel por outro. Neste blog já por diversas vezes apontei a influência desse lobby nos EUA e a ligação de instituições como o AEI ao mesmo, é uma situação conhecida na sociedade americana. Desta vez, porém, são reputados professores universitários de conceituadas universidades que o escalpelizam, o que confere outra notoriedade à denúncia e agrava as preocupações da imprensa judaica.

Segundo o trabalho apresentado pelos dois professores o lobby judaico estará também a pressionar Washington para uma intervenção no Irão, algo que os dois universitários consideram contraproducente: «Se Washington pôde viver com a União Soviética ou com uma China “nuclearizada”, pode fazê-lo também com Teerão»

Claro que as reacções não se fizeram esperar. Alan Dershowitz, professor de direito em Harvard e filho de judeus ortodoxos, desclassificou o trabalho afirmando que não se trata de um estudo académico mas antes da compilação de ideias plenas de ódio( cá está, começa sempre assim…) com frases e citações que circulam nos sites neo-nazis. E pronto, está feito! A ligação assassina. Os responsáveis pelo documento serão certamente nazis encapotados, como de resto o são todos os que se atrevem a denunciar a força judaica nas estruturas de poder dos EUA. Não interessa muito discutir a validade do que é escrito, não interessa rebater os argumentos do oponente, basta colocar-lhe o rótulo de emergência para todas as ocasiões, assim como um «pronto-a-servir», sempre à disposição: Nazi!

Mais curiosa foi a reacção do jornal israelita «Haaretz», que denominou o documento como «Os protocolos de Harvard e Chicago», comparando-o aos «Protocolos dos Sábios de Sião». Uma comparação desastrada… a não ser que o «Haaretz» pretenda reabilitar os «Protocolos dos Sábios de Sião».

*Com um agradecimento ao Nonas pelo artigo de Davide Frattini, no «Corriere della Sera», que me enviou

terça-feira, março 28, 2006

Rodrigo Emílio

Passam hoje dois anos sobre a morte do poeta.

Prefa(s)cio-II

De entre todos os motivos
porque sulco os loucos trilhos
de extermínio
em que me abismo,

sobressaem, sempre vivos:

os meus livros,
os meus filhos
e o fascínio
do fascismo.


Rodrigo Emílio

domingo, março 26, 2006

O estado dos artistas

Paulo Portas estreou o seu programa na Sic Notícias, «O Estado da Arte», a consagração definitiva do seu estatuto de figura política incontornável no panorama nacional...ah, a glória! Vi parte do dito programa e sobre o assunto tecerei aqui algumas observações.

Decidi começar por abordar o tema pegando no texto de Rui Tavares no «Público» de ontem. A coluna do jornalista é um ataque continuado a Portas, não que isso me chateie, mas as considerações do jornalista, calculo que de esquerda e ao serviço da mesma, merecem alguns comentários.

Rui Tavares começa por criticar uma afirmação de Portas, a de que a democracia na Índia seria uma homenagem ao Império Britânico. Lembra o cronista que, na realidade, os indianos conseguiram a independência em luta contra a coroa britânica e que o Império de Sua Majestade criou alguns problemas que se prolongam até aos dias de hoje, o Afeganistão, o Paquistão e o Iraque.

Em relação a este último escreve Rui Tavares: «No caso do Iraque, a herança é pesada: em 1919 os ingleses anexaram três províncias autónomas( e relativamente sossegadas) do Império Otomano, Mossul, de maioria curda, Babilónia de maioria sunita e Bassorá de maioria xiita, e juntaram as três num só Estado, rico em petróleo a sul e norte e dominado pela minoria sunita do centro. Quase cem anos depois ainda não se descobriu o que fazer com tão brilhante ideia. Mas Paulo Portas certamente que se esqueceu destas três ex-colónias de Sua Majestade, até porque são países que aparecem pouco nas notícias. Como na Índia, onde as coisas correram “bem”, o resultado só pode ser uma homenagem ao Império Britânico, também nos outros lugares, onde as coisas correram se calhar “menos bem”, a culpa simplesmente não pode ter sido dos nossos louros e infalíveis primos de além-Mancha.»

As coisas não correram «bem» no Iraque precisamente porque, como inadvertidamente reconhece o jornalista, o Estado iraquiano foi uma construção multiétnica sem real base histórica, uma invenção que juntou debaixo da mesma autoridade etnias distintas e que só a força manteve agregadas; e ainda assim com tensões permanentes entre os diferentes grupos. O Iraque nunca foi uma nação porque uma nação caracteriza-se exactamente pela homogeneidade étnica e cultural que é provida pelo sangue e pela História. Não há nada de particularmente espantoso nos problemas internos desse Estado artificial. Estados multiétnicos são muito mais instáveis e passíveis de contínuos conflitos internos, e tanto mais quanto se trate de organizações democráticas; excepto se um dos grupos for claramente maioritário e os restantes não tiverem real expressão relativa.

Mas será verdade que as coisas na Índia correram «bem»? Não completamente. É preciso lembrar a História da Índia colonial para perceber, uma vez mais, que não foi assim e que as razões foram as mesmas que abordei acima. Em 1947 deu-se uma secessão territorial a norte formando o Estado do Paquistão, isto derivou da existência de uma maioria muçulmana nessa área. Em 1971, a minoria bengali, naquilo que era o Paquistão Oriental, e na sequência de uma terceira guerra entre a Índia e o Paquistão, formou o Estado do Bangladesh. Este caso é particularmente interessante porque a esmagadora maioria dos bengali são muçulmanos, e no entanto nem essa unidade religiosa evitou a criação de um novo Estado. Aquilo que é hoje a Índia é apenas parte do que foram os territórios administrados pelo Império Britânico, as diferenças étnicas e religiosas levaram à natural partição das terras e à constituição de novos países. E se a Índia é um caso mais ou menos «bem sucedido» de democracia deve-o à natureza muito específica da religião largamente dominante no país, o hinduísmo, professada por mais de 80% da população.

Curiosamente, Rui Tavares, depois de continuar o seu ataque a Portas ao longo do artigo, afirma, para o fim, o seguinte: «Aliás, tratando-se de Portas, não é preciso ser nenhum Zandinga para saber que depois da insegurança vem sempre a imigração. Sobre esta última, Paulo Portas gabou a superioridade da “sua” política afirmando que no tempo de Guterres tinham entrado 200 mil imigrantes e no tempo do centro-direita apenas 80 mil. Esqueçamos que Guterres esteve seis anos no governo e não três. Não falemos sequer das vantagens de terem entrado imigrantes.»

Ora, primeiramente, Portas falou da imigração subsequentemente ao tema da insegurança por ter sido essa a ordem em que a entrevistadora lhe colocou as perguntas, como o próprio cronista do «Público» reconhece, a não ser que Rui Tavares esteja a insinuar que foi Portas quem o exigiu à jornalista ele não terá qualquer responsabilidade na ordem das questões abordadas. A afirmação de Rui Tavares é não só um exercício básico de manipulação como um desrespeito à sua colega de profissão. Mas mais interessante é a insinuação de que o tema da insegurança nada teria a ver com o da imigração... pois bem, são as estatísticas de vários países que confirmam essa relação, não ficamos por isso a saber com base em quê descarta Rui Tavares essa relação, ou melhor, ficamos, com base na sua ideologia, na apologia da esquerda que resulta clara em todo o artigo.

Mas o mais curioso é a frase final deste excerto: «Não falemos sequer das vantagens de terem entrado imigrantes».Falemos, falemos. Quais são elas? Isso é que Rui Tavares deveria dizer, mas não diz, uma vez mais é a ideologia a falar, nada para além disso. As vantagens da entrada de imigrantes são largamente ultrapassadas pelas desvantagens. Já o referi, não há justificação económica para a política de imigração sem critério que existe em Portugal e na Europa, antes pelo contrário. E no mais, o impacto principal da imigração numa nação não é uma questão nem meramente económica nem sequer sobretudo económica, as questões sociais, culturais e identitárias ultrapassam a dimensão economicista, mas mesmo esta, como já disse anteriormente, não justifica a imigração corrente, renega-a. Quais são então essas vantagens? Ficamos sem as conhecer, apenas compreendemos que ao jornalista move uma aversão política face a Portas e nada mais.

E o mais espantoso nisto é que Rui Tavares reconhece que as razões por detrás dos problemas de coesão do Iraque resultam da convivência sob a mesma autoridade estatal de identidades etno-culturais distintas mas depois advoga, precisamente pela defesa da imigração desregrada que assola Portugal e a Europa, a criação do mesmo tipo de realidades no interior das nossas fronteiras! É que a imigração maciça para a Europa está a criar comunidades com identidades ainda mais distintas do que aquelas que existiam no Iraque. A lição da secessão do Paquistão da Índia pela existência a norte duma região de maioria islâmica não leva Rui Tavares e seus correligionários pró-imigracionistas a reflectirem que a imigração islâmica para a Europa poderá conduzir ao mesmo tipo de situação? Nem a lição do Kosovo lhes chegou. Estão cegos pela doutrinação esquerdista. E não compreendem sequer que na Europa grande parte da imigração não só é etnicamente distinta das comunidades de recepção como, na maioria dos casos, é racialmente distinta( o que não sucedia, por exemplo, no caso iraquiano), o que ajuda ainda mais a aumentar a distância entre comunidades. Ou seja, sabe o que está na origem da instabilidade histórica do Iraque mas apoia a «iraquização» da Europa.

Quando os nacionalistas alertam para a situação são fascistas, autoritaristas, nazis, xenófobos, seja o que forem, e no entanto limitamo-nos a compreender as lições da História. Quando na Europa começarem a fazer-se sentir os problemas que sempre ocorreram onde faltou a unidade étnica e cultural, quando reivindicações separatistas, autonómicas, fronteiriças, começarem a surgir, ninguém se lembrará de quem em tempo útil tentou defender a integridade nacional. Lembrar-nos-emos nós!

Quando a democracia for colocada em causa e para manter agregados certos Estados for necessário impor regimes autoritários ninguém se lembrará de quem alertou para a incompatibilidade de fazer conviver democraticamente populações com culturas antagónicas no mesmo espaço político. Lembrar-nos-emos nós, os fascistas, os autoritários, os inimigos da liberdade.

Quando as medidas de «affirmative action» começarem a ser implementadas e quotas para grupos étnicos surgirem em todos os níveis da vida civil, fazendo recair sobre os europeus os custos económicos e sociais das populações que nos invadem, ninguém se lembrará de quem o afirmou quando ainda era possível reagir. Lembrar-nos-emos nós, os «discriminadores».

Em relação ao que ouvi de Paulo Portas algumas notas breves, porque a demonstração de vazio intelectual a que assisti não merece mais.

A dada altura o antigo líder popular afirmou, a propósito das eleições directas nos partidos, não acreditar no dogma da multidão, prefere antes a democracia representativa, que diz ser superior. Muito interessante esta posição de Portas; é que foi precisamente com base no dogma da multidão e da democracia directa que o PP «venceu» o referendo ao aborto e foi precisamente alegando essa legitimidade das «multidões» que o PP de Portas se opôs a qualquer alteração da lei no parlamento, afinal expoente máximo da democracia representativa a que Portas agora reconhece superioridade. Calculo então que hoje o antigo líder do PP não obstasse a que, como exigia a extrema-esquerda, a lei sobre o aborto fosse simplesmente alterada na Assembleia da República, sem recurso a nova consulta popular. De facto a temporada passada nos «States» e a amizade cultivada com Rumsfeld e companhia fez-lhe bem, regressou com a lição neoconservadora bem estudada.

Sobre a contestação à lei da nacionalidade com base na possibilidade de um candidato à naturalização poder cometer um crime e ainda assim obter o estatuto de cidadão nacional não vejo nada de louvável na posição de Portas. O absurdo de naturalizar criminosos não deveria servir para dividir posições de esquerda e direita mas antes idiotas de gente sensata. Que a lei tenha passado sem qualquer voto contra diz muito sobre as pessoas que se sentam no parlamento português. Que a bancada parlamentar do CDS/PP se tenha abstido diz muito sobre o partido do qual Paulo Portas é figura maior; foi um acto de inacreditável hipocrisia, cobardia e demissão política, a abstenção não foi mais que uma manobra de diversão. De resto a lei é de tal forma atentatória da identidade nacional que não seria sequer aceitável rejeitá-la apenas com base nessa questão. Se é apenas a isso que se agarra o PP e Portas é porque o partido dele foi co-responsável na elaboração do documento. As declarações do representante máximo do ACIME aquando da aprovação da lei dizem tudo o que há para dizer sobre o CDS/PP:«Em nenhum outro país da Europa conseguiríamos aprovar esta lei sem a oposição da direita». Pois, nós sabemos senhor comissário…

Falando da insegurança defendeu a imputabilidade criminal aos 14 anos, menos mal, alguma coisa de positivo haveria de dizer.

Agora as declarações de Portas sobre a imigração... Foram de uma pobreza desoladora e muito clarificadoras quanto ao que é hoje a direita portuguesa. Portas criticou a política de imigração dos socialistas justificando a necessidade de «controlar o fenómeno»( mas não muito) porque estando o país numa crise e o desemprego em alta é necessário ser mais cauteloso na entrada de imigrantes por forma a limitar o eventual crescimento de movimentos xenófobos! Disse o entrevistado que posteriormente, quando a economia recuperar, se deverá aumentar o fluxo imigratório. Uma visão estritamente utilitária da questão e apenas isso.

De ir às lágrimas… digo que fiquei verdadeiramente sensibilizado com as preocupações anti-racistas de Portas mas o que mais me interessou naquelas declarações do ex-dirigente partidário foi a total ausência de um critério por detrás das suas posições face à imigração que não fosse conjuntural. Não há uma ideia de identidade nacional subjacente às visões de Portas sobre o assunto( como aliás já não havia no respeitante à lei da nacionalidade, criticada por meras questões securitárias e nada mais), o impacto da imigração sobre a nação, enquanto entidade histórica, é inexistente para Portas, resume-se a questão ao controlo de movimentos xenófobos e ao mercado. Não há uma concepção de pátria, de identidade, de comunidade nacional, nada, zero…

São bons artistas, de facto, eu é que há muito deixei de gostar de circo.

sexta-feira, março 24, 2006

Guerras geopolíticas

O triunfo de Alexander Lukachenko nas recentes eleições bielorussas significou um pequeno contratempo na estratégia «ocidental» de isolamento da Rússia e domínio geopolítico da região. Para a Rússia foi uma pequena vitória que, depois dos danos de influência sofridos nas eleições da Ucrânia e da Geórgia, acaba por ter um significado maior que a manutenção da preponderância num país de 10 milhões de habitantes faria supor noutras condições.

O Ocidente, EUA e UE, apoiavam o candidato da oposição, Alexander Milinkevich, contra o regime de Lukachenko, que apelidaram de autoritário, totalitarista, anti-democrático…as palavras mágicas. Não é mentira que o regime bielorusso seja autoritário mas o que está realmente em jogo na Bielorússia nada tem a ver com a vontade americana ou europeia de fazer vingar os valores da liberdade e democracia. São questões geoestratégicas que contam realmente, ali como em todos os pontos do planeta onde as forças euro-americanas( isto é, os EUA e os seguidistas europeus) intervieram, supostamente em nome dos valores democráticos. O problema é que, ao contrário do que sucedia com outros Estados, a Bielorússia está na área de influência estratégica de Moscovo e portanto o assunto tem de ser conduzido com dobrado cuidado.

O isolamento russo e o novo século anglo-judaico

Quando abordei o tema da guerra na Jugoslávia referi que um dos objectivos por detrás da complexa questão do desmembramento do antigo estado balcânico era precisamente o isolamento da Rússia. O «Diário de Notícias» de ontem traz uma pequena crónica que enuncia o apoio dado pelo «Ocidente», sobretudo através dos EUA, a certas forças políticas em países do antigo bloco comunista.

Diz o jornal que vários movimentos políticos, com forte apoio estudantil - no fundo é um velho padrão, são os jovens os mais susceptíveis de serem manietados nestes jogos e os mais capazes de criar agitação – financiados pela UE e particularmente pelos EUA, sobretudo através de George Soros, se têm notabilizado pela acção subversiva que tem feito cair vários regimes nos países saídos das antigas repúblicas soviéticas. Ao traçar a história destes movimentos patrocinados por EUA e UE concluímos que se iniciaram com o Otpor, na antiga Jugoslávia, que foi uma das forças com principais responsabilidades na queda de Milosevic; ficaram célebres as acções de protesto nas ruas e os tais 20 000 «democratas» em Belgrado contra Milosevic( só no seu funeral, apesar de todos os boicotes, compareceram 100 000 pessoas).

Em 2003, na Geórgia, um movimento político que beneficiou da experiência do Otpor sérvio, e dos mesmos apoios, o Kmara, conseguiu contribuir para fazer cair Chevardnadze, que em conflito com os EUA procurou apoio junto do regime Russo( com quem havia tido no passado também sérios problemas). Era a «revolução Rosa». A Rússia sofria mais uma derrota na sua zona estratégica, o «Ocidente» conseguia mais uma vitória para a «democracia». Em 2004, na Ucrânia, um movimento denominado Pora, uma vez mais financiado pelo «Ocidente», estaria na primeira linha da luta contra Lanukovich, o candidato apoiado por Moscovo. A pressão popular, a «onda laranja», contesta nas ruas, em Novembro e Dezembro, a vitória do candidato pró-Moscovo nas eleições, as pressões resultam e numa terceira volta, Viktor Luchtchenko, o candidato apoiado pelo «Ocidente» e suportado nas ruas pelo Pora, vence. A «revolução laranja» estava alcançada e , uma vez mais, Moscovo perdia. Agora surge na Bielorússia o Zubr, um movimento com características similares aos anteriores e com os mesmos objectivos, que se prepara para levar a cabo no país o mesmo tipo de actuação que conduziu à queda dos regimes próximos de Moscovo nos casos supracitados. O cerco à Rússia aperta, rumo ao estabelecimento do mundo unipolar onde o grande eixo de poder é o anglo-israelita.

Natureza e importância da relação entre a Rússia e a Bielorússia

A situação social e económica na Bielorússia não permitiu a vitória da oposição apoiada pelo «Ocidente» e não o permitirá nos tempos mais próximos. São vários os factores que asseguram à Rússia, no curto prazo, a estabilidade do regime de Lukachenko.

Os salários na Bielorússia têm subido a taxas de dois dígitos anuais e o presidente mantém sobre o país um controlo muito superior ao que os anteriores presidentes da Geórgia ou Ucrânia alguma vez conseguiram. Os funcionários públicos nos cargos de chefia são formados por um instituto político que molda ideologicamente todos aqueles que pretendem aspirar a subir na hierarquia estatal, e num país onde a economia permanece completamente controlada pelo Estado isto marca toda a diferença. Na Bielorússia 3/4 da produção advêm do sector público. A população, goza de relativa prosperidade, em 2004 o país cresceu 11% e em 2005 9%, o país continua a ter indústrias com forte capacidade de penetração nos mercados regionais, nas áreas do aço, fertilizantes e na produção de tractores, frigoríficos e televisões. Nas presentes condições bem pode o «Ocidente» queixar-se do autoritarismo do regime, para a população será indiferente, é improvável fazer cair no imediato o regime de Lukachenko, com ou sem eleições «justas». Os EUA e a UE sabem isto e, consequentemente, a acção do Zubr é de médio prazo, necessita de esperar pela inversão das tendências económicas do país.

Nesta conjuntura as relações com Moscovo são de primordial importância, tanto para um lado como para outro. A Bielorússia tem beneficiado da abertura do mercado russo aos seus produtos e sobretudo, beneficia da ajuda de Moscovo no que concerne ao fornecimento de petróleo e gás. A Rússia tem vendido petróleo à Bielorússia a 60% do preço de transacção internacional e tem fornecido gás a preços igualmente abaixo dos determinados pelo mercado internacional. Para a Rússia o pais vizinho tem também importância económica( para além de geopolítica). A Bielorússia é o segundo parceiro comercial da Rússia a seguir à Alemanha, faz parte dos acordos comerciais assinados com as antigas repúblicas soviéticas, e entre os dois países está na forja uma união comercial bilateral. A Bielorússia também fabrica parte dos mísseis russos, exporta para Moscovo 2/3 da sua produção de defesa militar e está integrada no sistema russo de defesa aérea. Com estas condicionantes a natureza da relação entre os dois Estados é de enorme proximidade e de ganhos bilaterais.

A geopolítica da região e as guerras da energia

As «revoluções das cores», patrocinadas por Washington, como ficaram conhecidas as movimentações que levaram à alteração( ou tentativa) dos regimes da região, não serão indiferentes à luta pelo controlo das rotas energéticas na área e à tentativa de fazer depender o menos possível da Rússia os países circundantes. A situação da Ásia central e do Mar Cáspio não pode ser completamente entendida sem compreender que falamos de uma zona com petróleo e gás.

O oleoduto que liga Baku a Ceyhan na Turquia, numa zona próxima de bases norte-americanas, passa pela Geórgia, a mudança de regime em Tbilisi permitiu aos EUA controlar por completo o trajecto do oleoduto, visto que o regime de Baku, embora incómodo e pouco fiável, já se contava entre os seus aliados. Ao conseguir afastar a Geórgia da influência russa, os EUA conseguiram reforçar decisivamente a sua influência sobre o Mar Cáspio e as rotas petrolíferas da região.

Na Ucrânia, depois de uma reunião com o Fórum económico de Davos, em Junho de 2005, o novo regime apoiado pelo «Ocidente» afirmou a vontade de construir novas infra-estruturas , para lá do já existente oleoduto Brody-Odessa, que permitiriam reduzir a sua dependência de Moscovo no tocante ao gás e ao petróleo, ou seja, afastar decididamente a Ucrânia da Rússia no capítulo energético. A construção desse projecto seria feita em cooperação com a «Chevron», uma empresa ligada à administração Bush e na qual Condoleezza Rice ocupou importante cargo de direcção.

Com estas alterações políticas os EUA reforçaram a sua influência sobre os mercados energéticos da região e a capacidade de acesso e controlo do Mar Cáspio e do Mar Negro, ao mesmo tempo que enfraqueceram a influência russa nessas áreas. Simultaneamente, os países que sofreram alterações de regime, «democratizados» agora, procuram um afastamento económico da Rússia, diminuindo as oportunidades de penetração de Moscovo nos seus mercados.

E agora Rússia?

A vitória de Lukachenko na Bielorússia garantiu a Moscovo algum tempo. Por enquanto a Bielorússia continuará sob a influência estratégica da Rússia, o que, face às perdas geopolíticas sofridas por Moscovo na região, não é um pormenor de somenos importância. Mas a Rússia não poderá continuar a fornecer energia à Bielorússia abaixo do preço de mercado ad eternum. Por outro lado a economia bielorussa é demasiado estatista e precisará a curto/médio prazo de ser diversificada e liberalizada. Não será possível resistir a essa tendência quando os indicadores económicos começarem a alterar o seu sentido.

Assim que a economia bielorussa começar a abrir Moscovo deve estar preparada para entrar nas empresas principais do país e antecipar qualquer tentativa do género por parte do «Ocidente».Controlar as actuais grandes empresas estatais da Bielorússia garantirá a Moscovo um controlo indirecto sobre o vizinho e a manutenção de relações privilegiadas. É de extrema importância que a diplomacia russa saiba agir e comece no imediato a preparar terreno para essa ofensiva económica, sobretudo não deve cometer o erro do passado quando cortou o fornecimento de gás à Bielorússia. A diplomacia da força será um erro crasso que Moscovo pagará em detrimento da UE. É preciso que Moscovo compreenda que a Bielorússia tem na UE um parceiro económico de igual importância e que a dependência face a Moscovo não deixa de ser para a opinião pública bielorussa e para o próprio regime preocupante. Impõe-se agir com tacto.

Por outro lado a Rússia precisa de colocar os serviços de informação a trabalhar, os movimentos de oposição financiados pelos americanos e pela UE começarão a sua tarefa de desgaste do regime de Lukachenko e Moscovo deve saber antecipar as evoluções possíveis do sistema. É importante que a Rússia apoie financeiramente os projectos principais da agenda bielorussa de forma a minar a capacidade de desgaste do actual poder no curto prazo ao mesmo tempo que acompanha, encoraja e dirige, no sentido dos seus interesses, a progressiva reforma económica que irremediavelmente terá de surgir.

Durante este período a Rússia deve igualmente agir sobre a Geórgia e a Ucrânia, após a fase de «euforia democrática» o regime de Kiev começa já a enfrentar alguns problemas de credibilidade interna. Apoiar as oposições formais e informais aos novos poderes é tarefa urgente.

Na próxima década decidir-se-á o futuro da Rússia como contra-poder a Washington. Neste momento o país está forçado a manter uma aliança contra-natura com a China que representa uma ameaça à sua influência na zona e ao seu controlo sobre a Sibéria. Recuperar o domínio estratégico sobre as antigas repúblicas soviéticas é fulcral neste quadro ou o país ficará reduzido a uma posição secundária no xadrez internacional, subjugado à forca chinesa a oriente e à Europa controlada por Washington a ocidente.

Por que é isto importante para os movimentos nacionalistas? Porque a hegemonia do eixo anglo-israelita é o sustentáculo do sistema que subjuga os movimentos nacionalistas. O surgimento de vários pólos de poder não só poderia permitir aos movimentos políticos dissidentes eventuais pontos de apoio como alteraria o papel estratégico da Europa. Paralelamente a ascensão da Rússia actualizaria novamente a relevância do eixo Paris-Berlim-Moscovo, fulcral para a ideia de uma Europa Potência assente em princípios identitários, que não esta caricatura chamada UE.

terça-feira, março 21, 2006

A pátria traída pela República

«A pátria traída pela República» é um artigo publicado por Jean Raspail no «Le Figaro» a 17 de Junho de 2004. Jean Raspail foi o autor de «Le Camp des Saints» que Samuel Francis considerou, juntamente com «1984» de Orwell e «Admirável Mundo Novo» de Huxley , uma das 3 obras proféticas sobre a derrocada do Ocidente. Neste artigo Raspail volta a pegar no tema proibido que eternizou «Le Camp des Saints», num tom de pessimismo, ou talvez realismo, que atravessa todo o texto, fazendo pesar sobre ele o desencanto de quem vê a pátria atraiçoada e numa marcha acelerada para a morte sem que aviste a reacção. A dado momento,porém, um assomo de esperança, sonha ainda a Reconquista…

Texto com algumas reflexões fulcrais, sobre a essência da nação, que é carnal, como ele afirma sem lugar a dúvidas, sobre a distinção entre a nação e as formas de governo ou o Estado, sobretudo a distinção entre a natureza particular, identitária, da nação e a ideologia republicana, esta última universalista por excelência.

O artigo é de actualidade plena para toda a Europa, como Raspail confirma, mas sobretudo para Portugal, a analogia com o que sucede no nosso país é completa, dir-se-ia falar da nossa pátria, também ela traída pela República.

Para melhor enquadrar o artigo convém esclarecer que Jean Raspail é monárquico e tradicionalista católico. Adicionei também algumas notas explicativas que poderão eventualmente ser úteis a quem ler o texto. Aqui fica então:

Andei de volta deste tema como um treinador de um cão polícia em torno de uma bomba. Difícil de abordar de frente sem que vos expluda na cara. Há perigo de morte civil. É, no entanto, a interrogação capital. Hesitei. Ainda mais porque em 1973, ao publicar «Le Camp des Saints», já tinha dito, mais ou menos, tudo. Não tenho grande coisa a acrescentar excepto que o facto está consumado.

Porque estou convencido que o nosso destino de franceses está selado, porque « a minha casa é a casa deles»(Mitterrand), no seio de uma «Europa cujas raízes são tão muçulmanas quanto cristãs»( Chirac), porque a situação é irreversível até à transformação definitiva por volta de 2050 que verá os «franceses de gema» contarem-se somente entre a metade mais envelhecida da população do país, o resto será composto por africanos, magrebinos, ou negros e asiáticos de todas as proveniências saídos do reservatório inesgotável do terceiro-mundo, com forte predominância islâmica, jihadistas e fundamentalistas incluídos, essa dança está apenas a começar.

A França não é a única atingida. Toda a Europa marcha para a morte. As advertências não têm falta de relatórios da ONU( que se regozija), trabalhos incontornáveis de Jean-Claude Chesnais e Santiago Dupâquier, nomeadamente, mas são sistematicamente ocultados e o INED[1] promove a desinformação. O silêncio quase sepulcral dos media, dos governos e das instituições comunitárias sobre o crash demográfico da Europa dos quinze é um dos fenómenos mais incríveis da nossa época. Quando há um nascimento na minha família ou na de amigos meus não consigo olhar esse bebé sem imaginar o que se prepara para ele na incúria dos «governos» e aquilo que deverá enfrentar na sua idade adulta…

Sem contar que os «franceses de gema», matraqueados pelo tam-tam lancinante dos direitos do homem, do «acolhimento do outro», da «partilha» cara aos nossos bispos, etc., enquadrados por todo um arsenal repressivo de leis ditas «anti-racistas», condicionados desde a infância para a «mestiçagem» cultural e comportamental, pelos imperativos da «França plural» e por todas as derivas da antiga caridade cristã, não terão outra alternativa que baixar as guardas e fundir-se sem protestar na nova massa citadina da França de 2050.Não desesperemos apesar de tudo. Seguramente subsistirão aqueles que chamamos em etnologia os «isolados», possantes minorias, talvez uns quinze milhões de franceses, e nem todos necessariamente de raça branca, que falarão ainda a nossa língua, na sua integridade mais ou menos salvaguardada, e insistirão em permanecer impregnados da nossa cultura e da nossa História, tal como nos foram transmitidas de geração em geração. Isto não lhes será fácil.

Face às diferentes «comunidades» que vemos formarem-se hoje sobre as ruínas da integração( ou antes sobre a sua inversão progressiva: somos nós que nos integramos no «outro», no presente, e não o contrário) e que em 2050 estarão definitivamente e sem dúvida institucionalmente instalados, tratar-se-á de certa forma, e procuro um termo apropriado, de uma comunidade da perenidade francesa. Esta apoiar-se-á sobre as suas famílias, a sua natalidade, a sua endogamia de sobrevivência, as suas escolas, as suas redes paralelas de solidariedade, talvez mesmo as suas zonas geográficas, as suas porções de território, os seus quarteirões, vejamos, os seus lugares de segurança e, porque não, a sua fé cristã, e católica com um pouco de sorte se esse cimento ainda valer.

Isso não agradará. O choque ocorrerá num momento ou noutro. Algo como a eliminação dos Koulaks[2] por meios legais apropriados. E depois?

Depois a França não será mais povoada, sem distinção de origens, que por crustáceos que viverão em carapaças abandonadas pelos representantes de uma espécie já desaparecida que se chamava a espécie francesa e que não anunciava em nada a metamorfose genética que daria origem à espécie que na segunda metade deste século se apropriaria do seu nome. Este processo já começou.

Existe uma segunda hipótese que não saberia formular senão em privado e que exigiria antes que consultasse o meu advogado, é que os últimos «isolados» resistam até ao ponto de se aventurarem numa espécie de reconquista, sem dúvida diferente da espanhola mas inspirando-se nos mesmo motivos. Haveria um romance perigoso a escrever sobre isso. Não sou eu que me encarregarei de o fazer, eu já contribui. O seu autor não é provavelmente ainda vivo, mas este livro verá o dia no momento justo, estou certo disso…

O que não consigo compreender e que me submerge num abismo de perplexidade aflitiva é porquê e como tantos franceses informados e tantos homens políticos franceses contribuem conscientemente, metodicamente, não ouso dizer cinicamente, para a imolação de uma certa França (evitemos o qualificativo de eterna que repugna as belas consciências) sobre o altar do humanismo utópico exacerbado. Coloco-me a mesma questão a propósito de todas estas associações omnipresentes de direitos daqui, direitos dacolá, e todas estas ligas, estas sociedades de pensamento, estas oficinas subvencionadas, estas redes de manipuladores infiltrados em todas as engrenagens do Estado( educação, magistratura, partidos políticos, sindicatos, etc.), estes peticionários inumeráveis, estes media correctamente consensuais e todos estes «inteligentes» que dia após dia e impunemente injectam a sua substância anestesiante no organismo ainda são da nação francesa.

Mesmo se posso, no limite, reconhecer-lhes uma parte de sinceridade, dá-se o caso de sentir pena de admitir que são meus compatriotas. Surge-me a palavra «renegado» mas há outra explicação: eles confundem a França com a República. Os «valores republicanos» declamam-se ad infinitum, sabemo-los até a exaustão, mas nunca com referências à França. Ora a França é em primeiro lugar uma pátria carnal. Pelo contrário a República, que não é mais que uma forma de governo, é sinónimo para eles de ideologia, ideologia com um «I» maiúsculo, a ideologia maior. Parece-me que, de qualquer maneira, traem a França pela República.

Entre o mar de referências que acumulo em espessos dossiers de apoio a este balanço há aqui uma que, debaixo da aparência inocente, ilustra bem a amplitude dos danos. É extraída de um discurso de Laurent Fabius ao congresso socialista de Dijon, em 17 de Maio de 2003:«Quando a Marianne[3] dos nossos municípios assumir a bela face de uma jovem francesa saída da imigração, nesse dia a França haverá transposto um marco fazendo viver plenamente os valores da República…»

Posto que estamos em citações, eis aqui duas, para concluir:«nenhum número de bombas atómicas poderá impedir o maremoto constituído pelos milhões de seres humanos que partirão um dia da parte meridional e pobre do mundo para irromper nos espaços relativamente abertos do rico hemisfério setentrional, em busca de sobrevivência»( Presidente Boumediene[4], Março de 1974).

E esta, tirada do capítulo XX do Apocalipse: «O tempo dos mil anos termina. Saem as nações que estão nos quatro cantos da terra e que igualam em número a areia do mar. Elas partirão em expedição sobre a superfície da terra, avançarão sobre o campo dos santos e a cidade bem amada»


[1] INED- Instituto Nacional de Estudos Demográficos

[2] camponeses e artesãos russos perseguidos pelo regime soviético

[3] o busto de Marianne é um dos símbolos da República e é esculpido representando uma mulher francesa, algumas actrizes já serviram de inspiração a essa estátua, como Brigitte Bardot ou Catherine Deneuve.

[4] Houari Boumediene foi um antigo presidente argelino.

sexta-feira, março 17, 2006

Nova vaga

O governo prepara-se para implementar uma nova lei da imigração que facilitará a entrada de imigrantes em Portugal. Os imigrantes deixarão de precisar ter um contrato de trabalho celebrado antes de entrar em Portugal, bastará um visto de residência. Além disso cria-se o estatuto de residente de longa duração, que permitirá, segundo o governo, uma “protecção acrescida”, ou seja, um provável aumento dos custos sociais.

Depois da alteração à lei da nacionalidade (que deveria ser denominada lei da irracionalidade) e não contente com o caos que se prevê daí resultante o governo decidiu aumentar ainda mais os incentivos à imigração descontrolada para Portugal. O objectivo parece ser acabar com a percepção de identidade nacional o mais rapidamente possível, que o tempo urge.

O argumento de que esta alteração de critério permitirá a inserção dos imigrantes e portanto favorecerá a sua contribuição para o sistema oculta o essencial: essa contribuição imigrante não traz significativos benefícios económicos ao país, ao contrário do que afirma a propaganda oficial.

Comecemos pelos efeitos sobre o rendimento da população nacional;

Mesmo se a entrada de imigrantes tender a provocar um aumento do PIB esse aumento será sobretudo absorvido pelos salários da população imigrante. O ganho total de rendimento para os nacionais será diminuto podendo mesmo ser negativo. A imigração provoca por outro lado uma redistribuição considerável do rendimento relacionada com a diferença de qualificações entre os imigrantes e a população nacional.

Os nacionais com aptidões similares às dos imigrantes ou que concorrem nos mesmos segmentos de mercado perdem rendimentos ao passo que aqueles que beneficiam da oferta de trabalho (empregadores) dessa imigração tendem a ganhar.Isto significa uma redistribuição do rendimento dos mais pobres para os mais ricos com um consequente aumento da desigualdade nas sociedades que recebem essa imigração.

Devido às imperfeições do mercado de trabalho uma parte do efeito rendimento sobre os nacionais será substituído por efeitos ao nível do emprego, o que significa que a baixa de salários provocada pelos imigrantes acabará por ser parcialmente substituída por desemprego.

Os efeitos da imigração sobre as finanças públicas, ao contrário das certezas que nos prendem impor, são igualmente potencialmente negativos. Tomemos em atenção a contribuição ao longo do ciclo de vida dos imigrantes para o sistema do país de acolhimento;

Os imigrantes que entrem no mercado de trabalho até cerca dos 25 anos( tomando esta por idade padrão para o início da vida activa), que possuam elevadas qualificações e que por via disso consigam uma boa performance salarial poderão dar um contributo relativamente positivo, porém, a idade, as qualificações e os níveis salariais do imigrante médio que entra na Europa ocidental( e naturalmente em Portugal) não corresponde de todo a este modelo; e é precisamente por isso que o típico imigrante não ocidental constitui antes um peso para o orçamento público. Isto não é o mero resultado do baixo rendimento salarial mas também, obviamente, dos abrangentes sistemas de protecção social da Europa. Os únicos imigrantes que constituem um benefício registável para as finanças públicas são os que se inserem nos sectores de alta produtividade, manifestamente estes não são os que a Europa recebe. A verdade é que a imigração não constitui um factor de alívio das finanças públicas capaz de compensar os custos governamentais associados ao envelhecimento populacional.

Não existe nada na teoria económica que sustente o tipo de imigração que invade, literalmente, a Europa. Mesmo a assumpção convencional de que a imigração seria necessária para compensar o declínio populacional é discutível, uma vez que a estrutura organizacional e a tecnologia podem ser substitutos para o factor trabalho. E a questão demográfica levanta questões mais sérias, há várias décadas que os governos europeus estão a par das tendências declinantes da natalidade europeia, incapaz de assegurar a substituição populacional, no entanto nada fizeram ou fazem para alterar verdadeiramente essa situação e estimular a natalidade dos nacionais de modo a assegurar a continuidade da nação, do seu povo, que deveria ser a responsabilidade primeira de qualquer governo.

A conjugação destas constatações só nos pode levar a concluir que por detrás de tudo isto estão razões fundamentalmente políticas, por um lado pela transformação das causas político-sociais dominantes, por outro a destruição do sentido de pertença nacional garante a médio prazo a fragilização da resistência face aos fenómenos de mundialização.

terça-feira, março 14, 2006

Uma morte oportuna

Slobodan Milosevic morreu! Não foi, de facto, um homem de paz, e provavelmente nunca o poderia ter sido, viveu tempos de guerra e ele era o líder de uma nação atacada em várias frentes. Os homens são muitas vezes ultrapassados pela História e tantas vezes não podem fazer mais que representar honradamente o papel que o destino lhes fez caber. Quanto a mim reconheço-lhe exactamente isso. A sua luta foi sempre em defesa da Sérvia e, como tal, recordo-o como um patriota.

Não duvido que nos inúmeros confrontos militares que se sucederam na região tenham sido cometidas atrocidades, é sempre assim em qualquer guerra, concerteza muitas delas pelas forças sérvias, mas de forma alguma serão estas as únicas responsáveis por tais acções.

Assim que começou a ser preparado o desmembramento da ex-Jugoslávia, com a inestimável contribuição das forças democráticas ocidentais, todos calculavam que surgissem conflitos étnicos numa região dividida por identidades ancestrais distintas. Quando no início da década de 90 a Eslovénia, a Croácia e a Bósnia-Herzegovina forçaram a saída da Federação Jugoslava, em nome do direito à autonomia, com o apoio do “Ocidente”,iniciaram-se esses conflitos. Sucede que existiam populações sérvias no seio destas comunidades que não pretendiam ficar sob a autoridade de populações estranhas e, também em nome da sua autonomia, procuraram a desvinculação desses territórios.

Milosevic faz o que qualquer patriota faria, fica do lado do seu povo e procura proteger os interesses das populações sérvias. A guerra prolonga-se, sempre com os sérvios debaixo de pressões e ameaças internacionais, sem apoios. Milosevic reconhece então, em 1995, a impossibilidade da sua luta e assina em Dayton os acordos de paz. Estava, por fim, completa e irremediavelmente alcançado o objectivo de desmembramento jugoslavo. Mas se até aqui falávamos ainda e sobretudo da destruição de um Estado multiétnico que nunca fora verdadeiramente representante de uma nação, a situação ganharia contornos diferentes no Kosovo.

Aproveitando a vaga anti-sérvia, o Exército de Libertação do Kosovo, que era até então considerado uma organização terrorista pelos próprios EUA, alarga o âmbito das suas acções revoltosas e inicia, a partir de 1996, generalizadas acções armadas contra a Sérvia e os seus nacionais, a ideia inspiradora, por detrás da reclamação do estatuto de autonomia alargada, todos os sabiam, era a construção da grande Albânia. Um enorme enclave islâmico no Continente. Este conflito atinge uma natureza distinta dos anteriores; para albaneses e sérvios o Kosovo tem um simbolismo especial, os primeiros consideram-no a terra ancestral dos lírios, que olham como seus antepassados, para os segundos trata-se de uma região que vêem como berço da sua pátria, não do Estado jugoslavo mas da própria Sérvia.

Para os sérvios o Kosovo é o berço político e religioso da nação, havia sido a sede do império sérvio na idade média e é lá que se localizam os seus mais importantes monumentos históricos e religiosos. O Kosovo é o cerne da identidade nacional da Sérvia. Depois das humilhações sofridas pelas populações sérvias durante as guerras de secessão da Jugoslávia a perda de controlo sobre o kosovo seria a derradeira humilhação, aquela que não poderiam de forma alguma tolerar e que exigiria enérgica reacção, sabiam-no todos, inclusive a comunidade internacional, e é nesta conjuntura de ultraje continuado que se compreende a reacção violenta das forças sérvias. Essas reacções permitiram, uma vez mais, apresentar perante a opinião pública internacional os sérvios como as bestas negras dos Balcãs. Esquecidas ficaram as perseguições às populações sérvias por parte dos albaneses e que levaram a que, em 1990, instigado por exigências populares e amparado por consenso nacional, Milosevic tivesse suprimido o estatuto autonómico da região islâmica do Kosovo.

Convém recuar no tempo para compreender verdadeiramente a dimensão histórica da questão. Em 1389 os sérvios enfrentaram no Kosovo os otomanos, em clara inferioridade numérica, na Batalha dos Melros. Lutaram bravamente mas saíram perdedores e esta derrota marcou também a queda do Império. Para sempre o Kosovo ganharia na memória colectiva sérvia uma dimensão mítica e trágica, local sagrado onde as forças nacionais haviam sido derrotadas pelos invasores islâmicos e que passaria a representar a aspiração de redenção nacional pela Reconquista. Entendamos, os sérvios, que sempre tiveram de si a imagem de última muralha contra a invasão islâmica da Europa, consideram que se bateram ao tempo, no Kosovo, contra os otomanos, em nome de toda a cristandade. Depois de derrotados, os albaneses, que haviam travado a Batalha dos Melros a seu lado, entretanto convertidos ao Islão, ter-se-ão comportado de forma despótica face às populações sérvias, que ficaram reduzidas ao estatuto de dhimmis e a todo o tipo de humilhações.

Quando a Sérvia, depois de ter assistido à destruição da Federação Jugoslava, ultrajada pelas derrotas que lhe foram impostas com a colaboração das democracias ocidentais, desejosas de isolar a Rússia na cena continental, sentiu que se estabeleciam no Kosovo, através do Exército de Libertação, as condições para a perda, uma vez mais, do poder político de facto sobre aquela mítica região, toda uma História de um povo foi transportada para aquele presente, 1389 reavivava-se e os albaneses eram agora a reincarnação islâmica do inimigo otomano. Não havia, em boa verdade, alternativa, era a voz ancestral de uma nação que não aceitava mais uma afrontosa capitulação em tão curto espaço de tempo, e esta particularmente insuportável, face ao simbolismo histórico. A Milosevic colocavam-se duas opções, ceder à humilhação derradeira ou, em nome da pátria, reagir e tentar assegurar à Sérvia o controlo da região, o mesmo é dizer que não tinha opção… Uma vez mais Milosevic agiu como um patriota e deu início à derradeira "cavalgada" rumo a uma derrota que ao menos não seria renúncia.

Os EUA, a coberto da NATO, tratariam de apoiar a causa albanesa e de assinar a derrocada final da Sérvia, instaurando um "protectorado" islâmico em plena Europa; Milosevic, por seu lado, seria entregue posteriormente ao Tribunal de Haia para sofrer a justiça dos vitoriosos. Morreu a 11 de Março de 2006 na cela em que se encontrava detido.

As circunstâncias que rodearam a sua morte estão por esclarecer, não sei se foi assassinado, se se suicidou, se morreu de “causas naturais”, neste momento não sei mesmo se algum dia saberei, embora, com certeza, alguma explicação seja dada como provada e oficializada.

Do julgamento guardo a imagem de um homem que se recusou sempre a trair a memória da sua nação, que não deu a quem montou aquele circo a satisfação da “reverência”, dos “arrependimentos”, das “desculpabilizações”, das “expiações” . Manteve-se firme nas suas convicções e fiel aos seus.

Ao fim de cinco anos de julgamento e a 50 horas de testemunhos do seu final não deixo de notar a curiosa conveniência desta morte. Começava a tornar-se embaraçoso para o espectáculo patrocinado pelos EUA e “sus muchachos” que em Haia, depois de toda a campanha de informação, de todos os esforços de propaganda, da apresentação de todas as certezas sobre a “culpabilidade” e monstruosidade do homem ali julgado, diversos analistas afirmassem que, até ao momento, o tribunal não havia conseguido relacionar com sucesso Milosevic aos principais crimes de que era acusado. Afinal, é bem sabido que os bravos soldados do Império do Bem lutam sempre contra os injustos. A morte de Milosevic poupa eventuais embaraços, é a forma de garantir a melhor condenação possível: ficará para sempre como o Carniceiro dos Balcãs.E tudo acaba em bem...

quinta-feira, março 09, 2006

Desmontando o "islamofascismo"

Na guerra da cultura e das ideias as terminologias contam, e muito. São frequentemente indicadores fiéis das visões do mundo que se vão impondo generalizadamente à sociedade e a que aderem as pessoas. Com cada vez maior assiduidade surge o termo islamofascismo associado à análise política que parte de alguns sectores, tradicionais inimigos da luta nacionalista. Analisemos a validade dessa associação ou invenção terminológica e vejamos as suas origens, objectivos, legitimidade e moralidade.

Primeiramente é preciso situar o surgimento do termo. O vocábulo islamofascismo generaliza-se numa altura em que, por todo o Ocidente, o Islão, como um todo, é visto como uma ameaça descontrolada e um perigo aos chamados valores civilizacionais do Ocidente. Naturalmente que isto ocorre na sequência de acontecimentos recentes ligados a acções terroristas reclamadas em nome do Islão e de manifestações de intransigência religiosa pouco compreensíveis à luz das modernas e seculares sociedades europeias. Existe assim hoje, indiscutivelmente, na opinião pública ocidental, uma imagem generalizadamente negativa do Islão.

A associação à ideia de fascismo procura agravar essa imagem negativa servindo-se de uma ideologia,o fascismo, que é percepcionada pelo cidadão comum como ligada aos maiores flagelos do século XX. Nada mais é, portanto,que sustentar a hostilidade face ao Islão,alimentando a percepção negativa que as populações têm do fascismo, fomentada por uma visão unilateral da História tornada oficial e incontestável no pós-guerra, procurando passar a ideia de que entre ambos os fenómenos existirá uma particular similaridade. Não é assim tão estranho, o rótulo fascista serve hoje qualquer tentativa de ofender ou desconsiderar politicamente sem precisar ser empregue com um mínimo de propriedade.

Origens e propósitos da ideia

O termo islamofascismo surge inicialmente nos EUA, nos meandros neoconservadores e nalguns sectores liberais. Aqui é preciso, antes de mais, referir, porque é importante, que por fascismo estas pessoas entendem sobretudo o nacional-socialismo. A associação entre Islão e fascismo é, pois, o resultado natural da própria origem e essência do neoconservadorismo, um movimento político ligado aos lobbies judaicos norte-americanos e principal impulsionador da política externa dos EUA e da defesa intransigente dos interesses locais e globais israelitas. Sendo conhecida a origem trotskista de alguns dos seus mentores e a influência do pensamento straussiano na sua estratégia de actuação cultural torna-se fácil agora montar o puzzle e perceber a origem e razões de tão espúria associação de conceitos.

Conjugar o islamismo com o fascismo é apenas uma forma de mesclar os inimigos tradicionais do povo judaico numa ameaça actual e exportá-la para outros sectores políticos, tornando-a referência para o cidadão comum, como um eficaz slogan publicitário que mecanicamente se apregoa sem grande reflexão, e que pega.... O Islão é actualmente a ameaça maior ao Estado de Israel e o nacional-socialismo é o histórico inimigo tornado eterno e aquele que é necessário, sempre e por todas as formas, denegrir e ao mesmo tempo manter vivo, como um fantasma que não pode ser deixado perdido no tempo. Ainda recentemente li mais um episódio desta comédia, com o artigo de David Meir-Levi( mais um dos judeus do neoconservadorismo) intitulado “ Hamas Uber Alles”.Dispensam-se mais comentários.

Encontrada a origem do termo islamofascismo e os objectivos de quem o procura vulgarizar analisemos então a legitimidade dessa associação

A validade da ideia

Antes de prosseguir é preciso relembrar que existe à partida uma grande diferença entre uma doutrina estritamente política e uma doutrina religiosa, depois, tanto o fascismo como o Islão não são movimentos monolíticos, no seu seio convivem ou conviveram correntes razoavelmente distintas. A análise que segue assenta por isso na síntese de características que são, aproximadamente, definidoras dos dois fenómenos tomados no geral e que permitem um exame comparado.

O fascismo e o Islão são, como veremos, fenómenos completamente distintos e não passíveis de comparação e muito menos associação. O fascismo é um movimento de cariz nacionalista,o Islão, pelo contrário, é um fenómeno anti-nacionalista, é tendencialmente universalista e integracionista de base, procurando ultrapassar e subjugar as manifestações nacionalistas.

O fascismo é um movimento revolucionário enquanto este Islão que ameaça a Europa é marcadamente reaccionário. Aqui os termos revolucionário e reaccionário não devem ser entendidos em face de contextos históricos específicos, pois nesses um movimento será revolucionário apenas na medida em que pretenda um corte radical com o que existe. Devem por isso ser lidos no seu sentido lato, de sempre, o que ultrapassa meras contingências temporais. É a variável tempo que estabelece a diferença; o islamismo é reaccionário porque pretende o regresso a uma realidade passada e marcada no tempo, o fascismo, por outro lado, é revolucionário porque aspira a uma nova ordem e uma nova era, servindo-se de um passado mítico para criar um novo futuro.

O fascismo afirma uma postura no mundo anti-burguesa e heróica, exalta a força criadora e a acção.O fascismo, como observou Locchi, faz o culto da superação humana, do sobre-humano nietzschiano se quisermos, ao Islão tal formulação é completamente estranha e inaceitável.

O fascismo exalta a diferença onde o Islão procura a sua eliminação.

Não existe, portanto, qualquer legitimidade na junção de um conceito ao outro, os seus princípios fundamentais são completamente diferentes e até incompatíveis.

Há porem 3 excepções onde podemos encontrar alguma convergência e que devemos analisar separadamente, o problema é que estas excepções não são específicas do Islão ou do fascismo e estendem-se a muitas outras realidades, não caracterizam, pois, exclusivamente, qualquer um destes fenómenos.

A primeira é um caso peculiar, pois sai fora dos objectivos pretendidos por quem promove a disseminação da ideia islamofascista. Tanto o fascismo como o Islão rejeitam uma visão economicista do homem, o que no caso do Islão é inevitável pois uma religião é, à partida, necessariamente anti-economicista, o que significa que esta característica o fascismo partilha-a com qualquer religião (como aliás a partilham todos os movimentos políticos ou sociais que rejeitam o economicismo).

Naturalmente que os objectivos procurados ao associar o fascismo ao Islão não assentam nisto, mas, inadvertidamente, esta é uma razão escondida, que não será admitida para a associação, o que é facilmente perceptível se conhecermos os grupos que estão por detrás desta invenção terminológica, todos eles representam, de facto, uma visão economicista e materialista do mundo e, consciente ou inconscientemente, vêem no fascismo a rejeição dessa mundividência.

Mas no que se baseiam então, abertamente, os propagadores dessa suposta similaridade entre os fenómenos considerados? Na natureza anti-democrática e numa alegada tendência totalitária do fascismo e do islamismo radical.

É verdade que ambos serão anti-democráticos, mas o que significa a apologia da democracia por si só, sem qualquer outro enquadramento, se as democracias podem também servir os mais infames e agressivos regimes?

E, a título de curiosidade, se o objectivo é a exaltação da “democracia” porque não islamocomunismo em vez de islamofascismo? É claro que compreendemos que a associação não poderia ser feita ao comunismo, é que o comunismo, apesar de tudo, também saiu vencedor da ordem mundial que emergiu do pós-guerra, tem no Ocidente quem o defenda em todos os sítios, na cultura, no ensino, nos parlamentos, já nos fascismos é permitido bater à vontade, valem todas as mentiras e distorções, a sua defesa é matéria proibida e anos sucessivos de intoxicação cultural permitem que o cidadão médio, sem saber sequer realmente o que é o fascismo, acene a cabeça em concordância com tudo o que suje a “besta”. Bom, e depois, convenhamos, é que se o nacional-socialismo representou a revolta da Europa face ao liberalismo e uma reacção ao domínio judaico, o comunismo, pelo contrário, teve na sua revolução e nas suas estruturas de poder o bom povo eleito, e isso também faz a diferença, pelas razões que expliquei anteriormente.

Quanto ao suposto totalitarismo do fascismo ele é muito diferente do que encontramos no Islão, como veremos adiante.

Averiguemos então a validade destes dois pontos na sustentação da ideia de um islamismo fascista.

Dois conceitos em análise

Comecemos pela questão democrática… Não é por serem realidades anti-democráticas que estas doutrinas são relacionadas e atacadas, os países ocidentais, campeões da “liberdade e democracia”, como várias das áreas políticas que sustêm a democracia-liberal, nunca mostraram qualquer problema em apoiar regimes anti-democráticos e pouco respeitadores dos “direitos humanos”, desde que convergentes com os seus próprios interesses geopolíticos e económicos. São vários os casos presentes e passados de países onde vigoram( ou vigoraram) regimes autoritários( e nem fascistas), limitativos da existência de oposições internas, que merecem(ou mereceram) o apoio dos paladinos da democracia, com quem mantêm(e mantiveram) inclusive alianças estratégicas.

Se, por outro lado, o objectivo é associar aos regimes anti-democráticos a exclusividade de uma qualquer natureza beligerante e expansionista, então o objectivo é categoricamente falhado, visto que as democracias se têm mostrado verdadeiramente exemplares no mesmo tipo de actuação. Acaso os regimes democráticos não têm mostrado apetência belicista e expansionista? Têm de facto! Ou a intervenção militar noutros países, quando feita em nome da democracia, torna-se automaticamente legítima? E sobretudo, que ironia que esta associação seja levada a cabo precisamente pelos movimentos que, ao abrigo de políticas como as definidas no “Projecto para o Novo Século Americano”, mais pressionam a política externa americana para o intervencionismo global.

E quanto ao totalitarismo de ambos? Esclareçamos a questão, é verdade que o fascismo procurou o todo, mas na nação, procurou a harmonia nacional dirigida a um fim comum, a união das forças orgânicas nacionais em torno do interesse pátrio, não permitindo pois a expressão dos movimentos que se revelavam anti-nacionais, sim, tinha nesse sentido uma natureza totalitária. O Islão, pelo contrário, tem uma dinâmica totalitária que assenta em princípios internacionalistas (como o marxismo), aspira a um expansionismo face ao todo que é próprio de uma religião que se apresenta como reveladora de uma verdade única que deve ser partilhada por toda a humanidade e que não se ancora na nação nem na sua exaltação, antes pelo contrário, procura a sua superação em nome de um ideal supranacional.

O absurdo da associação do islamismo ao fascismo é tanto maior quando qualquer regime fascista teria já resolvido definitivamente a “ameaça islâmica”, ameaça essa que foi introduzida na Europa precisamente com o beneplácito dos mesmos que agora falam,de forma oportunista, contra um inventado islamofascismo.

É tão simples quanto isto: não existe legitimidade nessa invenção vocabular, porque não existe nenhum Islão fascista!

segunda-feira, março 06, 2006

A nação;sangue e tradição!

Tradição: para uma estirpe dotada da vontade de voltar a situar a ênfase no âmbito do sangue, é palavra brava e bela. Que a pessoa singular não viva somente no espaço. Que seja, pelo contrário parte de uma comunidade pela qual deve viver e, sucedida a circunstância, sacrificar-se, esta é uma convicção que cada homem com sentimento de responsabilidade possui e que postula à sua maneira particular com os seus meios particulares. A pessoa singular não se encontra, no entanto, ligada a uma comunidade superior unicamente no espaço, mas, de uma forma mais significativa, ainda que invisível, também no tempo. O sangue dos antepassados está latente, fundido com o seu, ele vive dentro de reinos e vínculos que eles criaram, custearam e defenderam. Criar, custear e defender: esta é a obra que ele recebe das mãos daqueles e que deve transmitir com dignidade. O homem do presente representa o ardente ponto de apoio interposto entre o homem do passado e o homem do futuro. A vida relampeja como o rastilho incendiado que corre ao largo da mecha que ata, unidas, as gerações…queima-as, certamente, mas mantém-nas enlaçadas entre si, do princípio ao fim. Em breve também o homem presente será igualmente um homem do passado mas, para conferir-lhe calma e segurança, permanecerá a ideia de que as suas acções e gestos não desaparecerão com ele mas antes constituirão o terreno sobre o qual os vindouros, os herdeiros, se refugiarão com as suas armas e instrumentos.

Isto transforma uma acção num gesto heróico que nunca pode ser absoluto nem completo como fim em si mesmo e que, pelo contrário, encontra-se articulado por meio de um conjunto dotado de sentido e orientação, dados pelos actos dos predecessores e apontando ao enigmático reino daqueles que ainda estão para vir. Obscuros são os dois lados e encontram-se mais para cá e mais para lá da acção, as suas raízes desaparecem na penumbra do passado, os seus frutos caem na terra dos herdeiros… a qual não poderá nunca vislumbrar quem actua e que é todavia nutrida e determinada por estas duas vertentes nas quais justamente se funda o seu esplendor intemporal e a sua sorte suprema. É isto que distingue o herói e o guerreiro face ao mercenário e ao aventureiro: e é o facto de que o herói extrai a sua força de reservas mais elevadas do que as que são meramente pessoais, e que a chama ardente da sua acção não corresponde ao clarão ébrio de um instante mas ao fogo cintilante que funde o futuro com o passado. Na grandeza do aventureiro há algo de carnal, uma irrupção selvagem, e em verdade não privada de beleza, em paisagens variadas… mas no herói cumpre-se aquilo que é fatalmente necessário, fatalmente condicionado: é o homem autenticamente moral e o seu significado não repousa unicamente em si mesmo, nem só no seu dia de hoje, mas é para todos e para todo o tempo.

Qualquer que seja o campo de batalha ou a posição perdida na qual se esteja, ali onde se conserva um passado e se deve combater por um futuro, não há acção que esteja perdida. A pessoa singular certamente pode andar perdida mas o seu destino, a sua sorte e a sua realização, valem em verdade como o crepúsculo que favorece um objectivo mais elevado e mais vasto. O homem privado de vínculos morre, e a sua obra morre com ele, porque a proporção dessa obra era medida só em relação a ele mesmo. O herói conhece o seu crepúsculo mas o seu crepúsculo assemelha-se àquele sangue vermelho do sol que promete uma manhã nova e mais bela. Assim devemos recordar também a Grande Guerra: como um crepúsculo ardente cujas cores já antecipam uma alvorada sumptuosa. Assim devemos pensar nos nossos amigos caídos e ver no seu crepúsculo o sinal da realização, o assentimento mais duro dirigido à própria vida. E devemos olhar longe, com um desprezo imundo, perante o juízo dos negociantes, daqueles que sustêm que “ tudo isto foi absolutamente inútil”, se queremos encontrar a nossa fortuna vivendo no espaço do destino e fluindo na corrente misteriosa do nosso sangue, se queremos actuar numa paisagem dotada de sentido e significado, e não vegetar no tempo e no espaço onde, nascendo, tenhamos chegado por casualidade.

Não: o nosso nascimento não deve ser uma casualidade para nós! Esse nascimento é o acto que nos radica no nosso reino terrestre, o qual, com milhares de vínculos simbólicos, determina o nosso posto no mundo.Com ele convertemo-nos em membros de uma nação, por meio de uma comunidade estreita de laços nativos. E daqui vamos depois ao encontro da vida, partindo de um ponto sólido, mas prosseguindo um movimento que teve início muito antes de nós e que muito depois de nós terá o seu fim. Nós percorremos apenas um fragmento desta avenida gigantesca, neste trecho, todavia, não devemos transportar apenas uma herança inteira mas devemos estar à altura de todas as exigências do tempo.

E agora, certas mentes abjectas, devastadas pela imundície das nossas cidades, surgem para dizer que o nosso nascimento é um jogo de azar, e que “poderíamos perfeitamente ter nascido franceses como alemães”. Certo, este argumento vale precisamente para quem assim pensa. Eles são homens da casualidade e do azar. É-lhes estranha a fortuna que reside no sentir-se nascido por necessidade no interior de um grande destino e de sentir as tensões e lutas desse destino como nossas, e com elas crescer ou inclusive perecer. Essas mentalidades sempre surgem quando a sorte adversa pesa sobre uma comunidade legitimada pelos vínculos do crescimento, e isto é típico delas. Reclama-se aqui a atenção sobre a recente e bastante apropriada inclinação do intelecto de insinuar-se parasitariamente e nocivamente na comunidade de sangue, e a nela falsear a essência em nome do raciocínio…isto é, através do conceito, à primeira vista correcto, de “comunidade de destino”. Da comunidade de destino, no entanto formaria também parte o negro que, surpreendido na Alemanha ao início da guerra, foi envolto no nosso caminho de sofrimento, nas senhas do pão racionado. Uma “comunidade de destino”, neste sentido, é constituída por passageiros de um barco a vapor que se afunda, muito diferentemente da comunidade de sangue: formada esta pelos homens de um navio de guerra que descende até ao fundo com a bandeira ondulando.

O homem nacional atribui valor ao facto de haver nascido entre confins bem definidos: nisto ele vê, antes de tudo, uma razão de orgulho. Quando acontece que trespasse esses confins, não sucede nunca que flua sem forma para além deles mas de modo a alargar com isso o seu espaço no futuro e no passado. A sua força reside no facto de possuir uma direcção, e portanto uma segurança instintiva, uma orientação de fundo que lhe é conferida em dote conjuntamente com o sangue e que não precisa das luminárias mutáveis e vacilantes de conceitos complicados. Assim a vida cresce numa maior unidade, e assim devém ela mesmo unidade, pois cada um dos seus instantes reingressa numa conexão dotada de sentido.

Claramente definido pelos seus confins, por rios sagrados, por férteis vales, por vastos mares: tal é o mundo no qual a vida de uma estirpe nacional se imprime no espaço. Fundada numa tradição e orientada para um futuro longínquo: assim se imprime ela no tempo. Ai daquele que corta as próprias raízes!..esse converter-se-á num homem inútil e num parasita. Negar o passado significa também renegar o futuro e desaparecer entre as ondas esquivas do presente.

Para o homem nacional, por outro lado, subsiste um perigo grande: o de esquecer-se do futuro. Possuir uma tradição comporta o dever de viver a tradição. A nação não é uma casa na qual cada geração, como se fosse um novo estrato de corais, deva acrescentar tão-somente um piso mais, ou onde, por meio de um espaço preestabelecido de uma vez por todas, não sirva outra coisa que continuar a existir, mal ou bem. Um castelo, um palácio burguês, dir-se-ão construídos de uma vez para sempre. Prontamente, todavia, uma nova geração, incentivada por novas necessidades, vê a obrigação de impor importantes modificações. Ou, por outro lado, a construção pode acabar por arder num incêndio, ou terminar destruída, e então um edifício renovado e transformado vem a ser construído sobre os antigos cimentos. Muda a fachada, cada pedra é substituída, e todavia, como se encontra ligada à raça, perdura um sentido do todo específico: a mesma realidade que foi num princípio. Talvez se possa dizer que somente durante o Renascimento ou na idade barroca tenha existido uma construção perfeita. Por acaso então se detinha uma linguagem de formas válida para todos os tempos? Não, mas aquilo que existia então permanece de algum modo oculto no que existe hoje.

Ernst jünger,"Die Tradition." Die Standarte. Beiträge zur geistigen Vertiefung des Frontgedankens. Sonderbeilage des Stahlhelm. 1.10 (8 de Novembro de 1925)

sábado, março 04, 2006

O Papa já não mora aqui - Itinerário da resistência católica

Um dos fenómenos mais surpreendentes do catolicismo das últimas décadas é a crescente proliferação de grupos católicos em aberta resitência ao espírito conciliar que se apoderou da Igreja a partir de 1962. Isto não significa que antes de 1962 não existiam modernistas na Igreja mas o magistério dos Papas e dos Concílios fazia ouvir fortemente a voz de Cristo e não permitia que esta fosse adulterada. Mas, lamentavelmente, o Cavalo de Tróia do modernismo infiltrou-se na Cidade de Deus depois da morte do Papa Pio X, no ano de 1914.Em 1958 subiu ao trono pontífice o Papa João XXIII. A partir dele todos os Papas atenuaram ou directamente desfiguraram a doutrina de Cristo para torná-la mais agradável aos ouvidos do mundo moderno. Agora a Igreja reconciliou-se com o liberalismo e silenciou as suas críticas ao comunismo. E para reconciliar-se com os protestantes reformou a Missa e os Sacramentos, e a doutrina católica sobre eles atenuou-se e em alguns casos silenciou-se e deformou-se.

Frente a esta revolução dentro da Igreja dirigida por Roma, iniciou-se uma resistência a partir de várias frentes, nem sempre compatíveis entre si.

Não vamos mencionar os grupos que elegeram o seu próprio papa porque são intentos pouco sérios e de carácter simplesmente cismático. Vamos mencionar os grupos que nos parecem bem fundados:

1- O Sedevacantismo

Esta postura defende que a Sé Romana está actualmente em vacatura. Por isso os Papas conciliares são intrusos já que por serem hereges estão depostos. Mas a crítica que lhe podemos fazer é que o único que pode decretar a heresia formal de um indivíduo católico é o seu superior hierárquico. No caso do Papa o seu superior hierárquico é Jesus Cristo, pois o papa é o vigário de Cristo e cabeça visível da Igreja. Lamentavelmente não ocorreu a intervenção milagrosa de Jesus Cristo e por algum misterioso desígnio divino foi permitido que as autoridades da Igreja continuassem o seu labor destruidor.

Um dos grupos sedevacantistas mais antigos e inteligentes é o que se congrega em torno da revista alemã Einsicht, fundada por Eberhard Heller em 1971.Em 1981 lograram convencer monsenhor Ngo-Dinh-Thuc (1897-1984) para que consagrasse alguns sacerdotes como bispos e assim pudesse salvar a sucessão apostólica E em 1982 monsenhor Thuc fez uma declaração pública em que terminava dizendo:” É por isso que, na minha qualidade de bispo da Igreja Católica Romana, julgo que a Sede da Igreja Católica em Roma está vaga e que é meu deve, enquanto bispo, fazer todo o possível para que a Igreja Católca Romana perdure com vista à salvação eterna das almas”.

Outro grupo muito bem organizado e com muitos fiéis é a União Sacerdotal Trento do México, que é dirigida por monsenhor Martín Dávila, consagrado Bispo em 1999 por monsenhor Mark Pivarunas(bispo da linhagem de Thuc).

Finalmente mencionaremos a Congregação Imaculada Rainha Maria dos Estados Unidos, dirigida por monsenhor Mark Pivarunas, consagrado bispo em 1991 por monsenhor Moisés Carmona( consagrado bispo por monsenhor Thuc em 1981).

Um personagem polémico e acutilante que não se pode deixar de mencionar é o destacado intelectual argentino Carlos Disandro(1918-1994) que se notabilizou por denunciar, sem meias medidas, tanto a igreja conciliar como o tradicionalismo barroco dos lefebvristas .O seu combate é pelo regresso ao catolicismo platónico dos Padres gregos.

Um dado curioso é que Rama Coomaraswamy , filho do célebre discípulo de Guénon, Ananda Coomaraswamy, é um fiel seguidor do sedevacantismo e foi ordenado sacerdote..

2-A tese de Cassiciacum

Esta postura defende que o Papa, desde 1965, já não está divinamente assistido e, por isso, já não é seguro o seu ensinamento. Mas não foi deposto pelo que ocupa materialmente o Trono Apostólico. Temos Papa, mas este não tem a autoridade que possuíam os anteriores, podemos resistir-lhe porque pela sua boca já não fala Cristo.

O primeiro teórico desta postura foi monsenhor Michel Guerad des Lauriers( 1898-1988) da Ordem dos Predicadores. Este sacerdote foi o que redigiu o célebre Breve Examen, crítico da Novus Ordo Missae(1969), que foi a primeira crítica sistemática à nova missa. Depois, na revista francesa Cahiers de Cassiciacum, escreveu a sua tese, que já explicámos no parágrafo anterior. Em 1981 foi consagrado bispo por monsenhor Thuc.

Actualmente um dos grupos mais activos que defendem esta postura é o Instituto Mater Boni Consilii, fundado em 1985 por um grupo de sacerdotes italianos expulsos da Fraternidade Sacerdotal São Pio X. Têm uma revista, inteligente e combativa, chamada “Sodalitium”.

Outro grupo importante e muito vinculado ao anterior é o “Restauração Católica”. Teve origem num grupo de sacerdotes dos Estados Unidos, expulsos em 1983 da Fraternidade Sacerdotal São Pio X. Em 1993 foi consagrado como bispo monsenhor Daniel Dolan por parte de monsenhor Mark Pivarunas.

3-Lefebvrismo

Esta postura afirma que os Papas conciliares são plenamente Papas mas estão contaminados pela heresia liberal, por isto a Igreja está em estado de necessidade, pelo que os bispos e sacerdotes da resistência têm jurisdição supletiva entregue pela Igreja e não pelo Papa. Inclusive atreveram-se a fundar tribunais para julgar a nulidade matrimonial. Isto foi firmemente questionado por vários sacerdotes e fiéis católicos que fizeram ver que o poder de julgar corresponde a um direito intrinsecamente vinculado ao Supremo Pontífice. Frente a uma sentença injusta dos tribunais papais só tem lugar a resistência, não a criação de tribunais paralelos que não têm mandato papal.

O lugar de honra nesta vasta acção de resistência corresponde sem dúvida a dois bispos católicos: O arcebispo francês monsenhor Marcel Lefebvre (1905-1991) e o bispo brasileiro António de Castro Mayer(1904-1991). Já em pleno Concílio Vaticano II(1962-1965) opuseram tenaz resistência ao modernismo triunfante. No ano de 1970 monsenhor Lefebvre fundou a Fraternidade Sacerdotal São PIO X na Suiça, e em 1976 é suspenso “a divinis” pelo Papa PauloVI. Finalmente é excomungado em 1988, juntamente com monsenhor Mayer, pelo Papa João Paulo II, por consagrar quatro bispos sem sua autorização. Para entender a visão de monsenhor Lefebvre gostaríamos de citar dois parágrafos da sua célebre Declaração de 1974:

“Aderimos de todo o coração, com toda a alma à Roma Católica, guardiã da Fé católica e das tradições necessárias para a manutenção dessa Fé, à Roma eterna, mestra de sabedoria e de verdade.

Em troca recusamos, como nos recusámos sempre, a seguir a Roma de tendência neomodernista e neoprotestante, que se manifestou claramente no Concílio Vaticano II e, depois do Concílio, em todas as reformas que dele surgiram.”

A Fraternidade São Pio X está repartida por todos os continentes mas é particularmente forte na França, Suiça, Alemanha, Estados Unidos e Argentina. Conta com quatro bispos e aproximadamente quatrocentos sacerdotes, além de religiosos e religiosas que os ajudam nas suas tarefas quotidianas.

Existe também a Irmandade Sacerdotal São João Maria Vianney, que está no Brasil e foi fundada por monsenhor Mayer. Contam também com mosteiros beneditinos no Brasil , Estados Unidos e França ; um convento dominicano em França e um convento capuchinho, também em França. Os dominicanos editam a melhor revista teológica Lefebvrista: ”Le sel de la Terre”

4-Ecclesia Dei

Esta posição nasceu em 1988, logo que depois das consagrações episcopais feitas por monsenhor Lefebvre, o Papa João Paulo II escreveu a carta apostólica Ecclesia Dei afirmando que monsenhor Lefebvre e os bispos por ele consagrados haviam cometido um acto cismático e portanto haviam sido excomungados, mas abrindo uma porta à esperança ao assinalar que “ A todos esses fiéis católicos que se sentem vinculados a algumas precedentes formas litúrgicas e disciplinares da tradição latina desejo também manifestar a minha vontade…de facilitar o seu regresso à comunhão eclesial através das medidas necessárias para garantir o respeito das suas justas aspirações”.

São várias as comunidades que aproveitaram para se amparar nestes privilégios concedidos pela Santa Sé. Só vamos mencionar as mais importantes.

Sem dúvida a mais importante é a Fraternidade Sacerdotal de São Pedro, fundada em 1988 depois que um grupo de Sacerdotes da FSSPX se retirou, após as consagrações episcopais.

Outras comunidades destacadas são a Abadia beneditina de Ste Madeleine at Le Barroux(França) e a Fraternidade dominicana de San Vicente Ferrer(França).

Também há grupos organizados de laicos que solicitam os serviços dos sacerdotes Ecclesia Dei.

Entre outros estão a Federação Internacional “Una Voce”, fundada na década de sessenta para preservar e fomentar o conhecimento da liturgia tradicional romana e do canto gregoriano, são particularmente activos nos EUA e Europa Ocidental. O seu actual presidente é Michael Davies, um intelectual que se destacou por escrever livros muito lúcidos onde defende a liturgia tradicional romana.

Outro agrupamento que se destaca são as Sociedades de Defesa da Tradição, Família e Propriedade(TFP) fundadas em 1960 no Brasil pelo destacado intelectual brasileiro Plínio Corrêa de Oliveira( 1908-1995). São associações de inspiração católica dedicadas a combater o processo revolucionário que ataca a civilização cristã, são particularmente fortes no Brasil, EUA, França e Itália. Este grupo sofreu uma grave denúncia, feita pelo professor brasileiro Orlando Fedeli, que em 1983 disse ter descoberto no seio da organização um culto esotérico face ao fundador e sua mãe. Aparentemente estas denúncias tinham sólida evidência.

Finalmente temos que mencionar a Associação Cultural Monfort de São Paulo. Fundada em 1983 por ex-membros da TFP. O seu fundador e presidente é o citado professor Orlando Fedeli e destacou-se pela sua defesa pura e apaixonada da Fé Católica, sem se importar com as incompreensões e maledicências. Em 1997 decidiram romper todos os vínculos com os grupos Lefebvristas devido ao estabelecimento dos tribunais paralelos para ditar sentenças em casos de nulidade matrimonial.

Jorge Fuentes

sexta-feira, março 03, 2006

Anatomia da democracia(3 de 3)

Para além da constatação(evidente) de que os regimes não democráticos apresentam, tal como os democráticos, virtudes e defeitos, Burnham reconhece então como válida a argumentação dos 3 teóricos estudados e conclui que a democracia enquanto sistema em que as decisões de governo assentam na vontade e nos termos de uma maioria é uma farsa, uma mentira. Perante isto e pretendendo perseguir o ideário democrático, por motivação ideológica, ele coloca o problema em novos termos, ao invés de olhar para a democracia como o sistema que representa o governo efectivo da maioria ele desloca a análise para o domínio da liberdade e identifica a democracia com qualquer sistema político que permita a existência de oposição. Atentemos nas suas palavras:

“A liberdade significa acima de tudo, como disse, a existência de uma oposição pública à elite governante. A diferença crucial que a liberdade faz numa sociedade encontra-se no facto de que a existência de uma oposição pública é o único controlo efectivo sobre o poder da elite dirigente.”

Mas é o próprio Burnham que reconhece, implicitamente, as limitações deste raciocínio quando, tentando antecipar as críticas dos radicais, sobretudo marxistas( o que é natural visto que ele próprio vem desse campo e portanto teria dele um maior conhecimento) afirma:

“Pode no entanto ser argumentado, como é por anarquistas e por sectores radicais marxistas, que a influência da oposição na restrição do poder da elite é afinal de pouca importância para a não-elite, para as massas. Quando uma oposição existe, isto significa apenas que há uma divisão da classe dominante; se uma outra elite substitui a elite dirigente, não se trata de mais que uma substituição de pessoal na classe dirigente. As massas continuarão a ser os liderados. Porque haveriam de se preocupar? E que importância tem todo o processo para a grande maioria?

É verdade que a oposição é apenas uma secção da elite como um todo. É também verdade que quando a oposição toma o poder isto é apenas uma mudança de dirigentes, Os demagogos da oposição dirão que a sua vitória será o triunfo do povo, mas mentem, como os demagogos sempre fazem. Ainda assim não é verdade que a acção da oposição seja indiferente para as massas. Através de um curioso e indirecto caminho, por meio da liberdade, regressamos ao auto-governo, que fomos incapazes de descobrir por um caminho directo. A existência de oposição significa uma divisão na classe dominante. Parte da luta entre secções da classe dominante é puramente interna…quando, no entanto, a oposição se torna pública significa que os conflitos não podem ser resolvidos simplesmente por mudanças internas na elite existente. A oposição é forçada a mover-se para lá dos limites da classe dominante. Confrontada com este ataque , a elite governante , de modo a tentar conservar o seu poder é forçada a fazer algumas concessões e a corrigir pelo menos alguns dos abusos mais flagrantes. É apenas quando existem diversas forças sociais, ou quando não subordinadas a uma mesma força social, que pode existir garantia de liberdade, porque só então existe um sistema de “checks e balances” capaz de controlar o poder…”


Ou seja, colocado perante a impossibilidade da realização democrática, como é vulgarmente compreendida, Burnham redefine a democracia fazendo-a coincidir com uma ideia de liberdade que se materializa pela existência de oposição. Mas essa oposição nunca é realizada pelas massas, pelo povo, é sempre o espelho de interesses de uma outra elite,que de momento não governa. E assim ele chega à mais espúria concepção democrática possível, a que faz cumprir a partidocracia mais medíocre, quando a elite na oposição, procurando substituir a elite dominante, ergue causas que supostamente são do interesse das massas sem nunca as cumprir uma vez chegada ao poder, da mesma forma que a elite dominante, na defesa do seu estatuto, tentará apelar igualmente às massas. Uma e outra, uma vez garantido o poder farão cumprir primeiramente os seus desígnios próprios e as causas da população não passarão assim de objecto útil na luta de minorias que jamais permitem qualquer poder efectivo às populações.

Também é o próprio Burnham que reconhece que os mecanismos democráticos não favorecem necessariamente o triunfo dos mais capazes mas antes dos que melhor utilizam os mecanismos de sufrágio, ou seja, os que melhor recorrem à demagogia que apela ao povo, já que o essencial na democracia é conduzir as massas de forma a que pensem estar perante quem as represente:

”Adicionalmente, a existência na sociedade do mecanismo de sufrágio tende naturalmente a favorecer aqueles indivíduos mais aptos a usá-lo, como numa sociedade onde o poder está fundado directamente na força os mais hábeis lutadores são favorecidos em relação aos restantes”

Acresce que os modernos regimes democráticos têm cada vez menos oposição real, uma vez que a tendência bipolar nos sistemas democráticos faz coincidir as causas políticas principais dos partidos da área de poder, que partilham a mesma visão do mundo, o que torna cada vez mais acentuada a tendência para falar apenas de substituição de elites, ou pessoas, no poder, sem alteração de mundividências, junte-se a isto as limitações legislativas, quando não a proibição das eventuais oposições não democráticas e ficamos reduzidos a um conceito de liberdade, se definido nos moldes em que Burnham o faz( pela existência de oposição), muito limitado, para não dizer insignificante.Pois que oposição pode ser verdadeiramente tomada a sério quando ela não se pode constituir como oposição ao próprio sistema democrático? E ainda que se pretenda admitir esta conceptualização de democracia como válida ela não invalida que não seja mais que a alternância de diferentes elites no poder servindo-se demagogicamente das massas, em nenhuma circunstância ela representa verdadeiramente qualquer povo ou qualquer maioria e isto é reconhecido pelo autor. Burnham admite que a ideia de liberdade como “oposição” apenas permite uma influência indirecta, e muito moderada, das massas, na direcção da sociedade, porque essa oposição, de facto, está também reservada a uma minoria, tal como são sempre as minorias que ditam o rumo de qualquer regime, democrático ou não.

Embora Burnham parta, desde o princípio do livro, com o objectivo de defender a democracia, reformulando o seu significado, ele acaba por ser pouco convincente nesse ponto específico. O seu argumento da liberdade enquanto possibilidade de oposição está claramente cerceado nas modernas democracias por limitações de vários tipos, desde legais a económicas ou culturais. Por outro lado o autor reconhece a utilidade de manter sobre a população a ideia de que as oposições, mesmo que apenas se representem a si , a interesses privados( e é isso mesmo que são os partidos, associações privadas), ou se resumam a elites que partilham a mesma visão do mundo, são prova da existência de liberdade. No fundo Burnham acaba por defender a existência e o fomento dos mitos de que falava Mosca por forma a garantir a estabilidade social, e no caso democrática. A percepção de “oposição” é, em larga medida, um desses mitos.

“Os líderes devem afirmar, na realidade fomentar, a crença em mitos, ou o tecido social quebrará e eles serão removidos do poder. Em resumo, os lideres, se são científicos, devem mentir. É difícil mentir durante o tempo todo em público mantendo um olhar objectivo face à verdade em privado. Não é apenas difícil, é frequentemente ineficiente, porque as mentiras raramente são convincentes quando contadas com um coração dividido. A tendência é para os mentirosos se iludirem a si próprios, acreditando nos seus próprios mitos. Quando isto acontece já não estão a ser científicos. A sinceridade é comprada ao preço da verdade.”

Isto explica porque conseguem os políticos fazer o elogio da democracia como sistema representativo do povo e defender a liberdade como valor intrínseco do sistema democrático com um ar grave e sério, já chegaram ao estádio em que passaram a acreditar nas suas próprias fábulas, é compreensível, já que o fazem em proveito próprio; é o mesmo Burnham que reconhece a importância para as elites de manterem a ideia de oposição, mesmo se ilusória, de modo a assegurar a estabilidade social e apaziguar as massas.

Anatomia da democracia(2 de 3)

Prosseguimos com Burnham:

“Do ponto de vista da teoria da classe dominante, cada sociedade é o espelho dessa sua classe. A força de uma nação,a sua fraqueza, a sua cultura, a sua capacidade de resistência, a sua prosperidade, a sua decadência, dependem, numa primeira instância, da natureza da sua classe dirigente. Em particular, a forma de estudar uma nação, de a compreender, de prever o seu rumo, requer antes de tudo e primeiramente uma análise da sua classe dominante. A História política e a ciência política são pois, predominantemente, a História e a ciência das minorias dominantes, a sua origem, desenvolvimento, estrutura e mudanças. Por mais arbitrária que seja a ideia de História como História das elites, a verdade é que todos os historiadores, na prática até historiadores como Tolstoi ou Trotsky, cujas teorias contradizem-no, são compelidos a escrever nesses termos. Se por mais nenhuma razão será porque as grandes massas da humanidade não deixam quaisquer registo na História excepto aquele que é expressado ao serviço, ou pela liderança dos indivíduos notáveis e invulgares (…)

Uma classe dominante expressa o seu papel e posição através daquilo que Mosca chama uma fórmula política. Esta fórmula racionaliza e justifica o seu domínio e a estrutura da sociedade sobre a qual exerce esse domínio. A fórmula pode ser um “mito racial”, como na Alemanha Nazi ou neste país em relação aos negros e asiáticos: o domínio é então explicado como a prerrogativa natural da raça superior. Ou pode ser um “direito divino”, como nas teorias elaboradas em relação às monarquias absolutistas do século XVI e XVII ou no imperialismo tradicional japonês: nesse caso o domínio é explicado como decorrendo de uma relação peculiar com o divino, frequentemente pela descendência hereditária( estas fórmulas eram muito comuns em tempos anteriores e não perderam completamente toda a eficácia). Ou, para citar a formula que nos é mais familiar, e a funcionar agora nesta país, uma crença na “vontade do povo”: o domínio é então apresentado como sendo legitimado pela vontade ou escolha popular expressada por algum tipo de sufrágio(…)

Dentro de todas as classes dominantes Mosca mostra ser possível distinguir dois princípios, como lhe chama, e duas tendências. Estes são, pode ser dito, as leis de desenvolvimento das classes reinantes. A sua força relativa estabelece as mais importantes diferenças entre as várias classes dominantes. O princípio autocrático pode ser distinguido do princípio liberal. Estes dois princípios regulam, primeiramente, o método pelo qual os governantes e os líderes sociais são escolhidos. Em qualquer forma de organização politica a autoridade é transmitida de cima par baixo na escala politica ou social(o principio autocrático) ou de baixo para cima( o principio liberal). Nenhum dos princípios viola a lei geral que estabelece que a sociedade está dividida numa minoria dominante e numa maioria liderada, o principio liberal não significa, independentemente da sua extensão, que as massas governem de facto, mas apenas dá uma forma especifica à eleição da liderança. Raramente, provavelmente nunca, apenas um dos princípios opera numa classe dominante. Estão geralmente misturados, sendo um ou outro prevalecente. Algumas monarquias absolutas ou tiranias mostram a maior aproximação a um princípio autocrático puro, com todas as posições formalmente dependentes de nomeação pelo déspota. Algumas pequenas cidades-estado, como Atenas num certo período da História, chegaram muito perto de um principio liberal puro, com todos os oficiais escolhido a partir de baixo, mas os votantes eram ao mesmo tempo um grupo restrito. Nos Estados Unidos, como na maioria dos regimes representativos modernos, ambos os princípios estão activos. A maior parte do aparelho burocrático e judicial, especialmente o federal, é uma expressão do princípio autocrático, o Presidente e o Congresso são seleccionados de acordo com o princípio liberal.

Cada princípio apresenta na prática vantagens e desvantagens típicas(…)A autocracia parece dotar as sociedades de maior estabilidade e maior durabilidade do que o princípio liberal. Quando a autocracia funciona bem consegue promover a selecção da liderança mais apta de todos os estratos da sociedade para realizar as diferentes tarefas do Estado.Em compensação a autocracia parece incapaz de permitir um completo e livre desenvolvimento de todas as forças sociais – nenhuma autocracia estimulou tanto a vida cultural e intelectual como alguns curtos sistemas liberais, por exemplo na Grécia e Europa ocidental. E na selecção dos líderes pela autocracia, o favoritismo e o preconceito pessoal facilmente tomam o lugar do julgamento objectivo do mérito, enquanto o sistema encoraja o servilismo e a bajulação por parte dos candidatos.O princípio liberal, por outro lado, estimula mais que a autocracia o desenvolvimento de variadas potencialidades sociais , mas ao mesmo tempo de modo algum evita a constituição de elites fechadas no topo, como na autocracia, simplesmente o modo de formação dessa elites é diferente(...)

É possível haver, como já existiram, apesar das opiniões comuns em contrário, autocracias que são de tendência democrática e sistemas liberais que são de tendência aristocrática. O facto é que ambas as tendências, democráticas e aristocráticas, estão sempre operativas dentro de qualquer sociedade. A predominância de uma delas dá-se geralmente na sequência de um período de rápida, e frequentemente revolucionária, mudança social(…)

Não há sociedades governadas pelo povo, por uma maioria, todas as sociedades, incluindo as ditas democráticas são governadas por uma minoria.A fórmula democrática e a prática do sufrágio não significam o governo do povo. Exercem contudo um particular tipo de influência na selecção dos membros da classe dominante(…)a fórmula democrática e a introdução de mecanismos de sufrágio mais abrangentes enfraqueceu a posição da antiga aristocracia não-democrática e ajudou a ascensão da nova elite capitalista. A disseminação da fórmula democrática e das práticas eleitorais foram um factor importante, até essencial, na subida dos capitalistas à posição dominante na moderna classe dirigente.(…)

Se perguntamos quais são os principais efeitos, no nosso tempo, da fórmula democrática e do mecanismo de sufrágio teremos de responder que eles reforçam a tendência internacional para o bonapartismo…um pequeno grupo de lideres, ou um único líder, afirmam representar e falar por todo o povo.”